Um Homem de Moral, de Ricardo Dias, é documentário de uns 80 minutos que assisti com prazer no Espaço Unibanco da Rua Augusta, ontem à noite. Embora com uns poréns que não passam despercebidos, como a pouca qualidade das imagens, a obra de Dias é candidata séria a muitos prêmios nos festivais especializados do mundo todo. Além do mais, já nasce como peça fundamental para o resguardo da memória nacional.
Entrará em cartaz em junho.
Trata o filme da trajetória pessoal e profissional do paulistano Paulo Emílio Vanzolini, que o tempo e os estudos se incumbiram de transformá-lo num cientista de respeito e projeção internacional, para orgulho de todos nós. Sua especialidade é a herpetologia, ramo da Zoologia que estuda o comportamento dos repteis.
Vanzo, como é chamado pelos íntimos, também é dotado de talento invulgar na área da música popular, na qual se movimenta com evidente desembaraço desde quando a cantora Inezita Barroso, conterrânea e amiga, o lançou como compositor em novembro de 1953. O lançamento em questão foi o samba Ronda, gravado três meses antes, no dia 3 de agosto, e constante do lado B do disco de 78 RPM da extinta RCA Victor nº 80.1217.
É dele outros clássicos, como Volta por Cima e Praça Clóvis, lançados em 1962 e 1964, respectivamente, por Noite Ilustrada e Vitor Gonçalves.
Volta por Cima mereceu até citação em verbete do Novo Dicionário Aurélio.
No filme as aparições de Vanzolini, ora no laboratório do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, USP, ora nas pesquisas de campo na Amazônia e nos encontros informais com amigos como Paulinho Nogueira, são quase sempre reveladoras e bem humoradas, como, aliás, o são quase todas as suas letras musicais que fez até hoje.
Além das falas alegres do personagem, para deleite dos espectadores há bons números musicais no correr da fita, pilotados pelos nomes referidos e outros como Miúcha, Márcia, Maria Martha, Ana Bernardo, Martinho da Vila, Elton Medeiros.
Bons também são os causos.
Paulo Vanzolini conta, por exemplo, que a fama de pão duro seguiu Adoniran Barbosa até o túmulo, lembrando em tom de brincadeira que à época um dos integrantes do grupo Demônios da Garoa, Narciso Trevilatto, inventou a história de que Adoniran, forçado a pagar um cafezinho num bar para um amigo, sofreu uma parada e morreu. Maldade... Nas suas histórias aparecem Adoniran, Geraldo Filme, Zé Limeira, chamado de Cantador do Absurdo, e muitos outros.
Após a exibição do filme, foi aberto um bate-papo com a platéia. Na mesa, o diretor Ricardo Dias, a professora Ludmylla Mendes Lima, autora de um estudo sobre a obra de Vanzolini e o próprio Vanzolini. A certa altura a professora insistia em dizer que Vanzolini é poeta, enquanto ele rebatia afirmando o contrário e que, na verdade, não passa de um simples letrista.
O bate-papo findou quando um jovem da platéia quis saber sobre o conteúdo da emblemática letra do samba Leilão, 5ª faixa do 3º dos quatro CDs da caixa Acerto de Contas (Biscoito Fino, em 2003). Numa palavra, o autor definiu com a maior naturalidade possível: mulher, para gáudio da platéia e do jovem curioso.
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Logo mais às 20h30 estarei mediando um debate em torno da obra do compositor Paulo Vanzolini, no Sesc Vila Mariana. A meu lado, além do autor, Eduardo Gudin, Fernando Faro e Dráuzio Varella.
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quinta-feira, 23 de abril de 2009
domingo, 5 de abril de 2009
LETRAS E LIVROS
O que é mentira, o que é verdade? ///// Dia 3 último, sexta, pelo calendário de datas etc., foi o Dia da Verdade. Dois dias antes, o da Mentira. O que separa um dia do outro? ///// O ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, dizia que a mentira tantas vezes anunciada se torna verdade. Ele sabia... ///// Pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômico, Dieese, entidade que vê e de alguma forma interpreta coisas várias à margem dos gabinetes oficiais, dava conta, em 2007, que pelo menos 12% da população brasileira são de analfabetos absolutos e 30% se enquadram na janelinha dos horrendos funcionais; aqueles que abrem livros e lêem, lêem e não sabem o que lêem. ///// Mais ainda revelou aquela pesquisa de triste recordação e que continua em voga, infelizmente: moços identificados na faixa etária que vai dos 18 aos 24 anos estão fora das escolas de ensino médio. Putz! O que sobra? Pensem... No meio do ano passado, foi divulgado que em termos de analfabetismo o Brasil só não perde por Haiti e Guatemala... Triste, não é? Para nós, o Haiti e a Guatemala. ///// Qual a região pior deste Patropi de mais de 8,5 quilômetros quadrados, no que se refere à miopia de não saber ler? O Nordeste, o Sudeste...? Deixemos pra lá... //// Anteontem o Obama negro e sabido disse que Lula da Silva “é o cara”. Arrepiei-me por inteiro. Cuidemo-nos com nossos mais de 8,5 milhões de km2... ///// O rei do baião Luiz Gonzaga aprendeu a ler e a escrever na marra. ///// Patativa do Assaré, também. Jackson do Pandeiro, mais ou menos. Voltarei ao assunto. ///// O dia 4 nos trouxe uma verdade insofismável: a morte, por acidente vascular cerebral (AVC) do ex-deputado Márcio Moreira Alves, aos 72 anos de idade. Márcio foi o estopim do AI-5, ao pronunciar em plenário um discurso em que pedia boicote às comemorações do 7 de setembro, rogando às moçoilas verde-oliva jejum aos namorados e amantes de quartel. Ai, ai. //// Estou lendo um livro maravilhoso: “Às Margens do Sena, Depoimento a Gianni Carta”, que tatá da vida e carreira do jornalista Reali Jr. Comentarei depois. ///// Amanhã 6 a exposição “Ave Patativa!” amanhece na estação Paraíso do Metrô. Hoje 5 fiquei todo pimpão ao passar pela Casa das Rosas e saber que nos últimos três dias mais de 1500 pessoas foram ver a exposição sobre o mais importante poeta popular do Brasil: Patativa do Assaré. Abaixo, registro do sarau que promovemos na Casa das Rosas, no dia 29-3:
quinta-feira, 2 de abril de 2009
LIVROS: É PRECISO LER
Ontem 1º de abril, Dia da Mentira, estreei este blog. Hoje 2, é o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil. Amanhã 3, de acordo com o nosso calendário de datas comemorativas, é o Dia da Verdade. Quer dizer: entre os dias da Mentira e o da Verdade, urge uma necessidade básica: ler. Mas para que essa necessidade urgente ganhe forma, é preciso aprender a ler. Aqui um “porém”, como diria o dramaturgo Plínio Marcos, já esquecido: para aprender a ler é preciso estudar e para estudar é preciso escola, daí também a necessidade urgente-urgentíssima de professores com capacidade óbvia de transmitir saberes etc. O eterno círculo vicioso é o que vivemos, infelizmente. A roda viva sem fim. O gato atrás do próprio rabo. Uma embatucada, enfim! Um beco sem saída. Ora, como ensinar bem se o professor anda mal e não é capacitado no seu ofício sagrado? Salário? Uma piada. Não é mole ser professor. Milhões de brasileiros de todas as idades continuam sem saber distinguir direito um “o” de uma roda. Péssimo, não é? E nem entro na questão sobre os números do analfabetismo que grassam a nossa realidade. Porém, um fato indubitável pula aos olhos: quem ler sabe mais. Monteiro Lobato, o mesmo que fez a besteira de criar o personagem Jeca Tatu nos anos de 1920, foi o mesmo que levou e ainda leva muita gente a aprender se divertindo através de Emília, dona Benta, Cuca, Saci, Tia Anastácia... Sei lá! Alguma coisa é preciso fazer. Ao invés de a população fazer milhões e milhões de ligações para pôr ou tirar não sei quem da tal Casa da tevê Plim Plim, poderia muito bem fazer milhões e milhões de ligações para os políticos que elegemos tomarem vergonha na cara e lutar por um País melhor. É isso!/Ah! Luiz Gonzaga, o rei do baião, aprendeu a ler e a escrever sozinho. O poeta Patativa do Assaré, também. João do Vale, mais ou menos. Falarei desses grandes depois. E de literatura de cordel e repentismo. //// Ontem, como fora previsto, proferi palestra no Rotary Club, unidade Interlagos. A meu lado, o cantor e compositor pernambucano Costa Senna, moço que ainda tem muito a transmitir. //// Quero agradecer aos primeiros leitores desse blog, pelos comentários: Klévisson Viana, Roniwalter Jatobá, Marco Haurélio, Rozângela Inojosa, Paulo Benites, Júbilo Jacobino, Darlan Ferreira. //// Arriba!
quarta-feira, 1 de abril de 2009
DIA DA MENTIRA
Abram alas! Chego hoje e chego tarde na forma de blog, lembrando que o turbulento dia 1º de abril de 1964 rompeu a barra dos trópicos trazendo horror, mordaça e morte para quem discordasse fosse do que fosse. Como na incrível história de Kafka, em que um cidadão acorda metamorfoseado em barata, de uma hora para outra o Brasil acordou suado, assustado, suspeito, perseguido. Por trás daquilo, empresários influentes e políticos direitistas passavam cheques em branco e davam o aval que o sistema pedia em nome da lei e da ordem para engolir suas presas. À frente, uma junta militar mal humorada fazia e desfazia o que queria sob as garras do general Humberto de Alencar Castelo Branco. Pois bem, embora conhecido por Dia da Mentira em todo canto, aquele inesquecível 1º de abril acabaria por se tornar diferente dos outros, ao portar uma realidade chocante, terrível, que se estenderia por duas décadas inteiras, amortecendo mentes e corações e prenunciando a criação de um Estado de exceção: os “anos de chumbo”, que vieram à tona com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), na fatídica noite de dia 13 de dezembro de 1968. ///// Na tarde do dia 26 de março último, na área de convivência do SESC Consolação, ali na Dr. Vila Nova, o passado possibilitou lembranças entre mim e a atriz Vanja Orico. Ela: – Eles (soldados) me prenderam apontando armas. Eu disse: “Não atirem, somos todos brasileiros”. A fama ou o fato de ser filha de um embaixador (Osvaldo Orico), ou ainda um milagre, impediu que a atriz de Latuada e Felini tivesse destino a ser lamentado, ao se atirar contra veículos militares no Rio de Janeiro, na tarde de 24 de outubro de 1968, Entre uma fala e outra, ela chegou a cantar na língua dos russos. Vejam e ouçam. ///// Logo mais à noite farei palestra numa unidade do Rotary Clube, na região paulistana de Interlagos. O tema é educação; coisa de que tanto carecemos, não é mesmo?