Num vôo entre as capitais de Recife e São Paulo, li domingo 29 notícia à página A12 do centenário jornal Diário de Pernambuco dando conta de que o paulistano José Serra, agora em campanha bamba à Presidência com o cognome Zé, deixou de responder a repórteres por não entender o que falavam.
Isso mesmo, por não entender o que falavam.
E era na língua pátria que os repórteres de Pernambuco se expressavam, e não em grego ou javanês.
Fiquei chateado.
Poxa, e logo o Zé!
Zé que já foi ex um monte de vezes e coisas na República em voga: deputado estadual, deputado federal, senador, ministro; prefeito e governador, mandatos que abandonou sem quê nem mais em plena vigência, após afirmar em cartório que os cumpriria até o fim.
Assim não dá.
Mas um tanto encafifado e sem querer crer no que li, eu reli e depressa corri os olhos para a manchete estampada em letras graúdas e ilustrada por esquisita foto que não deixava dúvida: O SOTAQUE É O PROBLEMA.
Ah! O nosso sotaque nordestino.
Belo, melodioso, é o sotaque da gente do Nordeste, não é?
Eu sou de lá.
Tem coisa mais bonita do que ouvir o sotaque do povo numa língua só?
“Existe uma língua brasileira ou a denominação correta seria língua luso-brasileira? Assis Ângelo, escritor, jornalista e radialista paraibano radicado em São Paulo (...) e Téo Azevedo, poeta, cantador, repentista, escritor (...) passaram uma porção de tempo fichando palavras e expressões populares correntes no Nordeste (...) e o resultado foi esta valiosa contribuição ao estudo da língua falada pelo povo, pelo matuto, pelo tabaréu. E como a língua de um país é feita pelo povo, eis aí um prato feito para os dicionaristas e para os estudiosos e pesquisadores da área”.
O prato feito a que se referia o folclorista Mário Souto Maior (1920-2001) era o Dicionário Catrumano, Pequeno Glossário de Locuções Regionais publicado em 1996 e que recomendo completamente ao Zé.
No texto que abre o livro após o de Mário, eu digo que o Brasil carrega no seu bojo uma peculiaridade especialíssima: o sotaque.
E digo também que o sotaque é o canto de uma língua.
Isso que eu disse se acha na abertura e fechamento do monólogo Memórias de Embornal, de Íris Gomes da Costa, estrelado por Jackson Antunes e dirigido por Tizuka Yamasaki, em 2000.
Caso leia o Dicionário, Zé conseguirá rapidamente entender o jeito de falar dos meus conterrâneos...
Mas parece que Zé também tem problemas de entender o que falam os mineiros e goianos.
Se confirmado isso, a situação se agrava.
Como poderia alguém governar um país sem saber a língua de seu povo?