Meus amigos estão indo embora, sem avisar.
Simplesmente, fecham os olhos e partem.
Os dois últimos a fazer isso foram Juvenal Fernandes e Roberto Stanganelli.
Juvenal, paulistano nascido em outubro de 1925, partiu no dia 22 de junho e desde o dia 27 de agosto tem seu nome exposto no auditório da Editora Arlequim, por iniciativa do empresário Waldemar Marchetti, o Corisco, com quem trabalhou nos últimos anos.
Juvenal viveu o tempo todo no mundo do disco, compondo, fazendo versões e publicando livros de poesias.
É dele, por exemplo, a versão da faixa 2 do disco de estréia da cantora Elis Regina, Sonhando (Dream).
Juvenal foi sócio-diretor da Fermata e, nessa condição, responsável pela edição de algumas obras-primas da música brasileira, entre as quais Disparada, de Vandré-Théo de Barros, e Desafinado, de Tom Jobim-Newton Mendonça.
Conheceu meio mundo e foi amigo de muita gente, como Vicente Celestino.
Dizia que gostava muito do Vicente.
Stanganelli era, na sua modéstia mineira, um ser requintado, exemplar, caladão e observador.
Compositor, instrumentista e produtor fonográfico dos mais valiosos, nascido em fevereiro de 1931, ele acreditava na vida pós-partida.
Partiu domingo passado.
Uma vez, sem mais nem menos, ele olhou pra mim, riu e disse:
- Fique com meus discos, com você serão mais úteis.
Isso faz anos e eram uns trinta LPs.
Tentei várias vezes levá-lo para entrevista nos meus programas de rádio, mas ele, sempre rindo, com a maior naturalidade, dizia:
- Eu vou outro dia.
E esse dia nunca veio.
O mesmo aconteceu com Juvenal.
Eu insistia, mas não adiantava.
Algumas vezes fui à sua casa, no tempo que ainda morava nas proximidades do Museu da Imagem e do Som, nas proximidades da Avenida Europa.
Oferecia-me sempre que ia lá uma boa cachaça, enquanto sorvia café e jogava palavras fora.
Conheci seu arquivo com milhares de verbetes que, acho, nunca publicou na forma de enciclopédia, como desejava.
Como era do seu feitio, Juvenal ia deixando pra depois o que podia fazer logo, como as parcerias que assinou com vários artistas, entre os quais Adoniran Barbosa.
Stanganelli deixou pelo menos duas centenas de composições inéditas, como me disse o seu amigo editor Valdimir D´Angelo, da Arlequim.
De Juvenal, como lembrança, ficou o seu prefácio para um dos meus livros: O Brasileiro Carlos Gomes, que publiquei pela Companhia Editora Nacional, em 1987. No primeiro parágrafo, ele escreveu:
“Fazendo um apanhado sincero, honesto e corajoso sobre o Tonico de Campinas, desde a sua infância e até o seu final melancólico, Assis Angelo colabora, assim, com mais este trabalho, para fazer chegar às gerações mais novas o valor e a importância de um gênio musical e do maior herói não militar das terras brasileiras: Antônio Carlos Gomes”.
Curiosamente, e seguindo essa mesma linha de interpretação, escreveu também o maestro cearense de Iguatu Eleazar de Carvalho:
“Dominando a árdua tarefa da pesquisa, Assis Angelo escreveu o livro O Brasileiro Carlos Gomes preocupado não com um sucesso comercial, mas, simplesmente, plasmando suas observações sob a inteira proteção de resultados dos fatos reais que marcaram a vida e a obra do nosso maior compositor operístico das Américas”.
O maestro partiu em setembro de 1996.
A vida segue seu rumo.