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domingo, 10 de maio de 2015

UM ANJO TORTO


Este é livro importante por ter sido escrito de modo espontâneo por uma fã declarada de Nelson Gonçalves, Onélia Setubal Rocha de Queiroga; e não, necessariamente, por especialista nos estudos da história da música popular, cujo resultado, aliás, quase sempre é chato.
Na verdade, são poucos os textos em que os autores têm a coragem de revelar histórias de ídolos com firmeza e beleza como tão bem Onélia Setubal o faz, à parte graça no escrever.
Este livro é uma contribuição importante e natural à compreensão da força que os grandes artistas da música popular imprimiam aos fãs nos tempos dos anos 40, 50...
Dito isto, lembro que o cantor Nelson Gonçalves nasceu em 1941, pois foi nesse ano que a extinta gravadora Victor o contratou. Já o gaúcho Antônio Gonçalves Sobral, nome de batismo do cantor, nasceu no dia 21 de junho de 1919, mesmo ano em que o Rei da Voz, Chico, estreava em disco gravado com marca do selo Popular do companheiro da maestrina Chiquinha Gonzaga, João, confundido até hoje como filho dela, a marcha carnavalesca Pé de Anjo, de J. B. da Silva, o Sinhô.
Dito isto digo também, e assino em baixo, que Nelson foi um grande cantor, dos melhores no campo da música popular desde Vicente Celestino, Silvio Caldas, Chico Alves, Orlando Silva, o argentino naturalizado Carlos Galhardo e outros mais.
Um grande.
No palco, Nelson era impecável.
No palco Nelson arrasava, no melhor dos sentidos.
Fora do palco, Nelson era um pecador, grosso, bruto, um mal-educado que arrasava, no pior dos sentidos.
A história de Nelson é cheia de mentiras e contradições, de desrespeito e maltrato as mulheres.
Pode?
Não pode.
Nelson não estava preparado para a vida em família, entendem seus biógrafos e amigos mais próximos, como Marco Aurélio Barroso, autor do livro A Revolta do Boêmio; e Moacir Fontana, um dos seus mais fiéis seguidores, desde sempre.
Nascido em Santana do Livramento, RS, de pais portugueses, Nelson viveu na capital paulista por muitos anos; desde os seis, quando deixou a sua cidade natal.
Em São Paulo, ele viveu vendendo jornais, engraxando sapatos e fazendo bicos etc. e tal e atendendo a clientela do bar do irmão Joaquim, Quincas, na esquina da Alameda Nothmann com a Rua São João, ali perto da Ipiranga famosa da canção do baiano Caetano.
Eu o conheci bem.
Nelson frequentou por pouco tempo os bancos escolares, e nesses bancos pouco aprendeu.
A vida foi o seu professor.
O pai, seu Manoel, não era chegado a trabalho e se fingia de cego tocando rabeca para o filho; ele, Antônio, Nico, o futuro Nelson, cantar sobre caixotes nas feiras-livres e na Praça da Sé de São Paulo.
Essa rotina durou até ele, crescido agora chamado Metralha, sair de casa por causa das provocações sacanas da mãe, dona Libânia, que o chamava de vagabundo puxado ao pai.
Tinha uns 18, 19 anos de idade Nelson quando casou e teve dois filhos biológicos.
Os únicos.
Já na rua, Nelson tentou a carreira de lutador de boxe; mas um colega de academia, no Brás, lhe capou a vontade e o fez estéril, com um golpe nas partes pudendas.
Depois disso, o seu sonho passou a ser cantor.
Com a ajuda dos amigos Oswaldo e Orlando, compositores em início de carreira, Nelson gravou um acetato para mostrar que poderia ser um grande cantor ao mandachuva da extinta Victor, Vitorio Lattari, por recomendação do vendedor de discos por atacado, Cássio Muniz.
Lattari gostou do que ouviu, mas não acreditou que fosse dele a voz que ouviu do acetato, e sem conversa o expulsou da sala, chamando-o de gago e charlatão.
Dois ou três dias depois, Nelson voltou para se explicar.

O flautista Benedito Lacerda foi a sua salvação.