O grupo paulistano Gato com Fome no show de reverência ao baiano Riachão |
Tem
coisas que eu não entendo na vida.
Como
jornalista, eu conheci meio mundo e meio. Conheci pessoas incríveis. Pessoas
que atuam e atuaram em todas as áreas do viver cotidiano. Lembro do Gonzaga, uma
pessoa que me orgulho ter tido como amiga; lembro do Mario Zan, que Gonzaga o
fez Rei da Sanfona; lembro do Zé Ketti, que chorou quando lhe mostrei Máscara
Negra, dele, em inglês; do Sivuca e de tanta gente que a memoria ainda
guarda... Câmara Cascudo, Eleazar de Carvalho...
Vocês
ainda lembram de Inezita Barroso?
E
do Paulo Vanzolini?
E
do Nelson Gonçalves?
Pois
é, é muito bom lembrar ontem. O ontem, nos faz viver hoje. E aí, de repente, um
amigo acaba de telefonar perguntando se eu sei quem é Manezinho Araújo,
Batatinha e Riachão. Manezinho...
Assis Angelo e Manezinho Araújo, o Rei da Embolada |
A
vida tem razão de ser quando a gente quer viver. E vivendo, a gente acha razão
de ser e de viver. Nesse caminho, a gente se multiplica. Quando a gente se
multiplica, e quando se é do bem, a vida fica melhor. Mas não quero perder o
prumo à pergunta que me veio pelo telefone: você conhece Manezinho Araújo, Batatinha
e Riachão?
Na
última vez que Riachão esteve em São Paulo, dia 2 de abril deste ano, eu fui
vê-lo. Até escrevi um texto que não sei por que razão, coisas da Internet, não
foi publicado. O texto é este:
O
Brasil está perdido, mas pode ser achado rapidamente na coisa mais importante
que tem: a cultura popular, que é a representação mais autêntica do povo. Na
sua forma mais bonita, fez-se presente ontem à noite, no teatro da unidade SESC
Pompeia. No palco, uma legenda do samba da Bahia – e do Brasil: Riachão.
Há muito eu não via um artista tão completo
mostrar-se ao povo cantando uma fieira de obras-primas autorais. E foi isso o
que vi fazer o baiano Riachão, de batismo Clementino Rodrigues.
Riachão, aos 95 anos de idade, cantou com voz
firme, afinada, e desembaraço de um jovem cinquentão.
Ele está em plena forma, foi o que mostrou.
Vi-me encantado e surpreso com a performance de
Riachão. A dúzia e meia de músicos que o acompanharam são o suprassumo do samba
de São Paulo, à frente os meninos do grupo Gato com Fome. Não custa lembrar:
Gato com Fome nasceu com as bênçãos de outra grande legenda do samba:
Oswaldinho da Cuíca.
Oswaldinho acaba de ser descoberto pelo grupo de
rock londrino Rolling Stones, mas essa é outra história...
Conheci Riachão há uns vinte anos, e o que pude
constatar é que ele continua o mesmo na sua grandeza de artista popular. Ele já
foi gravado por dezenas e dezenas de intérpretes brasileiros, incluindo Jackson
do Pandeiro, Jamelão, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Ivone Lara e Cassia Eller.
No mais, ele contabiliza umas trezentas músicas suas ainda inéditas.
Riachão é uma fonte de pérolas musicais sem fim.
Ouvindo o autor de Cada macaco no
seu galho, não posso deixar de lembrar do erudito alemão Johann
Sebastian Bach (1685 – 1750).
Bach passou a vida louvando a Deus que, aliás, se
acha presente literalmente em toda sua vastíssima obra. Quem não conhece Jesus a alegria
dos homens?
Medindo as diferenças, o popular Riachão tem a
grandeza de Bach e um ponto em comum: ambos falam de Deus o tempo todo.
Agora meu amigo, agora minha amiga, imagine Deus se
fazendo presente num ser humano. Calma. Não esqueça, que Ele disse que somos no
rigor a sua semelhança. Agora imagine Ele sendo acompanhado por mestres do
samba. Samba como sangue que corre nas veias. A noite que vi Riachão cantando,
sambando sentado, é divino ou não é? Atrás, na frente e no meio, Riachão
cantando com a voz de Deus. Cavaquinho, violão (e 7), trombone, pandeiro,
surdo, tamborim, cuíca, reco-reco, agogô e atabaque. E como se não bastasse, um
coro formado por vozes que parecia ter vindo de outro mundo.
Eu acho que foi a vez que o grupo musical Gato com
Fome se saciou por completo.