José Ramos Tinhorão, Monarco e Elizabeth Lorenzotti, no lançamento de Tinhorão, o Legendário |
No nosso País sempre houve briga, massacres, guerras.
Não faz muito, o Papa Francisco canonizou de uma só vez 30 ou mais vítimas da violência holandesa no Rio Grande do Norte, RN.
Há escravos no Brasil desde a chegada dos primeiros invasores...
Em 1539, já havia escravos negros por aqui.
No final do século 19, a princesa Isabel assinou famoso documento de libertação dos negros escravos.
Foi, não, foi ainda se ouve notícia da existência de escravos negros e brancos no território nacional. Uma vergonha!
O brasileiro de Santos, SP, José Ramos Tinhorão desde sempre tem direcionado holofotes à escuridão histórica em que nos vemos mergulhados.
Na trintena de livros que já publicou, Tinhorão falou de tudo e mais um pouco, a partir da música e da dança. É assim, por esse meio, que ele tem trazido à tona a nossa história. A propósito, repito: há muito defendo a necessidade de os livros dele serem adotados nas escolas públicas em todos os níveis.
Tinhorão nunca fugiu da raia, da briga, da discussão em torno da formação cultural do Brasil. A prova são seus livros e entrevistas publicadas há muito tempo e o tempo todo em todos os meios. Não à toa transformou-se no historiador mais polêmico até os dias de hoje. É lido, consumido no meio acadêmico. Mas, aparentemente, esse meio não o digere como deveria, citando-o, por exemplo.
Aqui e acolá é possível achar teses universitárias sobre Tinhorão. E até um livro já foi publicado sobre ele. Esse livro, Tinhorão, o Legendário (Imprensa Oficial, 2010) de Elizabeth Lorenzotti, é um mergulho na vida e obra desse grande brasileiro. A biografia foi muito bem recebida pela imprensa, confiram ao lado.
A leitura é recomendadíssima.
Não resisti e acabo de fazer umas perguntas à autora do livro, Elizabeth. Deleitem-se:
1. Quando e por que você
decidiu escrever a biografia de José Ramos Tinhorão?
Eu havia
feito uma entrevista com ele para a revista Sem Terra, do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra), que dedicava um bom espaço para a cultura. Já
era sua leitora desde O Pasquim,e morria de rir com sua língua ferina, mesmo
não concordando com muita coisa.Um dia, batia um papo com o Paulo Moreira
Leite-que estava de passagem pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
tratando da edição do meu livro “Suplemento Literário- Que falta ele
faz!”. Então o Paulinho me disse: você gosta muito de música popular não é? Por
que não escreve a biografia do Tinhorão?”
Ele
estava reativando a coleção Imprensa em Pauta. Eu adorei a ideia e
aceitei.
2. Ele
colocou algum empecilho para que isso não se concretizasse?
De jeito
nenhum. No começo talvez, mas foi convencido.
3. Quais
as maiores dificuldades que você encontrou para mergulhar na vida de Tinhorão?
Nenhuma.
Tinhorão tem guardadas todas as matérias que escreveu na vida, desde o primeiro
texto legenda para o Diário Carioca. Ele levava material toda a semana, na
ex-querida livraria Metido a Sebo, na Vila Buarque, onde sentávamos em
banquinhos no pequeno quintal e conversávamos. Os entrevistados também não
dificultaram.
4. O que
foi mais difícil: o acesso a ele ou a toda sua obra?
Não
houve dificuldades, porque ele facilitava qualquer acesso a qualquer das obras,
com sua memória fantástica, e me indicava. E ele tem todos os livros.
5. Quais
livros você desataca como fundamentais da obra de Tinhorão?
O que eu
gosto mais é Historia Social da Musica Popular Brasileira. Indispensável. Foi
publicada primeiro em Portugal, em 1990, vejam só. Pesquisas minuciosas, desde
a Torre do Tombo em Portugal, e tudo comprovado. E a visão discordante sobre a
MPB de tudo o que se havia publicado até então.
6. A seu
ver, Tinhorão é rejeitado pela academia?
Acho que
hoje nem tanto. Há citações da sua obra em sites internacionais. Mas aqui ele
sempre foi tratado, na academia, como “o jornalista” e não como grande
sociólogo, historiador da nossa cultura urbana. Diz: “A academia come Tinhorão
e arrota Mário de Andrade”. Porque ele sempre foi fonte, e também porque,
afirma, os acadêmicos em geral não são acostumados a se embrenhar em sebos
poeirentos, como ele fez a vida inteira. E Tinhorão iniciou sua pesquisa quando
a academia não se preocupava com estas questões: não havia um livro para
consultar na época em que começou a escrever (porque havia se encerrado uma
série sobre história do jazz), convidado por Reynaldo Jardim, no Jornal do
Brasil. ”Mas Reynaldo, onde é que eu vou pesquisar? Não tem nada.” E o Reynaldol:”
Sai por aí e entrevista a crioulada”. Foi o inicio.
7. Você
acha que escreveu a biografia completa de Tinhorão?
Eu acho
que seria preciso mais alguns livros para contar a história dessa grande
figura.A cada encontro com ele conta alguma coisa interessante do passado e eu:
“Mas Tinhorão, por que você não me contou isso para a biografia?”
Acontece
que o repertorio é tão vasto que nem mesmo sua ótima memória lembraria tudo, só
aos poucos.
E tem
também o que sei mas não publiquei, afinal, é uma biografia autorizada, e o
Tinhorão não é mole não! Porém,não se trata de nada que embace o brilho de
sua contribuição à nossa historiografia e sociologia da MPB. Folclore não
entrou,e como disse o João Máximo na matéria de 2010 no Globo:”o livro
retrata o jornalista, e não a lenda”.