Mais uma vez tive o prazer de receber na sede provisória do Instituto Memória Brasil ( IMB), equipe profissional de jornalismo da TV Cultura. À frente, a repórter de sensibilidade agudíssima, Luiza Morais. E mais uma vez falei sobre o que entendo: cultura popular.
Claro, claro, eu sei das limitações de tempo.
Tempo em televisão é eternidade. Trinta segundos, por exemplo, parece um minuto....
Receber mais uma vez, uma equipe da TV Cultura é dez.
Poxa vida, todos os momentos em que vivemos são momentos de discussão, de memória ou reflexão.
É carnaval!
O tema carnaval é tema para refletirmos sobre nós como pessoa e, principalmente, sociedade.
Herdamos dos nossos primeiros invasores, muitas coisas, inclusive o Entrudo.
O Entrudo foi a primeira manifestação carnavalesca, digamos assim, que tivemos.
O Entrudo foi um horror, no rigor do termo entendível.
À equipe da TV Cultura eu teria que falar sobre marchinhas e blocos.
Os blocos carnavalescos, no Brasil, começaram com Entrudo. Quem trouxe isso para o Brasil foi o português, José Nogueira de Azevedo Paredes. Era sapateiro, pequeno comerciante.
Pois bem, eu deveria falar a TV Cultura sobre marchinhas e blocos.
A primeira marchinha de carnaval foi criada pela carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935), Ó Abre Alas.
Eu falei muitas coisas sobre o carnaval brasileiro, naturalmente desde as suas origens.
Falei também que o carnaval de 2018, este em que estamos vivendo, será o carnaval político; politicamente incorreto....e não adianta a gente ficar falando sobre os sexos dos anjos, ou seja: que o negro não é negro, que o branco não é branco....
Na música brasileira se acha o comportamento do ser brasileiro com seus acertos e desacertos.
Anotem aí: os blocos de carnaval estão voltando para ocupar o espaço que sempre tiveram.
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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018
TINHORÃO É MADEIRA QUE CUPIM NÃO RÓI
Audálio Dantas, Tinhorão e as cantoras Célia e Celma na casa do Assis onde costumeiramente se encontram... |
Não é modesto e besta não é. José Ramos Tinhorão é o mais competente e desafiador estudioso da história do Brasil, a partir da cultura popular. Isso é óbvio e por ser óbvio não nego o que vejo.
Tinhorão nunca recebeu um prêmio em dinheiro ou troféu. Mas forte que é, insiste ainda aos 90 anos a pôr os pingos nos i.E, diga-se de passagem: nunca fez nada para receber prêmio algum. Prêmio, para ele, é sua própria vida.
Desconheço alguém que conheça tão bem sobre a nossa cultura popular. E é crítico, sem papas na língua. A ele não importa agradar a seu ninguém, a "a" ou "b". Pra ele acima de tudo a verdade histórica. Claro que há outros estudiosos abnegados, mas a maioria desses dedica-se à biografias, como Laurentino Gomes...
Pesquisar, estudar, dá um trabalho dos infernos, mas ele vai em frente. Agora mesmo, está escrevendo mais um livro. Dessa vez sobre licenciosidade na cultura popular.
Vai ser muito difícil surgir alguém que se dedique tanto à pesquisa como José Ramos Tinhorão.
Você meu amigo, minha amiga, sabe que Tinhorão já se meteu a fazer poesia e desenhos? E por falar nisso, dedico a ele estes versos que acabo de fazer:
Nessa nossa terra tem
Xote, xamego e canção
Frevo e maracatu
Samba, batuque e baião
E poeta popular
Tirando verso do chão.
É uma terra bonita
Que dá vida, dá lição
Ensinando a sua gente
A ter mais educação
A ler para entender
O Brasil de Tinhorão
Esse mestre logo pôs
A cultura em discussão
Pra depressa entender
Sua origem e formação
Ora juntos aplaudamos
J.R.Tinhorão.
Folha de S.Paulo
E não é que o "pluralista" Jornal paulistano FSP dedicou, hoje, uma página inteirinha ao nosso José Ramos Tinhorão? pois é, procurem ler o que foi dito. No site da própria Folha, por exemplo. Aliás, a própria Folha noticia um encontro que teremos sexta, 9, com Tinhorão e sua biógrafa: Elisabeth Lorenzotti. Não sei de cabeça o local. Está na Folha.
ELISABETH LORENZOTTI
Elisabeth escreveu um belo livro sobre a vida e obra de Tinhorão.O livro abre com ela apresentando o mestre:
Ele sempre nadou contra a corrente.
Escreveu que a Bossa Nova é uma variante americana do samba, tão brasileira
como um carro montado no Brasil. Que João Gilberto inventou um jeito de cantar
para adaptar a música brasileira ao estilo americano. Garantiu que Sinhô havia
inventado a batida da Bossa Nova com quase 30 anos de antecedência.
Personagem singular da história do
jornalismo brasileiro, trata-se do único que, a partir de seus artigos em
jornais, começou a construir uma outra carreira, a de historiador da cultura
urbana. Hoje, seus artigos reunidos em livros são respeitável fonte
de estudos e pesquisas, assim como toda sua obra de historiador.
Alma de pesquisador que se revelou quando
o poeta e criador de jornais Reynaldo Jardim encomendou, em 1961, no Jornal
do Brasil : “Tinhorão, faça uma série sobre música popular brasileira”. Mas
não havia livro, nem pesquisa, quase nada sobre isso. “Então se vira, vai
entrevistar o pessoal, recorta jornais”, aconselhou Jardim. Um e outro não
tinham idéia de que naquele momento -- por acaso, sorte, oportunidade,
conjuntura astral? – estava dado o primeiro o passo para uma carreira ímpar no
jornalismo.
Ímpar porque o jovem José Ramos foi
contratado pelo Diário Carioca e por todos os outros jornais e revistas
em que veio a trabalhar – Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O
Cruzeiro, O Jornal, Última Hora, revista Veja , entre outros – para
a função de redator, copydesk ou copidesque, termo recém adaptado do jornalismo
norte-americano nos anos 50.
Ele sempre se refere à “humilde função de
copidesque”, na qual o jornalista não assina matérias, não escreve o texto de
sua autoria, apenas torna mais legível o que o outro escreveu, e muitas vezes
faz milagres.
Nesta função o jovem José Ramos começou em
1952 no pequeno e famoso Diário Carioca, onde Pompeu de Souza e Danton
Jobim introduziram uso do lead e o primeiro, enxuto e corretíssimo, manual de
redação. Uma revolução na imprensa brasileira.
Lá ele ganhou o apelido de Tinhorão, que
se tornou um sobrenome-adjetivo, pois eis que se trata de uma planta tóxica.
E por ter se destacado como exímio fazedor de textos-legendas, recebeu um
epíteto apropriadissimo: “Tinhorão, o legendário”.
Poderia ter ficado como copidesque a vida
toda. Mas não o irriquieto Tinhorão, que fazia suas pesquisas e escrevia desde
sempre nos suplementos de cultura de tantos veículos. E que nos anos 70, já em
São Paulo , para onde viera fazer parte da primeira turma da
revista Veja, lançada em 1968, foi chamado para fazer crítica no Caderno
B do Jornal do Brasil.
Aí se cristalizou a fama de chato, que já
havia se formado em fins da década de 1950, começo da de 1960, com suas
críticas à Bossa Nova e seu nacionalismo. A colaboração na coluna foi extinta
em 1981, segundo o informaram, um corte por medida de economia.
A par da vida jornalística, que tanto
exige dedicação intelectual e física, Tinhorão já escrevia livros, desde 1966.
Em 1980, infeliz com a profissão e com sua
vida pessoal, largou literalmente tudo e tornou-se um quase ermitão, um
militante solitário da cultura, vivendo literalmente dentro da pesquisa: seu
quitinete de 31
metros quadrados entupido de
livros, discos, partituras, documentos raros e de incrível valor. Mas era
feliz, fazendo o que queria, embora vivendo com estreita margem financeira.
E suas pesquisas, então, já haviam causado
mais polêmicas: ele disse que o samba nasceu na Cidade Nova, no coração do Rio,
e não no Recôncavo baiano. Que a modinha nasceu no Brasil e não em Portugal, e
depois conquistou Lisboa. E que o fado também nasceu no Brasil. Descobriu que
Lereno, o poeta e músico fluminense Domingos Caldas Barbosa, introduziu a
modinha e o lundu na corte portuguesa por volta de 1770.
Hoje são 27 livros, editados entre Brasil
e Portugal.
Embora sem contar com o
reconhecimento formal da academia (“esse pessoal come Tinhorão e arrota Mário
de Andrade”, costuma observar), suas pesquisas até hoje não foram
refutadas e ele mesmo diz: quem quiser, que conte outra história, o que
nunca aconteceu. Suas opiniões, sim, sempre originaram grandes e raivosas
polêmicas, até hoje, em menor intensidade e paixão, amenizadas pelo tempo e
pelas tantas transformações das coisas deste mundo. Mas não do pensamento de
Tinhorão, fiel ao seu método histórico, o materialismo dialético,
ferramenta de explicação dos fenômenos que trouxe luz às suas interrogações,
ainda jovem.
Quem ouve falar dele, assim de orelhada,
do seu nacionalismo e de suas contendas, pensa tratar-se de um ser
mal-humorado, ranheta, tosco. Uma imagem oposta ao jovem Tinhorão que completou
80 anos em 7 de fevereiro de 2008. Ágil, vital,elétrico, engraçado, sempre com
uma resposta afiada na ponta da língua, um tipo muito culto e erudito,
apreciador da boa música e não só a popular. Esforçado, estudioso desde
criança, o filho de imigrante português que, menino, foi mandado sozinho para o
Brasil, não conheceu facilidades na vida e batalhou por abrir seu caminho.
Não era de noitadas depois de sair da
redação, sempre teve muitas atividades, sempre foi freqüentador assíduo de
sebos no centro do Rio e ávido recortador de jornais. Nunca recebeu patrocínio
oficial, apenas uma parca bolsa de estudos no seu curso de mestrado em
História Social , na Universidade de São Paulo.
Empreendedor de sua própria obra,
portanto, é alguém a quem o país só tem a agradecer (mesmo discordando dele
algumas vezes).