Eu conheci o africano de Moçambique Mia Couto, jornalista, poeta e contista, através da coleguinha Cris Alves. Mas foi assim, através da literatura. E gostei. O primeiro livro dele que devorei através dos ouvidos foi Vozes Anoitecidas, lançado em 1986. Esse foi o seu primeiro livro de contos, livro que reúne 12 bonitas histórias, algumas das quais fantásticas no sentido literal do termo; outras de uma tristeza incomum, invulgar, incríveis mesmo. A história da mulher que pilava água no pilão é absolutamente fora da imaginação. E a do boi mais vagaroso do que tartaruga, que explode minas? E a do homem das cobras, ali já pelo final? Antes de dar início à seleta reunião de contos, Mia Couto faz referência a miseráveis da vida. Lembro do início do texto que abre o livro Vozes Anoitecidas, na postagem que fiz há poucas horas, intitulada Cadê as Histórias do Paissandú? Lendo Mia Couto, especialmente este seu livro de contos, lembrei-me da escrita do mestre mineiro João Guimarâes Rosa. Mia Couto tem um quê especial e fantástico de Guimarães. Ex-ce-len-te! O lugar em que nasceu Mia é um lugar cheio de dores e encantos ao mesmo tempo. Viva Mia Couto!
CANTO LIVRO No próximo dia 16, quarta, o compositor, violonista e cantor Jean Garfunkel e a filha Joana, apresentam mais uma vez, o projeto Canto Livro, que tem a obra de Guimarães Rosa como alvo, será coisa bonita para se ver no Teatro da Rotina, que fica ali na rua Augusta.
A mais importante e rica cidade da América do Sul, São Paulo, esconde dos olhos de curiosos a pobreza de milhares e milhares de deserdados. Esses deserdados, oriundos de todas as partes do Brasil e até de outros lugares, procuram na cidade a esperança perdida. Além da periferia, eles ocupam cortiços e edifícios, cheios de ratos e baratas, esquecidos ou abandonados pelo poder público. Gravíssimo: explorados na sua santa ingenuidade por exploradores em geral que se identificam como "líderes" de movimentos que supostamente lutam por moradias a seu favor.
A riqueza de São Paulo, o município, se traduz no PIB de 651 bilhões de reais, dados de 2015. Isso faz com que São Paulo se inclua no ranking das dez maiores economias do mundo, não é coisa pouca, como não é pouca a miséria que se acha no seu digamos, submundo.
São Paulo, apesar de tudo, é uma cidade apaixonante. Não dá para não amá-la.
Há poucos dias, um edifício de 24 andares, pegou fogo e ruiu na região do Largo Paissandu, levando no seu bojo inúmeras histórias anônimas de sonhos e tristezas, de gente que chegou e saiu do mundo sem ser notada. Esse prédio, construído nos anos de 1960 serviu de sede da Polícia Federal. Era um prédio muito conhecido e frequentado por todo tipo de gente, inclusive jornalistas como eu.
A miséria está em todo canto.
No livro de estréia como contista (Vozes Anoitecidas) , o poeta moçambicano Mia Couto, começa assim no texto introdutório :"o que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem em si mesma".
E como uma coisa puxa a outra, logo lembrei-me do poeta romancista e político francês Victor Hugo ( 1802-1885).
No belíssimo tocante pungente romance "Os Miseráveis" de 1862, Victor Hugo apresenta a história de um pobre diabo que é condenado à cadeia por furtar um pão para amenizar a sua fome e a fome de casa. Ele finda por cumprir 19 anos de cana, nesse meio tempo e depois de solto, perambula pela cidade em busca de ocupação, que lhe é sempre negada. A única pessoa a lhe dar guarida, é um bispo. E não vou contar esse história, pois é muito conhecida: é uma historia de um miserável, de miseráveis, como bem indica o título do famoso romance de Hugo.
Essa história de miseráveis se repete em qualquer parte do mundo, desde sempre.
No município de São Paulo há miseráveis os mais diversos, de todo tipo, para todos os gostos de seus exploradores, líderes dos movimentos disso e daquilo.
As emissoras de rádio e televisão dizem o óbvio, o tempo todo: que os bombeiros estão no local, com cães farejadores, centenas de toneladas de entulhos foram retirados, que corpos foram achados, que sobreviventes estão acampados nas proximidades de onde sub-humanamente moravam, que a população está doando comida e agasalhos, água, etc.
O que dizem as emissoras de rádio e TV, também dizem os jornais e revistas, mas nenhum dos veículos de comunicação que mantém diuturnamente repórteres no local, contam as tragédias vividas ou deixadas pelos miseráveis do prédio que um dia foi sede da Polícia Federal em São Paulo.
Eu gostaria de ver uma das histórias de Victor Hugo extraídas dos entulhos do prédio que ruiu do edifício do Largo do Paissandu.