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segunda-feira, 22 de abril de 2019

O BRASIL SEM POLICARPO QUARESMA

O Brasil é pra profissionais. Sempre foi, na ficção e na vida real.
Em março de 1911 o carioca Lima Barreto levou à praça em folhetim no Jornal do Comércio, RJ, Triste Fim de Policarpo Quaresma. No formato de livro, essa história foi publicada 4 anos depois. Esse foi o seu segundo livro, o primeiro foi Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de 1909.
Em Policarpo Quaresma, Barreto conta a história de um pacato brasileiro que ia de casa pro trabalho do trabalho pra casa, pontualmente. Era solteiro, não tinha filho e morava com uma irmã e não fugia à rotina, de uma cidadão comum. Gostava muito de ler e até em tupi-guarani. Aliás, ele queria que o Brasil adotasse essa língua como língua oficial. E deu um rolo danado, virando chacota da imprensa. Era sonhador à toda a prova. Achava que o Brasil poderia ser um país independente e a sua população, feliz. Era apolítico e conservador, daqueles do tempo antigo. Ele tinha um amigo, Ricardo Coração dos Outros. Ricardo era trovador. Olga, sobrinha, tinha respeito extremado por ele, Quaresma. Um dia é tido por doido e levado a um manicômio. Depois de um tempo, retorna a rotina, nova rotina, pois deixara a repartição onde trabalhava e adquiriu um sítio. Nesse sítio ele achava que poderia servir de
exemplo para o país. Mas ai vieram as saúvas. Milhares, milhares, milhares delas. Um exército que em pouquíssimos instantes destruíam tudo o que ele plantava. Não vou me estender, mas Barreto nesse livro é puro Kafka.
Vocês lembram do enredo do romance O Processo?
Nesse romance, o personagem Joseph K é surpreendido por dois tiras dentro de casa. Esses o levam a delegacia onde o delegado o interroga sobre sabe-se lá o que! Nem K sabia do que estava sendo sendo acusado, nem seus acusadores sabiam do que o acusavam. Igual, em parte, ao que sucedeu com Quaresma, que foi acusado sabe-se lá de que, preso, condenado e o fim é triste como o fim de K.
Alguma coisa está ocorrendo no Brasil de hoje.
Cheira mal a ordem do ministro do STF de mandar fazer busca e apreensão na residência de uma dezena de acusados de ameaçar o STF. Coisa de doido!
Recomendo que leiam depressa, se já não leram, Triste Fim de Policarpo Quaresma e O Processo, esse de 1925. Sobrando um tempinho, leiam também Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Nesse livro, Barreto conta da opressão e preconceito dos negros e mulatos da sua época, como hoje.