A história é antiga: na manhã do domingo de 25 de janeiro de 1554, por
determinação do jesuíta Manuel de Nóbrega (1517-1570), era celebrada a
primeira missa em solo paulistano. O celebrante foi o padre Manoel Paiva e o
ajudante, José de Anchieta. Estava, pois, com a missa, inaugurada a Vila de
Piratininga.
Por um desses acasos, o 25 de janeiro foi o dia escolhido pela Igreja para
homenagear Paulo de Tarso, que virou santo com o nome de São Paulo.
Esse Paulo, também chamado de Saulo, foi um histórico perseguidor de cristãos
convertido ao cristianismo após uma visão que o teria levado à cegueira
momentânea, em Damasco. Mas essa é outra história.
A cidade de São Paulo, capital do Estado de São Paulo, é hoje a quarta maior
do mundo. A sua população gira em torno de 15 milhões de habitantes.
Todas as capitais do Brasil têm bandeiras, brasão de armas e hinos
oficiais.
São Paulo não tem hino. O Estado tem e é de autoria do poeta campinense
Guilherme de Almeida (1890-1969).
Muita água passou por debaixo da ponte, ou das pontes, desde então. São
milhares e milhares de logradouros.
Mais de 50 mil entre travessas, ruas, avenidas e viadutos.
Dividida em cinco regiões, São Paulo tem no seu território 96 bairros. O mais
populoso, o Grajaú, na zona sul, com cerca de 500 mil habitantes. O menos
populoso também fica nessa região, Marsilac, com aproximadamente 8 mil
moradores. São Paulo em prosa, verso e música José de Anchieta Manoel da
Nóbrega.
Há muitas curiosidades em torno da capital paulista.
O bairro da Liberdade, fundado em 1905, era conhecido como o bairro dos
escravos. Foi nesse bairro que nasceu a primeira escola de samba: Lavapés, em
1937, em plena ditadura Vargas.
À medida que a cidade ia crescendo, iam também surgindo jornais e revistas. E
muitos livros contando a sua história.
Em 1954, ano do Quarto Centenário da cidade, o jornalista e escritor Afonso
Schmidt (1890-1964) publicava o livro São Paulo de Meus Amores, em que
diz:
Certo dia, chegou-me aos ouvidos aquela proposta: trabalhar num matutino,
ganhando 450$000 mensais. E, na manhã de 5 de julho de 1924, ao
acordar-me, comuniquei aos meus botões: — Hoje, sim, vou mudar de
vida! E mudei sim, mas antes não mudasse. Quando cheguei à Praça Antônio
Prado, notei um diz-que-diz-que, um corre-corre. Logo depois, a cidade
estava revolucionada. Pipocar de tiros no bairro da Luz, troar de canhões
no bairro de Pinheiros. Boatos e mais boatos. Sustos e correrias. Um
pandemônio. Hoje lembro, com saudade, aqueles primeiros anos da Folha da
Noite...
Schmidt fazia referência à Revolução de 1924, que durou menos de um mês.
Em 1957, o escritor e advogado Jorge Americano (1891-1969) publicava o livro
São Paulo Naquele Tempo. Nesse livro, uma reunião de crônicas, pode-se ler
sobre as enchentes ocorridas na cidade desde o começo de 1900:
Chovia desesperadamente desde outubro. Quando as crianças chegavam da
escola tiveram os sapatos e as meias encharcadas, faziam-lhes fricções nos
pés com toalhas felpudas e calçavam outras meias e sapatos. Enchiam-nos os
sapatos molhados com pedaços de jornal.
Há muitos livros cuja leitura é indispensável à compreensão do surgimento e
crescimento de São Paulo. Recomendados: A Revolução de 32, de Hernâni
Donato;
Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista de 1932,
de Euclydes Figueiredo; Dicionário de História de São Paulo, de Antonio
Barreto de Amaral; Saudades de São Paulo, de LéviStrauss; e
Câmara Municipal de São Paulo, de Délio Freire dos Santos e José
Eduardo Ramos Rodrigues.
As discrepâncias, contradições, atrasos, progressos e importância de São Paulo
não poderiam deixar de ser também contadas em composições musicais.
É uma história longa.
Tudo começou quando fui convidado por Wladimir Araújo, editor do extinto D.O.
Leitura, para escrever uma reportagem sobre a música feita em homenagem à
cidade de São Paulo.
O D.O. Leitura era uma publicação de estudos brasileiros de circulação mensal,
bancada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
É bom que se diga que até então, e falamos de 1990, nada havia sido escrito a
respeito.
Na primeira incursão ao passado musical de São Paulo levantei cerca de 200
títulos, entre os quais o samba-canção Ronda, de Paulo Vanzolini, que
meio mundo conhece de cor e salteado, e que foi originalmente gravado e
lançado em disco pela cantora paulistana Inezita Barroso (1925-2013), em 1953.
Procurei mais e achei um LP dos fins de 1960, no qual o seresteiro Sílvio
Caldas cantava com sua voz macia pérolas do grande Lauro Miller. Na
contracapa, um texto de Guilherme de Almeida,
O Príncipe dos Poetas, O Poeta de 32 como era chamado, dava ao disco um
valor especial. E não custa lembrar que, anos antes, o mesmo Silvio ganhara em
concurso musical, promovido pela Excelsior, hoje CBN, para escolher um hino ao
Quarto Centenário. Ganhou com Perfil de São Paulo, do juiz e boêmio barretense
Francisco de Assis Bezerra de Menezes (1915-1995).
Ainda durante a pesquisa, deparei-me com a canção São São Paulo, de Tom Zé,
vencedora do IV Festival da Música Popular, promovido pela Record, cujo prêmio
em dinheiro – a título de curiosidade – ele jamais recebeu.
Mais à frente encontrei Sampa. Pronto, não demorou e fechei as duas páginas
para que fui desafiado a preencher.
Depois disso, achei partituras e notas em periódicos já extintos.
O Correio Paulistano, por exemplo, edição de 6 de agosto de 1862, noticiou a
existência de um álbum intitulado Melodias Paulistanas, formado por 12
peças para canto e piano, do padre Mamede José Gomes da Silva, diretor do
Liceu Paulistano e amigo de Antônio Carlos Gomes, autor de um hino aos
estudantes de Direito do Largo de São Francisco: À Mocidade Acadêmica,
em parceria com o poeta Bittencourt Sampaio. A propósito, não custa
acrescentar, que o referido Bittencourt também foi o autor da letra da melodia
de Gomes, intitulada Quem sabe.
Mas, antes de Mamede e Carlos Gomes, houve quem louvasse a inspiradora cidade:
os religiosos Calixto e Anchieta Arzão, em Missa a São Paulo, de 1750.
Em 1823, o músico Bento Maurício Arcade compôs Águas do Anhembi. Hoje constato
o crescimento espantoso do meu acervo pessoal no tocante a músicas que tratam
especialmente da capital paulista: mais de três mil títulos, já catalogados em
ordem alfabética por autor, intérprete e data. E em todos os ritmos, do samba
ao xote, forró, tango, canção, valsa, marcha, dobrado, rap e até poemas
sinfônicos.
Ruas, avenidas e viadutos receberam e continuam recebendo a atenção de muitos
compositores.
O Brás e a Mooca são os bairros mais cantados.
Na letra do Hino Nacional há referência ao riacho do Ipiranga, que mais tarde
daria nome ao bairro − lembro isso apenas como curiosidade. Mas há muitas
outras curiosidades no repertório musical referente à capital dos paulistas,
como o título São Paulo repetido 45 vezes e outro, 13: São Paulo Antigo. O
Corinthians é o time mais cantado da cidade: mais de 100 vezes.
O compositor mais frequente é o baiano Tom Zé, com mais de 30 músicas. E o
segundo, o paulista de Valinhos Adoniran Barbosa, com 22.
Adoniran é o mais rapidamente reconhecido autor de músicas de São Paulo. Entre
os títulos que deixou estão Saudosa Maloca, Samba do Bixiga,
Trem das Onze, Praça da Sé, Iracema e
Tiro ao Álvaro, que a cantora gaúcha Elis Regina gravou em 1978.
E é claro que há muitos grupos musicais que cantam São Paulo. O mais antigo
deles é Demônios da Garoa.
Foi o Demônios que lançou Saudosa Maloca, por exemplo.
Não custa lembrar que o grupo Demônios da Garoa é o mais antigo em atividade
ininterrupta no mundo. Essa façanha está registrada no Guinness Book. E,
curiosidade por curiosidade − e isso poucos sabem −, o Demônios tem LPs
lançados em Argentina, Uruguai e França. Esses discos, hoje raríssimos e
jamais lançados no Brasil, estão nas prateleiras do meu acervo.
Até na onda da Bossa Nova o Demônios da Garoa entrou. E no programa Tão
Brasil, que apresentei na allTV, o grupo não se fez de rogado e mandou ver no
ritmo da Bossa de Tom e João Gilberto.
Na verdade, poucos são os autores brasileiros de sucesso que não compuseram
sobre São Paulo.