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sexta-feira, 30 de setembro de 2022

EU E MEUS BOTÕES (44)

"Lula! Lula! Lula! Lula, lá!!!", disse desandado com toda a força dos pulmões o aparentemente pacato Biu.
A fala-grito de Biu chamou a atenção imediata de todos. "Você tá doido?", cutucou forte o irmão Barrica. Zoião, com aqueles zoiões, caiu na risada e disse: "Gostei, gostei! O Biu tem razão. O caminho político/eleitoral leva-nos ao Lula. Lula lá! Domingo é Lula lá!!!". Mané, de braços cruzados soltou um pum. E nem disfarçou. Todos apertaram o nariz e Jão esculhambou: "Seu feladaputa!".
Calma, calma. Peidar faz parte da vida.
"Certo. Tudo bem, mas não precisa fazer isso aqui diante da gente. A gente não merece isso. A gente tem que ter educação", disse Jão. Zé o apoiou, batendo palmas: "Isso mesmo! Isso mesmo! A gente tem que se respeitar".
Bom, pessoal, domingo 2 é dia de eleição. O Brasil precisa mudar para melhor e domingo é o dia. Concordo plenamente com o Biu. Aqui tem algum bolsonarista...? 
Zilidoro levantou-se pedindo palavra: "Claro que aqui não tem nenhum louco querendo morrer, querendo ditadura militar. Somos pobres, mas limpos. Somos cidadãos, seu Assis. Aproveito o momento pra dizer o seguinte: vamos votar domingo dia 2, mas é importante não sairmos de casa vestindo roupa da cor vermelha ou das cores da bandeira brasileira. As nossas cores foram sequestradas, como outro dia disse o craque do cartum Fausto Bergocce. Não podemos aceitar provocação de quem quer que seja!".
O alagoano Zé, que não é muito chegado a questões políticas, disse que há muito foi decepcionado pela política. Lembrou que a sua terra deu o primeiro militar golpista: Deodoro da Fonseca, marechal. Lembrou que o segundo marechal presidente do Brasil foi Floriano Peixoto. Floriano também era alagoano. Lembrou também que Alagoas deu outro presidente: Fernando Collor. Disse, de cara amarrada, que o Collor roubou, roubou e roubou e por isso foi obrigado a renunciar. Foi obrigado, ressaltou, a deixar a cadeira de presidente no dia 2 de outubro de 1992. 
"Puxa vida! O Zé sabe muita coisa! Eu não sabia que o Zé sabia tanta coisa", disse exaltado o caboclo Barrica.
Em silêncio, Zé levantou-se do tamborete em que estava e foi até a geladeira.
Cada dia mais eu me orgulho de vocês. A política faz parte da nossa vida. Infelizmente há muito político safado, ladrão. Safado e ladrão se acham em todas as profissões. Na medicina, no jornalismo... E no Clero! E no Clero! 
Acompanhei pela TV o último debate político deste ano de 2022. Muita baixaria! O Coiso mentindo, mentindo, mentindo o tempo todo. E na maior cara de pau. Mentiu, mentiu, mentiu! Baixaria total! E teve ainda aquele padreco cujo o nome eu nem sei. Peço licença pra chamar aquele padreco de feladaputa. "Eu sei. Eu sei o Lampa diria a mesma coisa", falou o sempre bem comportado Zilidoro.
Para minha surpresa, os meus botões se levantaram batendo palmas. E o Zé: "É isso mesmo! É isso mesmo! A gente vai votar pelo bem do nosso país. Domingo dia 2 é o nosso dia, é o dia da liberdade. Domingo vai ser o dia em que nós todos diremos um basta à esculhambação! O Lula vai estar na presidência da República de novo. O mundo tá de olho. De olho no Lula e de olho em nós, brasileiros. O Brasil e nós merecemos o melhor que a vida pode dar".
Olhando assim de soslaio captei lágrimas caindo do olhos de Zoião. 
Entusiasmado, Barrica levantou-se e disse: "Concordo com tudo que ouvi até agora. O debate da Globo terminou no começo da madrugada. Vi e ouvi tudo. Vibrei quando Simone Tebet respondeu ao prepotente Bolsonaro. Esse aí, o Coiso, tentou desmoralizar Mara Gabrilli acusando o PT de ter matado Celso Daniel. E Simone disse simplesmente: por que você não pergunta ao Lula? Ele tá aqui. Ao dizer o que disse Simone tascou um carimbo de 'covarde' na cara feia do Coiso".
"Eu gostei da Simone, foi ótima! A Soraya também deu troco ao Coiso, quando o chamou 'Nem-nem', simplesmente porque nem estuda, nem trabalha. É vagabundo. Lascou-se!", disse por sua vez Mané.
Bom, abraços. Hoje é sexta e amanhã é sábado. Vou dar um pulinho no hospital para ver como está o Lampa. "O Lampa tá em coma e os médicos muito pessimistas", falou Mané. Barrica balançou a cabeça concordando com o que disse Mané. Biu passou a mão no rosto. Zilidoro falou do carinho que tem por Lampa: "Ele é o que é. Lampa é grosso, deseducado, mas é sincero".
Lembrei que setembro está findando e que o mês de setembro é o mês em que surgiu o rádio no Brasil. Aproveitei pra dizer que costumo fazer uma musiquinha aqui e ali ao lado de grandes artistas, como Jarbas Mariz. Antes de dizer o que estou dizendo, Jão disse que tem ouvido muitas referências a minha pessoa no rádio e na televisão. Na TV, ele disse, viu o jornalista Renato Lombardi falar coisas bonitas sobre mim. Agradeci dizendo que Lombardi é suspeito. Eu e Lombardi somos amigos de velha data. Trabalhamos no Estadão, eu como chefe de Reportagem Política e ele como repórter da Editoria Policial. 
O Jão ainda disse que leu um texto sobre mim escrito pelo colega jornalista Flávio Tiné. Disse e foi lendo, sem nem pedir licença:

Dia 27, ele faz 70 anos e vamos festejar condignamente, mesmo sem Tinhorão, Audálio e outros que se foram. Quem sabe Vandré dê o ar de sua graça, ou José Hamilton Ribeiro. Com certeza nosso personagem não os verá mas deverá reconhecer a voz de antigos companheiros e artistas que um dia entrevistou.
O Instituto Memória Brasil, que reúne acervo de grande valia e é também sua casa, será invadido por amigos e amigas. Assis não os verá, mas ouvirá tudo. Seus amigos relembrarão quem é ele, que veio da Paraíba para São Paulo com o mesmo talento dos nordestinos que um dia invadiram o Sul Maravilha para nos orgulhar.
Francisco de Assis Ângelo ficou cego já cinquentão, depois de ver de perto, amar, entrevistar e conhecer pessoalmente a nata da MPB e da Cultura nacional. Durante anos colaborei com ele sem o conhecer pessoalmente. Falávamos ao telefone. Como assessor de imprensa do HCFMUSP eu o ajudava intermediando incontáveis entrevistas e reportagens na TV Globo, onde ora produzia, entrevistava ou escrevia.
Até que ele me procurou queixando-se da vista, que andava falhando aqui e ali.
Para resumir, a Oftalmologia diagnosticou glaucoma, em estado avançado. Várias cirurgias depois, ele estaria completamente cego. Aquilo que começara como inocente embaço, tornou-se cegueira irreversível. Acionados por mim, os mais competentes especialistas não conseguiram contornar o problema. Hoje, Assis Ângelo não vê sequer os carros que passam sob a janela do apartamento onde mora só mas nunca está sozinho, graças à presença diária de filhas, amigas e amigos. À tardinha, quando o sol se esconde por detrás dos prédios da Alameda Eduardo Prado, deita numa rede e apela ao celular para contatar alguém de sua intimidade. Fala e chora. Chora e fala.

Pra encerrar, sugeri ouvirmos O Samba do Rádio: