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domingo, 11 de junho de 2023

A MORTE TEM NOME: VIDA (1)



Pra viver, a morte precisa da vida. E nós, da morte.
O tema é tabu e por ser tabu, polêmico. Desde sempre.
Esse tema se acha em todos os quadrantes do pensamento humano, desde sempre.
Falar da vida, falar da morte e de sexo não é fácil. É difícil, e por ser assim, polêmico, polêmico.
Não é fácil falar das coisas fáceis.
A morte, por exemplo, está na nossa cara como na nossa cara está a vida. E vida como tal, sexo.
O sexo reproduz a vida e a morte, não é mesmo?

Mas poeta eu não sou não.
Poeta é Zilidoro
Poeta é Riachão
Que do nada fazem versos
E se brincar até canção...

A morte, como a vida, se acha profundamente presente nas mais diversas formas da cultura popular. Na música, inclusive.
O roqueiro Raul Seixas e o escritor Paulo Coelho assinam um tango interessantíssimo, cantado por Raul. Este: https://youtu.be/FHZpAnagMkc
O tema morte na música popular brasileira é antigo, antiquíssimo.
Em 1933 o carioca Noel Rosa escreveu e cantou Fita Amarela. Diz: 

Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela...

Isso, pois, há 90 anos!
Mas a temática morte na nossa música popular é anterior à Fita Amarela. 
Porém não custa lembrar que nesse ano, 33, os compositores J. G. Fernandes e L. Marques compuseram o fado A Morte da Ceguinha, que o português com raízes brasileiras Manoel Monteiro gravou com muita graça, digamos assim.
Antes dos 30, os cantores Paraguassu e os Irmãos Eymard gravaram Morrer de Amor e Morrer Por Ti. A primeira é uma modinha e a segunda, uma polca.
Polca, aliás, é um gênero musical muito bem assimilado pelo sanfoneiro e compositor, também cantor, Luiz Gonzaga.
Em 1953, há 70 anos, o Rei do Baião gravou do caruaruense Nelson Barbalho a toada A Morte do Vaqueiro. Obra-prima. Ouça: https://youtu.be/jSWwftxuSQQ
Antes dessa música, Luiz Gonzaga compôs um samba com Ari Monteiro. Essa samba foi gravado em disco de 78rpm pelo carioca Cyro Monteiro. Título: Meu Pandeiro. Ela começa assim:

Quando eu morrer, quero um braço de fora
Pra tocar o meu pandeiro, ô
O meu pandeiro cravejado de marfim
Quando eu morrer, quero um braço de fora
Pra tocar o meu pandeiro, ô
Em homenagem às morenas que gostam de mim


Num ano qualquer da década de 50, João Pacífico a mim contou que escreveu uma moda a que deu título de Cabocla Tereza. Clássico do gênero.
Cabocla Tereza foi gravada originalmente em 1959 pelo parceiro de João, Raul Torres. É gravação linda, lamentavelmente linda, feita pelo já referido Raul e seu parceiro de viola Florêncio.
À época Raul Torres formava dupla com Florêncio. Famosa.
O tempo passou e continua passando, que não é besta.
A morte está presentíssima na música popular brasileira.
É fácil falar da morte, difícil é viver a vida que ora o mundo vive com guerras e putaria de todos os tipos.

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (24)

Sandro Becker, que durante a carreira era chegado a paródias, emplacou sucessos sacanas como A Picada da Cobra.
E como quem não quer nada, do rádio saía a voz de Zé Duarte cantando Velho Sapeca. Olhe a gracinha: "Meu pai vivia triste, andava descontente/ Hoje vive sorridente e a tristeza não existe/ Queria que você visse como ele tá legal/ Tá nascendo cabelo na cabeça do meu pai/ Que beleza, que legal...".
O jornalista, teatrólogo e advogado carioca Geysa Bôscoli, sobrinho da maestrina Chiquinha Gonzaga, compunha músicas nas horas vagas. Uma dessas músicas, Maria Chiquinha, foi gravada pela primeira vez por Sonia Mamede e Evaldo Gouveia no ano de 1962. Outras gravações dessa música foram feitas, inclusive pelos irmãos Sandy e Junior. A letra é aparentemente ingênua, mas o personagem desconfia que está sendo traído pela mulher. Pior: ele a ameaça cortar-lhe a cabeça. Horror!
Há muitos casos de feminicídios na literatura e na música.
Em 1982 entrevistei Chico Buarque e dele ouvi opinião a respeito desse assunto, condenável sob todos os aspectos. Leia a entrevista completa: REVISTA HOMEM - EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO
Maria Chiquinha chegou a integrar o repertório da música infantil. Esse repertório incluiu títulos até da animação Shrek. Num desses títulos, a petizada canta: "Aqui em Duloc é tão bom viver/ Nossas regras já vamos lhe dizer/ No jardim não pisar/ Todos cumprimentar/ Duloc é especial/ Na cabeça shampoo, lave bem o seu pé/ Duloc é, duloc é/ Duloc é especial".
Até a chamada "rainha dos baixinhos" Xuxa, hoje sessentona, dançou e cantou ao som do duplo sentido. Exemplo é a música Turma da Xuxa, de Reinaldo Waisman e Robson Stipancovich, gravada no LP Xou da Xuxa em 1986. A letra diz: "E o Betão apaixonado/ Foi beijar a Marieta/ Errou a sua boca/ E beijou sua… bochecha…".
Xuxa, aliás, chegou a ser "homenageada", em 1988, pelo grupo Trem da Alegria. Os pixotes desse grupo, hoje extinto, começam cantando assim: "Cada dia mais eu me apaixono e te acho mais linda/ Eu fico imaginando, quero ser seu namorado/ Mas fico com vergonha do meu pai que está do lado/ Você é a culpada do meu banho demorado…".

Foto e reproduções por Flor Maria e Anna da Hora