Mesmo em textos não explícitos, a morte costuma aparecer sorrateiramente em canções que falam de solidão.
A
cantora e compositora Dolores Duran marcou época cantando a dor que
certamente vem bem antes da morte. Em Solidão, por exemplo, ela diz
quase chorando que "Ai, a solidão vai acabar comigo...".
Na Canção da Tristeza, feita em parceria com Edson Borges, Dolores canta com o coração na mão: "... E mais além, se eu te lembrar/ Terá de ser assim/ Com mágoa e dor/ Que eu viva para sempre/ A morte deste amor...".
Os vozeirões do passado cantaram a morte de várias maneiras.
Na canção Céu Moreno, de Uriel Lourival e gravada em 1935 por Orlando Silva, ouve-se: "... Senhor, deixai quando eu morrer/
Minh'alma em penitência/ Aqui mesmo sofrer/ Não quero a vossa santa
luz...".
Mas, é claro, que há na nossa música popular textos fortíssimos referentes à morte.
O
roqueiro Lobão, de batismo João Luiz Woerdenbag Filho, cresceu num
ambiente cheio de dores. O pai e a mãe mataram-se. Ele próprio tentou o
suicídio mais de uma vez. A última em 1999, quando ficou sem gravadora.
Num congresso de psiquiatria em Florianópolis, realizado em 2015, ele disse:
"As pessoas precisam ter mais coragem para falar sobre isso. Precisam ter opiniões mais contundentes. O maior problema que se pode ter é perceber que se tem um problema que não está resolvido [...] Para mim, a arte é um processo de cura. Ela organiza a cabeça, expande o conhecimento. Lido com criatividade e preciso de equilíbrio e ausência de ansiedade. Ou você adquire isso ou não faz bem o seu trabalho"
No LP O Inferno é Fogo, de 1991, Lobão canta: "... Parceiros de
suicídio/ Um vício sentimental/ Um acidente fatal/ Eu uivo pra Lua
cheia/ E a felicidade vacila/ E por mais que a lua ilumine/ Continuará
vazia..." (Bem Mau).
O baiano Raul Seixas, envolvido em drogas até
aqui não era definitivamente uma pessoa alegre. Irritava-se com
facilidade e não media palavras quando queria xingar alguém. Era da pá
virada como se diz. Perseguiu a morte como pôde, sempre de modo
perigoso. Ele: "... Ao lado de Herodes/ Comandou o genocídio/ Mas quando
acorda assustado/ Está pronto pro suicídio..." (O Suicídio Parte II).
No dia 10 de novembro de 1972, com 28 anos de idade e um dia, o compositor Torquato Neto despediu-se da vida aspirando gás.
Torquato (foto ao lado) foi figura importante no movimento Tropicalista, que teve a frente Caetano, Tom Zé...
Em 2000, a mestranda Anay Oliveira dos Anjos apresentou dissertação à banca de professores do curso de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP sob o título A Morte na Obra de Torquato Neto: uma análise semiótica. Ela:
No caso de um artista, podemos acompanhar esta constante presença da morte em sua obra, e Torquato não é exceção. A morte é uma constante em sua vida e obra. Ele já havia tentado se matar diversas vezes e cada uma era como um tributo à própria arte. Existe um ponto em que a criação artística torna-se de tal modo importante para a vida do artista que elas se confundem. Ela só existe por sua causa mas à medida em que sua criação se estrutura o artista se vê na posição contrária. Ele passa a depender da obra para existir tanto quanto ela depende dele para fluir. A morte aparece aqui como um tributo a ser pago à arte, uma experiência limite que permite ao sobrevivente o relato pleno de sua incursão pelos obscuros e perigosos caminhos do inconsciente.
Ainda na sua convincente dissertação acrescenta Anay:
Sua atividade criativa estava aquecidíssima e ele tinha inúmeros planos de futuro. "Experimentar" a morte era como encarar de frente aquela que o colocava constantemente numa cilada. O artista é aqui uma vítima voluntária da própria arte. Caso ele sobreviva terá em seu desenvolvimento artístico um salto qualitativo talvez apenas possível por ter tomado a opção do sacrifício. Um ritual que ressuscita, como o próprio corpo do sobrevivente.