JOÃO CARLOS PECCI: A deficiência física provoca obstáculos imprevisíveis, principalmente no início, quando tudo é espantoso. Mas também abre portas para a superação. Primeiro veio a pintura, como terapia para fortalecer os dedos das mãos. Jamais imaginei pintar quadros. Entre outras portas, a paraplegia me abriu também essa. A terapia foi virando profissão. De 1972 a 1978 expus meus quadros na Praça da República, numa época romântica e artesanal. Depois comecei a expor em galerias e meus quadros passaram a ser valorizados. Hoje os divulgo nas redes sociais recebendo retornos elogiosos e compensadores. A literatura surgiu de toda transformação provocada em minha vida. Mudava muita coisa, mas eu conseguia manter em torno de mim a abnegação da família, o carinho e apoio dos amigos. Além de usar a cadeira de rodas, tornei-me um itinerante apoiado em duas bengalas, o corpo suportado por uma órtese da cintura até os pés. A vida me caminhava, imitando Paulinho da Viola: “Não sou eu que me navego, que me navega é o mar...”. Namorava com mais poesia, fazia sexo – sim, fazia sexo com mais ardor. Então resolvi: “Preciso escrever sobre tudo isso”. Em 1980 foi editado pela Summus Editorial meu primeiro livro, “Minha Profissão é Andar”. Um texto transparente, real, sem pieguice nem vaidade. É um livro precursor desse tema no Brasil, virou ‘best seller”, foi adotado em escolas e faculdades, me fez palestrante. Hoje conta mais de 30 edições, sendo incentivo para que surgissem outros livros sobre o assunto. A literatura passou a fazer parte de mim e vieram mais livros. Atrevi-me a escrever crônicas e poesias em “Existência” (1984 – Summus). Enveredei pelo romance, “O ramo de hortências” (1987 – edição própria). Aí resolvi trabalhar em uma biografia sobre Vinícius de Moraes. Tarefa árdua de 4 anos de pesquisas e aprendizados resultando no livro “Vinícius-Sem Ponto Final” (1994-Saraiva). Minha filha nasceu em 1996. Dois anos após pensei em escrever sobre um outro periodo de minha vida: o do casamento com Márcia e o nascimento de Marina, concebida por meio de uma autoinseminação, método até então não experimentado no Brasil, sendo eu o primeiro brasileiro paraplégico a tentá-lo usando o próprio esperma, introduzido na mulher através de uma seringa. O livro: “Velejando a Vida” (1998-Saraiva). Entre pinturas e palestras, fui montando a trajetória musical de Toquinho, meu irmão. Deu em três livros: “Toquinho-40 Anos de Música” (2006), “Toquinho-Acorde Solto no Ar” (2010) e “Toquinho-História das Canções”, em parceria com Wagner Homem (2011-Leia do Brasil)
ASSIS: Você costuma compor música ou letras para música?
JOÃO: Não é comum. Acontece eventualmente, como “Caminhantes”, musicada e gravada por Paulinho Nogueira. “O robô”, “Doce martírio” e “Além do portão”, musicadas e gravadas por Toquinho em diferentes discos.
ASSIS: Outro dia você me falou que tem um ou dois livros inéditos. Quais são e do que tratam?
JOÃO: São dois livros. Um deles escrito em colaboração com a Laramara, associação que cuida de deficientes visuais. O livro conta a história de 10 pessoas deficientes visuais que conseguem conviver e superar suas deficiências de diferentes naturezas enxergando a vida com sabedoria e sensibilidades que vão além da visão comum. Continuo pintando e escrevendo. Nos próximos meses será lançado meu novo livro, “Ser, Conceber, Evoluir...”. Aborda um caso real de uma mulher portadora de Esclerose Múltipla, conseguindo superar a doença com coragem e determinação.