Pergunto por perguntar: o que havia em comum entre o escritor Lima Barreto, o jogador de futebol Heleno de Freitas, o playboy João Acácio e a dona de casa Letícia Poletti?
Bom, Lima Barreto passou temporadas num hospício no Rio de Janeiro. Morreu em novembro de 1922, deixando uma obra maravilhosa.
Heleno de Freitas era um cara muito bonito, charmoso, advogado e um futebolista excepcional. Morreu num hospital psiquiátrico de Barbacena, MG. Ano: novembro de 1959.
João Acácio, que ficou conhecido como Bandido da Luz Vermelha, depois de preso pela polícia de São Paulo, foi enviado ao hospital psiquiátrico de Franco da Rocha, SP, onde permaneceu durante uns 30 anos. Morreu a tiros num bar em Santa Catarina, em 1998.
Barreto escreveu Diário do Hospício e o romance (inacabado) Cemitério dos Vivos, em que conta os momentos que viveu como "doido" no hospital.
Sobre Heleno de Freitas há um livro e pelo menos um filme. Dizem as boas ou más línguas que Freitas chegou a ter um caso com Eva Perón, Evita, quando integrou o Boca Juniors.
Acácio, que cheguei a entrevistar no manicômio, foi o personagem título do filme Bandido da Luz Vermelha.
Já houve quem questionasse sobre o fato de um louco poder ou ter condições de escrever obras-primas e tal.
No livro A História da Loucura o autor Michel Foucalt, diz lá pras tantas que "a loucura do homem é um espetáculo divino". E que "o mundo aos olhos de Deus é uma loucura".
O assunto é muito importante e já foi falado de muitas formas. Mas necessário se faz, sempre, falar de Elogio da Loucura, do holandês Erasmo de Roterdã (1466-1536). Nesse livro, Erasmo dá voz à loucura.
Pois bem, Letícia Poletti ficou órfã da mãe quando tinha 10 anos de idade. Ainda tinha essa idade quando o pai pegou uma mulher e sumiu, deixando pra trás Letícia e três irmãos que foram enfiados num orfanato em Minas. Ao sair do orfanato, Letícia teve um homem arrumado por um irmão. Esse homem casou-se com ela.
A vida de Letícia Poletti foi um inferno, ao lado do marido João de Souza.
O detalhe trágico nessa história toda é que Letícia apanhava muito do marido e um dia resolveu fugir.
Ao tentar ficar com a guarda das filhas, Letícia foi de novo agredida pelo marido e levada a uma delegacia onde também apanhou. Em seguida, o marido, que era um cara muito rico, a "internou" no hospital Colônia de Barbacena. Morreu novinha, aos 36 anos de idade.
O hospital de Barbacena foi inaugurado em 1903, virou espécie de prisão em 1911 e num ano qualquer de 1980 foi fechado. No seu lugar foi criado o Museu da Loucura.
Conta a história que morreram pelo menos 60 mil "internos" do hospital Colônia de Barbacena.
A vida trágica de Letícia Poletti é reconstituída e muito bem narrada no podcast O Coração nas Sombras, cujo roteiro traz a assinatura de Paulo Garfunkel, o Magrão, também autor da vinheta de abertura do documento.
A história de Letícia é contada em quatro episódios. Ouvi três, que compartilho com vocês: