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segunda-feira, 22 de novembro de 2021

IMPRENSA NEGRA, RESISTENTE E HEROICA: PARTE III

A partir do lançamento do jornal O Homem de Cor, 5 meses depois do jornal político O Grito dos Opprimidos, muitos jornais em defesa do negro começaram a pipocar País afora.
Na primeira edição do jornal O Homem, lançado em Recife no dia 13 de janeiro de 1876, podia-se ler:
Há tempo de calar e há tempo de falar. O tempo de calar passou, começou o tempo de falar. A classe dos homens de cor, sem dúvida nenhuma, a mais numerosa e a mais industriosa do Brasil, parece atualmente voltada ao ostracismo pelos homens que nos governam, contra toda a justiça, contra a própria lei fundamental do país.
Embora os particulares tratem-nos com as atenções merecidas, embora muitos dentre eles se achem ligados conosco pelos laços da mais sincera amizade, todavia os fatos denunciam que o partido que há tempos predomina na província parece manter o propósito desleal de ir apartando dos empregos públicos aqueles nossos que para eles haviam sido nomeados por consideração de seus talentos e virtudes, conforme preceitua a Constituição do Império.
Mesmo depois da Lei Eusébio de Queiróz e com a violência de sempre, os africanos continuavam sendo laçados e trazidos em navios negreiros sob as rédeas dos portugueses, principalmente.
Essa vergonha, esse drible contra a Lei, durou mais 2 ou 3 anos.
Não sabiam os traficantes que estavam trazendo também cultura ao Brasil.
Em 1889, um ano depois da Lei Áurea, foi lançado em São Paulo o jornal A Pátria, cujo epíteto era: “Órgão dos Homens de Cor”. Logo depois, em 1897, foi lançado o jornal O Progresso, também em São Paulo.
Detalhe: No dia 13 de maio de 1888, um menino de 7 anos era levado pelos pais a assistir a solenidade de anúncio da Lei Áurea pela princesa Isabel (1846-1921), no Paço Imperial, RJ.
Esse menino era Lima Barreto, um preto pobre que virou um grande escritor. Referência da nossa literatura.
Um dia, Barreto escreveria para o jornal Gazeta da Tarde, edição de 4 de maio de 1911:
Estamos em maio, o mês das flores, o mês sagrado pela poesia. Não é sem emoção que o vejo entrar. Há em minha alma um renovamento; as ambições desabrocham de novo e, de novo, me chegam revoadas de sonhos. Nasci sob o seu signo, a treze, e creio que em sexta-feira; e, por isso, também à emoção que o mês sagrado me traz, se misturam recordações da minha meninice.
Agora mesmo estou a lembrar-me que, em 1888, dias antes da data áurea, meu pai chegou em casa e disse-me: a lei da abolição vai passar no dia de teus anos. E de fato passou; e nós fomos esperar a assinatura no Largo do Paço.
Na minha lembrança desses acontecimentos, o edifício do antigo paço, hoje repartição dos Telégrafos, fica muito alto, um sky-scraper; e lá de uma das janelas eu vejo um homem que acena para o povo.
Não me recordo bem se ele falou e não sou capaz de afirmar se era mesmo o grande Patrocínio.
Havia uma imensa multidão ansiosa, com o olhar preso às janelas do velho casarão. Afinal a lei foi assinada e, num segundo, todos aqueles milhares de pessoas o souberam. A princesa veio à janela. Foi uma ovação: palmas, acenos com lenço, vivas...
Fazia sol e o dia estava claro. Jamais, na minha vida, vi tanta alegria. Era geral, era total; e os dias que se seguiram, dias de folganças e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente festa e harmonia.
Houve missa campal no Campo de São Cristóvão. Eu fui também com meu pai; mas pouco me recordo dela, a não ser lembrar-me que, ao assisti-la, me vinha aos olhos a "Primeira Missa", de Vítor Meireles. Era como se o Brasil tivesse sido descoberto outra vez... Houve o barulho de bandas de música, de bombas e girândolas, indispensável aos nossos regozijos; e houve também préstitos cívicos. Anjos despedaçando grilhões, alegorias toscas passaram lentamente pelas ruas. Construíram-se estrados para bailes populares; houve desfile de batalhões escolares e eu me lembro que vi a princesa imperial, na porta da atual Prefeitura, cercada de filhos, assistindo àquela fieira de numerosos soldados desfiar devagar. Devia ser de tarde, ao anoitecer.
Ela me parecia loura, muito loura, maternal, com um olhar doce e apiedado. Nunca mais a vi e o imperador nunca vi, mas me lembro dos seus carros, aqueles enormes carros dourados, puxados por quatro cavalos, com cocheiros montados e um criado à traseira.
Eu tinha então sete anos e o cativeiro não me impressionava. Não lhe imaginava o horror; não conhecia a sua injustiça. Eu me recordo, nunca conheci uma pessoa escrava. Criado no Rio de Janeiro, na cidade, onde já os escravos rareavam, faltava-me o conhecimento direto da vexatória instituição, para lhe sentir bem os aspectos hediondos.
Era bom saber se a alegria que trouxe à cidade a lei da abolição foi geral pelo país. Havia de ser, porque já tinha entrado na consciência de todos a injustiça originária da escravidão.
Quando fui para o colégio, um colégio público, à rua do Resende, a alegria entre a criançada era grande. Nós não sabíamos o alcance da lei, mas a alegria ambiente nos tinha tomado.
A professora, Dona Teresa Pimentel do Amaral, uma senhora muito inteligente, a quem muito deve o meu espírito, creio que nos explicou a significação da coisa; mas com aquele feitio mental de criança, só uma coisa me ficou: livre! livre!
Julgava que podíamos fazer tudo que quiséssemos; que dali em diante não havia mais limitação aos propósitos da nossa fantasia.
Parece que essa convicção era geral na meninada, porquanto um colega meu, depois de um castigo, me disse: "Vou dizer a papai que não quero voltar mais ao colégio. Não somos todos livres?"
Mas como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis!
Dos jornais e folhetos distribuídos por aquela ocasião, eu me lembro de um pequeno jornal, publicado pelos tipógrafos da Casa Lombaerts. Estava bem impresso, tinha umas vinhetas elzevirianas, pequenos artigos e sonetos. Desses, dois eram dedicados a José do Patrocínio e o outro à princesa. Eu me lembro, foi a minha primeira emoção poética a leitura dele. Intitulava-se "Princesa e Mãe" e ainda tenho de memória um dos versos:
"Houve um tempo, senhora, há muito já passado..."
São boas essas recordações; elas têm um perfume de saudade e fazem com que sintamos a eternidade do tempo...
A princesa Isabel, ao centro, na missa de 17/5/1888
Em 1897, em Porto Alegre, era lançado O Exemplo. Esse jornal, que durou 52 números e teve 3 fases, chegou a acolher textos de brancos. Mas findou, em 1930, por falta de grana.
Os jornais abolicionistas ou não abolicionistas eram de pouca tiragem e de curta duração, mas bastante atrevidos.
Uma vez, o poeta e contista Olavo Bilac (1865-1918), meio fulo da vida, disse que eram muitos os jornais da sua época. Mas, acrescentou: “juntando todos, não chegavam a 150.000/mês de exemplares”.
Em 1833 havia, em circulação, 35 jornais no País.
No dia 17 de outubro de 1915 era lançado na Capital paulista o jornal O Menelick, editado por
Deocleciano Nascimento, com proposta de circulação mensal. A redação era na casa dele, na rua da Graça, Bom Retiro. Durou, porém, 2 números, mas fez história.
O título era uma homenagem ao rei da Etiópia, falecido em 1913. Para os etiópios, esse rei era “O rei de todos os negros”.
Depois de A Pátria e O Progresso e antes de O Menelick foram editados em São Paulo os jornais O Baluarte, O Propugnador, A Pérola, O Combate e O Patrocino.
Em 1924, ainda em São Paulo, José Correia Leite lançava à praça o jornal O Clarim da Alvorada. Nesse jornal foi publicada a primeira coluna sobre música. Seu colunista era Horácio da Cunha.
Era um jornal altivíssimo, como altivíssimo foi o jornal A Voz da Raça.
Era tudo por tudo contra o preconceito e tudo mais.
A Voz da Raça surgiu exatamente 100 anos depois do jornal O Homem de Cor.
Fortíssimo, claríssimo nas ideias, era esse jornal.
Muitos jornais, tabloides, surgiram depois.
Em setembro de 1931 surgiu, em São Paulo, a Frente Negra Brasileira (FNB).
Houve um racha nesse movimento e desse racha surgiu a Legião Negra.
A Legião Negra, que contou com mais ou menos 2 mil cidadãos, pegou em armas contra Getúlio Vargas em 1932.
Importante também lembrar que a “Imprensa Negra”, definição do sociólogo francês Roger Bastide (1898-1974), contou com jornalistas tão importantes quanto Francisco de Paula Brito. Entre esses Luís Gama, André Rebouças e José do Patrocínio, criadores da Confederação Abolicionista (1883).
José do Patrocínio amargou o degredo no Amazonas, no segundo governo da República (Floriano).
Isso ocorreu pelas críticas que ele fazia ao governo que sucedeu Deodoro.
Comeu o pão que o Diabo amassou. Sofreu nos infernos.
Naquele tempo, monarquistas e republicanos se dividiam, no pensar e no agir. E o pau continuava a comer, sem dó.
Não custa lembrar que Patrocínio começou a carreira no jornal Gazeta de Notícia, seguiu na Gazeta da Tarde e findou criando Cidade do Rio, no qual empregou o futuro criador da reportagem, no Brasil: João do Rio.
Os jornais de linha moderada ou de centro-esquerda, como se diz hoje, não mediam palavras para atacar os jornais de direita ou de direita-conservadora como o Diário de Pernambuco, criado em 1825. Vivo até hoje.
Um dos mais intransigentes republicanos foi Quintino Bocaiúva.
Primeiras edições dos jornais O Clarim e A Voz da Raça
Em 1870, Bocaiúva reuniu contrários à Monarquia e lançou o Manifesto Republicano no jornal A República, editado pelo paraibano Aristides Lobo (1838-1896).
A República foi o primeiro dos grandes jornais surgidos no Rio de Janeiro. Sua posição anti-monarquista irritou poderosos da época, que o destruíram através de empastelamento.

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Esse texto foi originalmente escrito para o Newsletter Jornalistas & Cia. Já os conhece? Confira: Jornalistas&Cia, especial Perfil Racial da Imprensa Brasileira

Confira também o portal do IMB, Instituto Memória Brasil
 
 

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