A partir de hoje 20 até o próximo sábado 27, publicaremos neste blog uma série de 7 capítulos contando a história do que podemos chamar de Imprensa Negra no Brasil. É uma história interessantíssima, resistente e heroica como disse uma vez o colega jornalista Audálio Dantas. Muitas curiosidades o amigo leitor encontrará no decorrer da leitura dessa série. É isso.
Aliás, detalhe: A Lei Áurea foi assinada na tarde de domingo 13 de maio, do ano de 1888. Assinou o documento, além da princesa Isabel, uma figura pouco lembrada na história: Rodrigo Augusto da Silva (1833-1889).
E vamos à leitura. Tomara que goste.
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Imprensa negra, resistente e heroica
À parte: Samba, cordel e repente −
uma história para estudo e reflexão
Por Assis Ângelo
(Para Anna Clara da Hora Sena Durães, pela infinita
paciência de ouvir e digitar os textos que lhe dito)
Aqui eu dou de mão do leitor e o levo a um passeio na história. O ponto de
partida é o achamento de Pindorama pelos portugueses, como o Brasil era
chamado nos primórdios por seus habitantes. Após isso e logo depois da
fundação da primeira cidade brasileira, São Vicente, os africanos começam a
desembarcar na Bahia, Rio e São Paulo pra dar duro na Ilha de Vera Cruz, como
denominou nossas terras Pedro Álvares Cabral (1467-1520). O objetivo é pôr luz
na história.
O primeiro jornal a tratar da questão negra foi O Homem de
Cor, de 1833.
No correr do texto, o leitor vai topar com um personagem
de importância fundamental na incipiente Imprensa brasileira: Francisco de
Paula Brito (1809-1861). Brito foi o pioneiro da chamada “Imprensa Negra”.
Paula
Brito foi o cara que abriu as portas para Machado de Assis. Foi Machado o
nosso primeiro grande romancista.
Muita água correu por debaixo da ponte
desde o lançamento do jornal O Homem de Cor.
Depois desse jornal, que
durou 5 números, muitos outros vieram abrindo caminho que levaria o negro à
liberdade.
Não era brincadeira o que o negro vivia no século 19.
Desde
então, pouca coisa mudou no campo da exploração humana.
O jornalista
alagoano
Audálio Dantas
(1929-2018), uma vez resumiu a importância dessa Imprensa: “Persistente,
heróica”.
A Importância da cultura africana no Brasil é sem tamanho.
Melhor: é de um tamanho que a vista humana nem alcança. O maestro paulistano
Júlio Medaglia resume essa história numa frase: “A cultura brasileira é negra
e devemos aos negros a cultura brasileira”.
Na tarde de 13 de maio de
1888, a princesa Isabel assinou no Paço Imperial, RJ, a Lei que tirou o poder
dos escravocratas sobre os negros escravizados.
Isabel Cristina
Leopoldina Augusta Micaela Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Bourbon nasceu
em 1846 e morreu em 1921, na França. Há 100 anos, portanto.
...Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o
brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de
açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a
dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras
crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças,
mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em
ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E
da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho
arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E
voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A
multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva
delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando,
geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após
fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo
entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda
fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho
dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E
ri-se Satanás!...
(Trecho do poema O Navio Negreiro,
de Castro Alves)
Navio Negreiro, pintura de Johann Moritz Rugendas |
E outras cores também tem: verde, amarela, azul e branca, como ostenta a bandeira nacional que traz como tema “Ordem e Progresso”, extraído de frase do positivista francês Auguste Comte (1798-1857).
E ainda deveria ter a cor do sangue dos índios e dos negros escravizados.
O Brasil é rico demais, sempre foi.
O Brasil tem água em abundância e rios de ouro e prata.
E mais ainda o Brasil tem: terra fértil onde o que se planta dá incluindo coco, cajú, cajá, siriguela e cana caiana, que virou cana de beber na invenção de pretos em ferros nos engenhos coloniais.
Como se não bastasse, o som do samba faz o vento dançar e balançar o arvoredo.
São mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados…
No ranking, o Brasil ocupa o 5º lugar entre os maiores e mais populosos países do mundo.
O Brasil é um país de dimensões continentais, sem vulcões, furacões, terremotos, tsunamis, mas com muito cabra safado.
Ao tempo de 1500, só indígenas habitavam a terra brasilis, originalmente chamada de Pindorama.
Em Tupi-Guarani, Pindorama significa “Terra das Palmeiras”.
Quando Cabral aportou na costa baiana, o Brasil foi chamado de Ilha de Vera Cruz. Logo depois, em 1501, o rei Dom Manuel reintitulou o Brasil de Terra de Santa Cruz.
Antes disso, em 1498, aportou por estas terras o primeiro navegador de além mar: Duarte Pacheco Pereira.
No dia 20 de novembro de 1530, o Brasil ganhou uma vila: São Vicente, sei lá por que em homenagem ao santo espanhol Saragoça.
Em 1532, São Vicente passaria a ser conhecida como a primeira cidade do nosso País. Nessa cidade o seu fundador, Martim Afonso de Sousa (1500-1564), construiu Câmara, pelourinho, cadeia e uma capela, símbolos do reino de Portugal.
A história, a nossa história, é recheada de violência, tragédias e tristeza. Até hoje.
Nosso sangue é preto.
Nossos indígenas foram os primeiros a serem escravizados pelos invasores.
O pajé Awa Kuaray Wera e Assis Ângelo |
Kuaray Wera lembra que em 2020 quase 200 índios foram assassinados pelos brancos no Brasil. “A gente era muita gente, milhões. A gente hoje não chega nem a 1 milhão e o número de línguas, menos de 300. Podemos acabar”, acrescenta o Pajé.
Em 1550, portugueses começaram a traficar humanos de África para torná-los escravos cá, no Brasil.
A partir de então, os horrores passaram a se multiplicar, na cor preta.
Por essa época, uma jovem princesa angolana foi laçada por captores e trazida até nós, à força. Seu nome: Zacimba Gaba.
Essa princesa, da nação de Cabinda, foi desembarcada no porto de São Matheus (província de Espírito Santo). E lá sofreu até fugir das mãos dos seus algozes.
Foi uma guerreira.
Um ano antes de 1550, começaram a chegar em Pindorama os jesuítas. Entre eles, José de Anchieta (1534-1597).
Anchieta chegou em 1553 e um ano depois, fundou com Manuel da Nóbrega (1517-1570), a cidade de São Paulo.
Depois dos jesuítas, chegaram os carmelitas e os beneditinos.
Os jesuítas autoproclamavam-se “soldados de Deus”. Até hoje.
Essa organização religiosa foi criada na França, em 1534 e reconhecida pelo Papa em 1540. Seu fundador foi o santo Ingnacio de Loyola.
Negros e indígenas que vislumbravam a liberdade, fugiam do trabalho escravo.
Zimbu, pintura de Antônio Parreiras |
Zumba, que morreu em luta, foi substituído pelo sobrinho Zumbi, diz a história.
Zumbi, de batismo Francisco, criado por um padre, lutou ao lado da companheira Dandara até o fim. Foi degolado e sua cabeça exposta em uma rua de Pernambuco, em 1695, por aí. Ano em que foi descoberto ouro em Minas, Mato Grosso e Goiás, para onde foram levados milhares de escravos para explorar a nova riqueza descoberta. Crianças, inclusive.
Zumbi tinha mais ou menos 40 anos quando o mataram.
Dandara preferiu suicidar-se a correr o risco de ser presa e torturada pelos inimigos.
A história não oferece dados suficientes para se traçar o perfil dessa guerreira.
Quem destruiu o Quilombo dos Palmares foram bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho (1641-1705), um assassino.
Não custa lembrar o que a história conta: os jesuítas André João Antonil (1649-1716) e Antônio Vieira (1608-1697).
Antonil era completamente a favor de que se escravizasse indígenas e africanos. “Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho”, escreveu no livro Cultura e Opulência do Brasil sob o pseudônimo “O Anonymo Toscano”. Nesse mesmo livro, publicado e depois destruído a mando de Dom João V, o mesmo Antonil escreveu: “O Brasil é o inferno dos negros, purgatório dos brancos e o paraíso dos mulatos e mulatas”. E de lambuja, ainda disse: “Pão, castigo e trabalho”.
Vieira, por seu turno, mostrava-se levemente inclinado à não escravidão. Mas também escreveu num de seus sermões, comparando a dor do escravizado com a dor sentida por Cristo pregado à cruz:
Não se pudera nem melhor nem mais altamente descrever que coisa é ser escravo em um engenho do Brasil. Não há trabalho nem gênero de vida no mundo mais parecido à Cruz e Paixão de Cristo que o vosso em um destes engenhos. [...] Bem-aventurados vós, se soubéreis conhecer a fortuna do vosso estado, e, com a conformidade e imitação de tão alta e divina semelhança, aproveitar e santificar o trabalho! Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado: Imitatoribus Christi crucifixi – porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz e em toda a sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três. Também ali não faltaram as canas, porque duas vezes entraram na Paixão: uma vez servindo para o cetro de escárnio, e outra vez para a esponja em que lhe deram o fel. A paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias.
O lenga-lenga desse padre que costumava levitar sobre muros, pode ter dado
origem à máxima popular segundo a qual: “A Fé salva”.
Três ordens
religiosas marcaram a história do Brasil dos portugueses: jesuítas, carmelitas
e beneditinos.
Os beneditinos tinham sob seu domínio pelo menos 4 mil
pessoas escravizadas.
Desde o achamento de Pindorama, muita água correu
debaixo da ponte.
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Esse texto foi originalmente escrito para o Newsletter Jornalistas & Cia. Já os conhece? Confira: Jornalistas&Cia, especial Perfil Racial da Imprensa Brasileira
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