“São Paulo é uma capital cultural”
Entrevista de Assis Ângelo com Jorge Mello
Assis Ângelo – Jorge Mello, você trocou o Piauí pelo Rio de Janeiro e depois por São Paulo. Por quê? Jorge Mello − Quando ainda pequeno, com nove anos, em Piripiri, no Piauí, minha cidade natal, eu já me decidi por ser músico, artista. Eu ajudava meu pai na bodega que ele tinha na Praça do Mercado. Ele saía pra pegar mantimentos em nosso sítio, para vender, e me deixava muitas vezes sozinho, cuidando do atendimento no balcão. Ele vendia de tudo, até sanfonas. E nessas saídas dele, eu pegava na sanfona e dedilhava as canções que tinha na cabeça. Um dia ele me pegou tocando. E daquele dia em diante ele me botou para trabalhar do lado de fora do estabelecimento, tocando sanfona para atrair a freguesia. Logo saí de casa e fui buscar meu sonho, em Teresina, depois Fortaleza. Até que percebi que ele estava aqui no chamado “Sul Maravilha”. Vim para o sul, obedecendo à lei da gravidade. E realizei meu sonho de ser um artista, um músico, um compositor.
Assis − Você fez parte do grupo Pessoal do Ceará. Que grupo foi esse, e qual a sua importância?
Jorge − Nos tempos da universidade em Fortaleza, eu, buscando os espaços para mostrar a minha música, encontrei outros interessados nisso reunidos na Faculdade de Arquitetura, Física e Direito (o curso que eu frequentava). Eram estudantes interessados em música, poesia e nos festivais locais. Logo estávamos nos bares, e foi no Bar do Anísio, o local principal onde essa tropa se reunia. Fui contratado pela TV Ceará para a direção musical de um programa local onde utilizava essa mão de obra e essa tropa cheia de talento, semanalmente, nos programas que dirigi: Porque hoje é sábado e Gente que a gente gosta. Com o tempo fomos reconhecidos como Pessoal do Ceará. Fui um dos primeiros a me mudar para o Rio de Janeiro, e em minha casa moraram Belchior, Fagner e Cirino. Depois chegaram Ednardo, Rodger e Tety. E aconteceu o reconhecimento dessa massa de compositores, com o sucesso do LP Pessoal do Ceará, gravado em São Paulo. Ednardo foi o primeiro a ter esse reconhecimento popular. Depois os outros foram tendo oportunidades, como aconteceu comigo.
Assis – Você, parceiro de Belchior em quase 30 músicas, e ele, um cearense que amava São Paulo, como você. Sei que você chegou a musicar o famoso poema de Mário de Andrade Garoa do meu São Paulo; conta essa história... Quais são as outras músicas que escreveu sobre a capital paulista? Fale de alguma que tenha sido feita pelo seu parceiro Belchior.
Jorge – Bem, são quatro perguntas numa só: A história da parceria com Belchior vem dos tempos da universidade, em Fortaleza. E, também pelo fato de termos morado juntos por anos. E ainda porque fomos sócios em duas empresas: Paraíso Discos, uma gravadora, e Constelações, uma editora musical. Essa aproximação me levou a ser o maior parceiro de Belchior em volume de obras escritas em parceria. Sobre o poema do Mário de Andrade, posso dizer que gosto de musicar poemas clássicos. Sou parceiro de outros como de Olavo Bilac, Hermes Fontes, José Albano, Raimundo Correia... A canção com Mário de Andrade Garoa do meu São Paulo está gravada no meu álbum de 1980, intitulado Dengo Dengue. Adoro!!! Sobre quais outras músicas escrevi sobre a capital paulista, posso dizer que adoro São Paulo Zero Grau, que está no meu álbum Besta Fera, de 1976. E outra linda canção, intitulada Avenida Paulista, gravada nos meus álbuns Mais que de Repente, de 1977, e Claramente, de 2001. Falar de alguma música escrita por meu parceiro Belchior para São Paulo é fácil adoro a canção Passeio, gravada por ele em 1974.
Assis – O que mais encanta você em São Paulo?
Jorge − Adoro as pessoas, também por ser um lugar onde se encontra de tudo que se deseja comer. Tem comidas nordestinas, mineiras, nortistas. Tudo de frutos do mar. Sou pego pelo estômago. E tem as oportunidades que se espera para a carreira que escolhi. Também aqui fiz grandes e inesquecíveis amigos, que hoje tenho como irmãos...! É uma capital cultural!!!
Assis – Conte um pouco sobre você, sua obra e sua história.
Jorge − Pelas minhas atividades na arte e na música, posso dizer que sou um artista nordestino, compositor, produtor, cantor, poeta, repentista, escritor, arranjador, e fora isso também atuei na advocacia, porque sou advogado, especialista em Direitos Autorais. Fiz durante a vida toda milhares de shows e produzi pelo menos 250 álbuns de outros colegas cantores/compositores. Também escrevi trilhas de teatro, cinema e de publicidade. Agora cuido do Acervo Jorge Mello, lugar onde guardo em torno de 80.000 documentos que contam a história da música de minha geração. Tenho hoje mais de 200 obras gravadas, obras que escrevi com mais de 20 parceiros. Gravei três dezenas de álbuns (discos em vinil, CDs e fitas e vídeos). E sei que farei isso até o último dia de minha vida, porque não sei parar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário