Eu disse, João, não Zé.
Esse João chegou ao Brasil do nada.
Há quem diga que João Ramalho foi um náufrago; de qual navio ninguém sabe.
Eu tenho três teses: a primeira, é que ele fugiu ou foi atirado de uma das caravelas do navegador Duarte Pacheco. Pacheco foi enviado ao Atlântico Sul pelo rei Manuel I, de Portugal.
Outra tese é que João Ramalho deixou Portugal a nado, até o Brasil. Por fim, acho que ele chegou ao nosso país — que nem país ainda era — num disco voador.
O fato — e fato é fato — é que João Ramalho chegou por cá na primeira década de 1500. Antes de Duarte Pacheco e de Cabral. Em aqui chegando, atirou-se nos braços das índias e, correspondido, amou e formou um batalhão de filhos. A matriz foi a filha dileta do cacique Tibiriçá, Bartira.
João Ramalho foi herói ou vilão?
Foi esse João quem fundou Santo André e São Bernardo, e tornou-se capitão-mor da Vila de São Paulo de Piratininga.
Corriam os anos de 50 e 60 do século XVI.
Há muitos quilômetros de São Paulo fundava-se a cidade de Nossa Senhora das Neves. Ano: 1850.
Em 1930, Nossa Senhora das Neves viraria João Pessoa.
João Ramalho tem origens em Portugal. Eu, da minha parte, tenho origens fincadas no reino encantado da Parahyba do Norte.
Tudo isso pra dizer o seguinte, respondendo à curiosidade de quem me pergunta por que troquei João Pessoa pela capital paulistana: adoro São Paulo.
São Paulo foi e é, pra mim, um eterno desafio, de vida e morte.
Em 1990, comecei a desenvolver um estudo sobre a música feita em homenagem à cidade fundada pelos jesuítas Nóbrega e Anchieta.
Toda essa história tem a ver com o cabra João Ramalho.
Para a história, João Ramalho é uma incógnita. Eu, não.
É isso.
Muita gente me pergunta qual a música mais bonita composta até hoje pra São Paulo. Indico uma dezena:
- Rapaziada do Brás
- Perfil de São Paulo
- Quarto Centenário
- Ronda
- Sampa
- Lampião de Gás
- São São Paulo
- Trem das Onze
- Samba do Arnesto
- Vai no Bixiga pra Ver
São mais de três mil músicas que colhi no decorrer de duas décadas.
Não
dá pra esquecer
São Paulo, Coração do Brasil, que tão bonitamente gravou Chico Alves.
Não dá pra esquecer a
belíssima
Sinfonia Paulistana, de Billy Blanco.
Não dá pra esquecer
São Paulo de Todos Nós, de Peter Alouche...
Eu, da minha parte, compus e interpretei
Declaração de Amor a São Paulo. E noutra ocasião, compus com Gereba
Hino ao Céu. Essa música, que chamo de hino, foi gravada pelo inesquecível sanfoneiro
pernambucano Dominguinhos.
Ia me esquecendo: cidadãos que, de uma forma
ou de outra, colaboram com São Paulo têm um dia reconhecimento pela Câmara
Municipal, por exemplo.
Em agosto de 1998, compareci à Câmara de São
Paulo para receber o título de Cidadão Paulistano. Fiz discurso e tal. O amigo
historiador José Ramos Tinhorão estava presente. E o auditório, lotado. A
Banda de Música da Polícia Militar tocou o Hino Nacional e arrepiei-me.
Curiosidade:
no Hino Nacional o Ipiranga, riacho e hoje bairro paulistano, é citado.
OLHARES SOBRE SÃO PAULO
SÃO PAULO ME ESCOLHEU, Reynaldo Bessa
"Uma esfinge se precipita no abismo,
tão logo o enigma é decifrado."
- Heinrich Heine
Na época em que decidi tomar o rumo do Sudeste, nada acontecia fora do eixo Rio-São Paulo. Qualquer artista que confiasse no taco das composições que andava fazendo, uma hora teria de aceitar o grande desafio de deixar o lar. Pegar a estrada rumo ao desconhecido. A brincadeira perigosa à qual se referiu Raul Seixas. Não era fácil. Existia sim, a vontade de não ficar — pelo anseio de partir —, mas havia também o medo de ir embora. Como deixar os lençóis limpinhos e cheirosos, o som dos grilos e sapos na madrugada, o céu entupido de estrelas, o café quentinho da minha mãe e o seu acolhedor beijo de boa noite?