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domingo, 6 de fevereiro de 2022

JOÃO RAMALHO: HERÓI OU VILÃO?

Meus amigos, vocês já ouviram falar de um cabra chamado João Ramalho?
Eu disse, João, não Zé.
Esse João chegou ao Brasil do nada.
Há quem diga que João Ramalho foi um náufrago; de qual navio ninguém sabe.
Eu tenho três teses: a primeira, é que ele fugiu ou foi atirado de uma das caravelas do navegador Duarte Pacheco. Pacheco foi enviado ao Atlântico Sul pelo rei Manuel I, de Portugal.
Outra tese é que João Ramalho deixou Portugal a nado, até o Brasil. Por fim, acho que ele chegou ao nosso país — que nem país ainda era — num disco voador.
O fato — e fato é fato — é que João Ramalho chegou por cá na primeira década de 1500. Antes de Duarte Pacheco e de Cabral. Em aqui chegando, atirou-se nos braços das índias e, correspondido, amou e formou um batalhão de filhos. A matriz foi a filha dileta do cacique Tibiriçá, Bartira.
João Ramalho foi herói ou vilão?
Foi esse João quem fundou Santo André e São Bernardo, e tornou-se capitão-mor da Vila de São Paulo de Piratininga.
Corriam os anos de 50 e 60 do século XVI.
Há muitos quilômetros de São Paulo fundava-se a cidade de Nossa Senhora das Neves. Ano: 1850.
Em 1930, Nossa Senhora das Neves viraria João Pessoa.
João Ramalho tem origens em Portugal. Eu, da minha parte, tenho origens fincadas no reino encantado da Parahyba do Norte.
Tudo isso pra dizer o seguinte, respondendo à curiosidade de quem me pergunta por que troquei João Pessoa pela capital paulistana: adoro São Paulo.
São Paulo foi e é, pra mim, um eterno desafio, de vida e morte.
Em 1990, comecei a desenvolver um estudo sobre a música feita em homenagem à cidade fundada pelos jesuítas Nóbrega e Anchieta.
Toda essa história tem a ver com o cabra João Ramalho.
Para a história, João Ramalho é uma incógnita. Eu, não.
É isso.
Muita gente me pergunta qual a música mais bonita composta até hoje pra São Paulo. Indico uma dezena:

São mais de três mil músicas que colhi no decorrer de duas décadas.
Não dá pra esquecer São Paulo, Coração do Brasil, que tão bonitamente gravou Chico Alves.
Não dá pra esquecer a belíssima Sinfonia Paulistana, de Billy Blanco.
Não dá pra esquecer São Paulo de Todos Nós, de Peter Alouche...
Eu, da minha parte, compus e interpretei Declaração de Amor a São Paulo. E noutra ocasião, compus com Gereba Hino ao Céu. Essa música, que chamo de hino, foi gravada pelo inesquecível sanfoneiro pernambucano Dominguinhos.
Ia me esquecendo: cidadãos que, de uma forma ou de outra, colaboram com São Paulo têm um dia reconhecimento pela Câmara Municipal, por exemplo.
Em agosto de 1998, compareci à Câmara de São Paulo para receber o título de Cidadão Paulistano. Fiz discurso e tal. O amigo historiador José Ramos Tinhorão estava presente. E o auditório, lotado. A Banda de Música da Polícia Militar tocou o Hino Nacional e arrepiei-me.
Curiosidade: no Hino Nacional o Ipiranga, riacho e hoje bairro paulistano, é citado.

OLHARES SOBRE SÃO PAULO

SÃO PAULO ME ESCOLHEU, Reynaldo Bessa

Para o especial sobre São Paulo que fiz para este J&Cia, pedi textos a muitos amigos músicos, poetas e romancistas. Muitos atenderam ao pedido. Outros não. E entendo por que não atenderam: a correria constante. Os queridos Rolando Boldrin, Fernando Coelho, Klévisson Viana e poucos mais. Reynaldo Bessa foi um dos primeiros a fazer o que pedi. Só que o texto dele extraviou-se nas entranhas da internet. Recuperado, ei-lo:

"Uma esfinge se precipita no abismo,
tão logo o enigma é decifrado."
- Heinrich Heine

Na época em que decidi tomar o rumo do Sudeste, nada acontecia fora do eixo Rio-São Paulo. Qualquer artista que confiasse no taco das composições que andava fazendo, uma hora teria de aceitar o grande desafio de deixar o lar. Pegar a estrada rumo ao desconhecido. A brincadeira perigosa à qual se referiu Raul Seixas. Não era fácil. Existia sim, a vontade de não ficar — pelo anseio de partir —, mas havia também o medo de ir embora. Como deixar os lençóis limpinhos e cheirosos, o som dos grilos e sapos na madrugada, o céu entupido de estrelas, o café quentinho da  minha mãe e o seu acolhedor beijo de boa noite?
Mas o tempo foi passando, a família foi entendendo mais as minhas inquietações, os amigos foram me
animando, e assim eu peguei marra. Então, precisava decidir se eu iria para o Rio de Janeiro, onde o movimento parecia ser ainda maior — a maioria dos artistas que eu admirava morava lá — ou São Paulo, cidade que eu já admirava pelos programas de TV, como o Som Brasil, com o Rolando Boldrin, o Viola, Minha Viola, com Inezita Barroso. Programas onde pude ver muita gente boa começando — cheguei a fazer os dois. Enfim, fiquei entre as duas cidades. Apesar de que, independentemente da escolha, uma ficava muito próxima da outra. Então, qualquer coisa era só tomar a estrada novamente.
Foi quando, penso eu, São Paulo decidiu por mim. Um primo e uma tia iriam me receber por algum tempo em sua casa, até eu encontrar o meu rumo. Pronto.
Cheguei a São Paulo numa noite muito fria e solitária — conto isso na letra de uma das minhas músicas. Ao descer, logo ao pisar o degrau da escadinha do avião, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: “E vou voltar em videoteipes e revistas supercoloridas, pra menina meio distraída repetir a minha voz, e que Deus guarde todos nós”. É um trecho da canção Carneiro, do Ednardo. Um dos artistas que me influenciaram muito no início da minha carreira. Além de Belchior, Fagner, todo o pessoal do Ceará, entre muitos outros.
Ouça: 

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