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domingo, 12 de novembro de 2023

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (52)

Diário Carioca
José Ramos Tinhorão era um jornalista dono de uma bagagem intelectual invejável. Era um erudito, podemos dizer. Saia-se bem em espanhol, italiano, inglês e francês, que conseguia falar sem sotaque e escrever sem erros gramaticais. Deixou publicados 29 livros, todos tratando a fundo sobre música popular, o primeiro (Música Popular - Um Tema em Debate) lançado em 1966.
Era propósito de Tinhorão fechar o ciclo de pesquisas que iniciou em fins dos anos de 1940 com um livro sobre licenciosidade ou "putaria", como dizia fazendo graça aos amigos mais próximos. 
Ele achava um barato e como tal respeitava os cordelistas, também chamados de "poetas de bancada". 
De fato, os cordelistas são grosso modo bastante inspirados.
A literatura de cordel é classificada por ciclos temáticos: religião, cangaço, guerra, política, personalidades, esporte, erotismo, feitiçaria, gracejo e tal.
Dentre o material "garimpado" para fechar seu próprio ciclo como pesquisador ou historiador como preferia ser chamado e não como crítico musical, Tinhorão começou a reunir folhetos de cordel e livros nacionais e estrangeiros que tratassem de putaria. Foi assim que caíram em suas mãos Manoel Monteiro, Franklin Maxado, Klévisson Viana, Bastinha Job, Dalinha Catunda e outros.
No folheto de oito páginas Um Jumento e Duas Doidas as autoras, em peleja, se desafiam numa quase agressão. Começa assim:

DALINHA CATUNDA 

Eu sou nordestina
Da cabeça chata
Raiva não me mata
E nem me alucina
Olhando sua crina
Pensei em montar 
Se me derrubar 
Não tem nem talvez
Até lhe amansar


BASTINHA JOB

Também sei montar
Cedinho aprendi
Jamais esqueci
Achei bom trepar
Melhor é gozar
De tanto prazer
Corpo e alma gemer
Sentir alegria
Que até contagia
Quem meu verso ler!...


O paraibano Manoel Monteiro sustentou a família publicando e vendendo folhetos Nordeste afora. Era chegado a gracejos e até explícito nas suas incursões que fazia no campo erótico. Em Mulher Gosta de Ouvir, por exemplo, indicava já na capa ser "impróprio para menores de 90 anos". Veja:

Qual a mulher que não gosta
De ter o homem que ama
Com o corpo nu sobre o seu
No vai e vem duma cama
Ofegante e meio torpo 
Com as mãos a roçar-lhe o corpo 
E a boca a sugar-lhe a mama?...

(CONTINUA…)

Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora

O SEDUTOR CASANOVA

É provável que você já tenha ouvido falar em Casanova, Giacomo Casanova.
É provável que você nunca tenha ouvido falar em Aretino, Pietro Aretino.
Casanova e Aretino amavam amar mulheres e escrever tudo que sentiam e viam ao derredor. Os dois tinham em comum, além disso, o fato de serem italianos. Viveram, porém, em tempos diferentes. 
Casanova nasceu em 1725 e morreu em 1798. Seu livro mais conhecido é A História de Minha Vida, em quase 4 mil páginas manuscritas.
Aretino morreu em 1556, aos 64 anos de idade. Seu livro mais conhecido é Sonetos Luxuriosos. 
Casanova tinha um ídolo: Pietro Aretino.
Para Casanova, acabo de gerar o poeminha abaixo:

Comecei lendo livros
Lendo livros me formei
Certa vez eu quis ser padre 
Mas a tempo recuei 
Foi numa biblioteca 
Que finalmente me achei

Pra mim foi tudo fácil 
Fácil tudo se acabou 
Amei muitas mulheres 
Mas nenhuma me amou 
Foi assim que descobri 
Que pra mim a luz pifou 

Ora pois eu sei que fui

Bom aluno e professor 

Na escola aprendi

Os segredos do amor

Desde então eu parti

Pra viver com destemor


Eu sou o personagem

Das histórias de amor

Muitos mentem sobre mim

Comigo fazem terror

Eu não sou o que dizem

Tampouco sou sedutor!


Era veneziano 

O mais famoso sedutor 

Nascido para ser padre

Desistiu foi professor 

Pra com calma ensinar

Os caminhos do amor


Foi um aventureiro

Diferente dos demais

Não pensava duas vezes

Pra quebrar regras legais

Pra ele certas coisas

Eram muito naturais


A mãe era uma atriz

E o pai um bom ator

O casal teve seis filhos

Entre eles um pintor

Que fixou em tela

O mano galanteador


Era um cara simples

Bonito e elegante 

Andava bem vestido

Com firmeza, confiante

Chamava a atenção 

Por ser também galante


Varão, forte e viril

— E bem dotado também!

Andou por todo canto

Num eterno vai e vem 

Verdade seja dita

Nunca dormiu sem ninguém 


Casanova era fã

De Pietro Aretino 

Um poeta sem vergonha 

Devasso e cretino

Diziam inimigos 

Do ousado libertino


Mas ele não ligava

Pois tempo não perdia

Gostava de bom vinho

De mulher e putaria 

Quando queria chamava

O Deus Baco pra orgia


Por um rabo de saia

Tudo fazia num piscar 

Leão caçava a pau

E onça fazia miar

Do céu tirava o sol

Somente pra se mostrar


Casanova foi um cara

Que gostava de pecar

E pecava todo dia

Sem poder se controlar

Sua fama ele fez

Pra na história ficar


No seu tempo fez de tudo

Com beleza, alegria

Seu prazer era o prazer

Que dava e recebia

Casanova fez de tudo 

Com mulher o que queria 


Um amante completo

No rigor da perfeição 

Casanova sempre foi

Um mestre da sedução 

Pra ele toda mulher

Era benção da Criação 


Esse cara tudo fez

Inda mais até faria

Pra um dia ser lembrado

Pelas coisas que sabia

No seu mundo aprendeu

A viver com ousadia


Casanova nunca teve

Nem limite nem noção 

Por uma mulher gostosa

Agarrava até o cão 

o Inferno todos sabem

É o mundo da perdição 


Pode ser pode não ser 

Verdade o que contou 

Mas ele contava bem 

As batalhas que travou

Sua luta era na cama 

Com as mulheres que amou 


Nesse mundo ele passou 

Amando e sendo amado 

Pra onde quer que fosse 

Era sempre desejado 

As mulheres viam nele 

Um macho apaixonado 


Casanova não fumava 

Casanova não bebia

Casanova tinha medo 

De brochar em plena orgia 

Por isso se cuidava 

Pra fazer o que fazia 


O cara no entanto

Não era brinquedo, não

Estava sempre pronto

Para entrar em ação 

Mulher ele chamava

Para chamegar no chão


Viver é coisa boa

Mas é bom ter cuidado

Quem anda sem destino

Pode pegar trem errado

Um trem de pés pra cima

É um trem descarrilado


Pacato de bom papo

Detestava confusão 

De briga ele fugia

Sem nem topar discussão

Porém um dia foi preso 

E atirado na prisão 


Fora vítima de quem

E qual a acusação?

Quem seria seu carrasco

Alguém da inquisição?

Ou um maluco qualquer

Sem rumo, sem direção?


Agora o que fazer

Ali encarcerado

Que nem um preso qualquer

Depois de condenado?

Fugir, tinha de fugir

Pra não ser crucificado 


Pra isso fez um plano

Pra lá de bem bolado:

Furar uma parede

Subir lá no telhado

E pronto! Estava livre

Que nem um ser alado


Muita coisa ele fez

Até mesmo por compulsão 

Estudou e aprendeu 

A arte da tradução 

Não à toa encantou-se

Com Homero e com Platão


Teve tempo pra ouvir

Muito tempo para ler

Escutando aprendeu

A cultura do saber

Seguindo essa trilha

Completou-se no prazer


Traduziu Elíada

Para italianos

Livro trata da guerra

Entre gregos e troianos

Que começou com um rapto

E durou mais de dez anos


Aprendeu tudo que quis

No belo campo da cultura

Leu Dante, Camões e Sade

Mestres da literatura

Porém ele aprendeu

A viver com pica dura 


Tinha sorte no amor

E no jogo tinha azar

Não sabendo o que fazer

Ajoelhou-se pra rezar

Seu destino era perder

Muitíssimo antes de ganhar.


Morreu longe de casa

Esquecido sem ninguém 

Distante das mulheres

E dos seus filhos também 

No jogo perdeu tudo

Um por um cada vintém 


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