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sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

SIM, O PRESENTE É PASSADO

Foi num dia como hoje, 31 de janeiro, que um cara chamado Jânio Quadros inaugurou Brasília como o primeiro presidente do Brasil. 
O ano corria, 1961.
Jânio foi o presidente do Brasil mais votado até então: 5,6 milhões de votos a seu favor, derrubando assim o marechal Lott.
Jânio "renunciou" ao cargo de presidente no dia 25 de agosto de 1961.
Foi, claro, uma tentativa de autogolpe.
Coisa de doido, porque até então ninguém tinha sido eleito por uma montanha de voto até então inacreditável. 
A zebra a partir daí, passou a mostrar suas cores preto e branco. De forma violenta.
Resumo: Jango assumiu o vácuo político deixado por Jânio e findou derrubado pelos milicos de plantão apoiados pelos grandes empresários do país.
A história é história. 
Deposto, Jango voltou morto da Argentina depois de 13 anos lá exilado. 
Meus amigos, minhas amigas: foi na Argentina, que Che Guevara nasceu. Foi trazido ao Brasil para ser condecorado por Jânio, no dia 18 de agosto de 1961. 
Sobre isso, entrevistei Jânio. Está aqui no Blog. Procure.
Pois, pois!

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

SAUDADE DOS QUE SE FORAM


 Ei, você aí lembra da canção que começa assim: "A saudade mata a gente, morena..."

Pois é, um clássico, mas não é desse clássico que eu quero falar. Quero falar sobre quadrinhos e quadrinistas brasileiros. 

No dia 30 de janeiro do ano da graça de 1869, o italiano Angelo  Agostini (1843-1910) publicou, na revista Vida Fluminense, RJ, a primeira história em quadrinhos de que se tem notícia por cá. Chamou-se As Aventuras de Nhô Quim.

Agostini foi, pois, pioneiro no campo dos quadrinhos brasileiros. Teve e tem ainda muitos seguidores. 

Quem não se lembra do bom mineiro Ziraldo?

Entre nós continuam nos fazendo bem Laerte, Angeli, Jô Oliveira, Juca, Fausto, Klévisson, ...

Fausto tem ilustrado muitas coisas que tenho escrito e publicados neste Blog e em lugares outros.

Klévisson, amigo de longa data como os aqui já citados, também não se faz de rogado e lá vamos nós firmes nas asas da imaginação. 

O Klévisson chegou a dar caras ao roteiro que fiz sobre a vida e trajetória artística do rei do baião Luiz Gonzaga. O que fizemos está publicado no livro Luiz Gonzaga O Rei do Baião (2012).

É coisa boa e bonita o mundo dos quadrinhos e quadrinistas. E dos roteiristas.

Magrão como também é conhecido o músico e roteirista Paulo Garfunkel, é o criador do personagem Vira-Lata.

Vira-Lata é roteirizado por Magrão e desenhado pelo quadrinista Líbero. 

Coisa essa de altíssima qualidade desses dois craques das artes.

Bom, eu comecei falando indiretamente sobre saudade, certo?

Pois bem, hoje 30 é o Dia da Saudade.

E se falei também sobre quadrinhos e quadrinistas é porque hoje 30 comemora-se o Dia do Quadrinho Nacional, para que nunca nos esqueçamos de Angelo Agostini.

Fui!

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

MAIS UMA ESTRELA NO CÉU: LUCAS EVANGELISTA

 

Pouco antes de sair de casa, ontem a noite, para prestigiar o lançamento de um livro na cidade onde mora, Fortaleza, o craque do traço e do cordel cearense, Klévisson Viana, deu de garra do telefone pra me ligar e disse: "Compadre Assis, nosso amigo, Lucas Evangelista, morreu".
Só não caí de mim porque estava absorto, ouvindo a leitura de mais um dos tantos livros que curto no dia a dia.
Eu conheci Lucas, cordelista e poeta repentista, durante apresentação num palco do I Festival Internacional de Trovadores e Repentistas, realizado em agosto de 2008, no sertão meridional do Ceará.
Klévisson juntou amigos e com eles acaba de escrever e publicar um folheto em homenagem ao grande e expressivo artista da nossa cultura popular: Lucas Evangelista.

LEIA:


HOMENAGEM AO MESTRE LUCAS EVANGELISTA

(Obra Coletiva)


A poesia entristecida

Chora a morte de um artista

Referência em nossa arte

Um genial cordelista 

E a musa mandou mensagem

Pra prestarmos homenagem

A Lucas Evangelista.


Artista que o povo tem

Um carinho especial 

Foi ele autor consagrado

De ‘A Carta do Marginal’ 

O Brasil todo conhece

Tem respeito e enaltece 

Seu talento magistral.


No seio de sua gente

Foi artista consagrado

Era Mestre da Cultura 

Do Ceará, nosso Estado

Nas páginas da poesia

Cordel, livro e antologia

Pra sempre será lembrado.


Pra Canindé, todo ano

Ia para romaria 

Na Festa de São Francisco 

Mostrava sua poesia

Cheia de belos roteiros 

Para encantar os romeiros

Com brilho, encanto e magia.


Sabia escrever histórias 

Bem ao agrado do povo

Para toda ocasião 

Tinha sempre um cordel novo 

Grande artista popular 

Fazia rir e chorar

Ganhando palmas e aprovo.


Quem desconhece as histórias 

Do nosso cancioneiro,

Tenta negar o passado,

Escrevendo outro roteiro,

Despreza nossa cultura

E joga a Literatura 

De Cordel num atoleiro.


Essa ilusão transitória

É o abrigo tumular

De quem, mesmo vivo, morre

Sem nada de bom deixar.

Portanto, mudando o tom,

Afirmo que se algo é bom,

Nada consegue matar.


João Lucas Evangelista,

Nosso bluesman nordestino,

Deu voz a quem voz não tinha,

Fez da sua obra um hino.

Nas cruzadas dos martírios,

Converteu espinho em lírios,

Foi senhor do seu destino.


Legou cordéis e baladas

Numa monumental saga,

Como um rio caudaloso

Que as ipueiras alaga;

Partiu, porém, permanece,

Seu legado prevalece,

Pois nem o tempo o apaga.


Lucas da Bíblia nos fala

Sobre Cristo o galileu,

Evangelista é aquele

Que um evangelho escreveu,

Nosso Lucas, cordelista

O nome de evangelista 

Colocou no nome seu.


Crateús no Ceará 

Foi sua terra querida,

Deixou seu berço natal

Para o mundo fez partida,

E fez com força inaudita 

Nossa poesia escrita

Ter fama reconhecida.


Lucas foi artista múltiplo

Foi músico e cordelista,

Grande mestre da cultura,

Escritor e repentista,

No Brasil em qualquer parte

Não há quem supere a arte

De Lucas Evangelista.


Assim como toda vida

Tem o seu ponto final

Lucas parte nos deixando

Uma saudade imortal,

Aqui deixou sua história,

Foi para o trono da glória,

A Corte Celestial.


O Lucas Evangelista 

Foi um grande inspirador 

Além de ser cordelista

Foi poeta cantador 

Mestre da nossa cultura

Que lutava com bravura 

Dignidade e fervor .


Aqui na Terra ele foi 

O menestrel da canção 

Escrevia seus cordéis 

Com bastante inspiração

Foi um vate valioso 

Um poeta primoroso 

De toda sua geração. 


Nosso cantador querido 

Para outro plano partiu, 

Mas sabemos que sua arte

Por todo o mundo expandiu

Conquistar toda uma gente 

Através do seu repente  

Nosso Lucas conseguiu.


O mundo dos Cordelistas 

Acordou entristecido 

Com a notícia que o Mestre 

Lucas havia morrido.

João Lucas Evangelista 

Foi um grande Cordelista,

Famoso e reconhecido!


Ao Lucas Evangelista 

Segue o póstumo tributo.

Meu mestre você será 

Vate sem substituto. 

Partiu pro reino Celeste 

E hoje este discípulo veste

O triste manto do luto!


João Lucas Evangelista 

Foi um grande menestrel 

Criou histórias e músicas,

Na arte fez seu papel.

Feito um grande timoneiro 

Rodou o Brasil inteiro 

Divulgando seu cordel.


Hoje a musa do cordel,

Vestiu seu traje de luto,

Pois Lucas Evangelista,

Poeta versátil, astuto.

O Mestre imortal, decano

Foi versejar noutro plano,

Num elevado reduto!


Um vate quando nos deixa

Voltando a casa do Pai

Deixa imensa saudade,

Mas sua história não vai

Assim nosso cordelista

João Lucas Evangelista

Sua lembrança não sai.


Percorreu nosso Brasil

Essa importante figura

Do Nordeste ao Sudeste

Lucas com literatura

Tocava linda canção

Levando assim emoção

De maneira bem segura.


Fez da arte o seu viver

Emocionando o povão

Com "Carta de um Marginal"

Bem feita composição

Mostrando a realidade

Da tal marginalidade

Que envergonhava a Nação.


Foi chamado pelo Pai

Pra sua Santa Morada

Lá no Céu, Evangelista,

Cumprirá nova jornada

Viverá novo rojão

E cantará seu baião

De forma bem animada.


Partiu um grande poeta

Mestre no verso e viola

Levou consigo um ensino

Que não se ensina em escola

Levou a chuva e o tostão

Mais um Mestre do sertão

Levou cheia sua sacola.


Com nome forte e profundo

Discípulo do salvador

Lucas, o Evangelista

Lavrou a terra com amor

Plantando sua poesia

Fez chover paz e harmonia

Com seu pinho de valor.


Despedimo-nos chorosos,

De Lucas Evangelista,

Poeta, compositor,

Violeiro, repentista,

Da arte, divulgador,

Folheteiro, cantador

E afamado cordelista.


Autor de ‘Um tostão de chuva’,

De “A carta de um marginal”,

“Foronfonfom”, “Mototaxi”,

Legado exponencial!...

Sem sequer se despedir

Partiu para residir

Na pátria celestial. 


Muito vasta e conhecida,

Sua produção reluz, 

Sendo merecidamente

Aclamado como um dos

Aedos de maior claque

E um dos nomes de destaque

Das artes de Crateús.


Um exemplo de amigo,

Probo chefe de família, 

Semeador de amizade,

Aparador de quizília.

Em Crateús foi nascido,

Mas tornou-se conhecido

Quando morou em Brasília.


O bardo abraçou a sorte

Como vira-mundo, errante;

Foi nas feiras nordestinas

Uma presença marcante

Com sua lira primorosa

Na fase áurea e saudosa

Do poeta itinerante.


Por esse Nordeste imenso

De feira em feira atuou,

E nas praças da Ceilândia

Diversas vezes cantou.

Lá ainda tem família,

Pois o poeta em Brasília

Por doze anos morou.


Nas feiras, com sua Kombi,

Ele chamava atenção

Cantando suas toadas,

Tocando seu violão,

Ouvindo as canções bonitas

Pra comprar cordéis e fitas

Juntava uma multidão.


Entre as canções mais tocantes

Nascidas de sua pena

Cito “Filho de cigano”,

E, de comovente cena,

“Canção do sentenciado”

E outro clássico afamado

Que é “Lembrança de Helena”.


É grande a lista de títulos

De cordéis que publicou.

Cinco LPs, muitas fitas

E CDs também gravou;

Viveu pra se eternizar,

Sua arte singular

Nossa cultura marcou.


Foi Lucas Evangelista 

Grande mestre da canção 

Divulgador incansável 

Da popular tradição

Com sua arte soberana

Cantou sobre a lida humana 

Em cada composição.


Em "Carta de um marginal"

Expos uma triste história 

Assim eternizou um 

Exercício de memória 

A dor de um excluído,

Um malfazejo e sofrido,

Versando uma vida inglória.


Andarilho da poesia 

Com suas letras e voz

Lucas foi fonte fecunda

Jorrando versos à foz

Inspirou, foi referência,

Um vate de excelência 

Grande exemplo para nós!


Deixa saudades o Mestre 

De violão ritmado,

Porém na Corte Celeste

O Sarau "tá preparado!"

Pra celebrar sua vida

A sua missão cumprida

E o seu imenso legado!


Herdando o nome do santo

Que a palavra ‘desdobra’

O poeta Evangelista

Com as rimas de sua obra

Em sua vida fecunda

De poesia profunda

Mostrou talento de sobra. 


A inspiração veio cedo

Dos antigos menestréis

Violeiros, cantadores

Que declamavam cordéis

E as historias dos seus pais

Bem guardadas nos anais

Galopa ainda corcéis.


À cultura popular

Deu asas e deu alento

Conseguiu com sua arte

Garantir o seu sustento

Foi do romance ao forró

Até em cobra deu nó

E conseguiu seu intento.


Parte com missão cumprida

Sua obra ficará

No ‘rela bucho’ ou cordel

Muito além do Ceará

Viaja como Asa Branca

Sua rima alegre e franca

Sempre lembrada será.


Meus versos fazem homenagem

A um mestre da tradição,

É Lucas Evangelista,

Da cultura e do sertão.

Cantou com alma e viola,

Rima que encanta e consola,

Nos tocando com emoção.


Nas praças fez poesia

De Crateús para o mundo.

Sua voz e seu repente

Ecoaram tão profundo.

Que até no céu seus cantares

São eternos, nos altares,

Como um legado fecundo.


Foi um mestre de talento,

Na viola ao improvisar.

Nos folhetos e cantigas,

Fez o povo se encantar.

Na sua arte divina,

Cada verso se destina

A nunca se apagar.


Sua lira continua

Brilhando na imensidão.

E nós, que aqui ficamos,

Guardamos sua emoção.

Lucas vive na memória,

Imortal pela história,

Eterno no coração.


Um grande prazer na vida

Foi conhecer Evangelista

Um cantador de viola

Que nunca perdeu de vista

Levar pelo mundo afora

A alegria a toda hora

Era um poeta ativista.


Conheci Evangelista

Pela José de Alencar

Sua belina e radiadora

Fazia o povo parar.

Pra degustar do seu verso

Que atingia o universo

De um sublime poetar.


A bênção, poeta Lucas,

Nosso Mestre da Cultura

Que levou sertão afora

Com tanta desenvoltura

A cultura popular

Que só tem neste lugar

Por ser terra de bravura...


Como um trem, com longo apito,

Deslizando sobre o trilho

Partiu o poeta Lucas

E Crateús perde um filho.

Foi um poeta impoluto,

A poesia está de luto

E o cordel perdeu o brilho.


As folhas verdes da mata

Da Caatinga nordestina,

Que já nas primeiras chuvas

Vertem água cristalina

Choram por Evangelista,

Poeta e grande artista

De rima afiada e fina.


João Lucas Evangelista

Foi um poeta gigante.

Seu cantar ultrapassou

A fronteira mais distante.

Na viola ou no papel

Seu poema de cordel

É marca muito importante.


Mas, Lucas Evangelista

Encanto-se, não morreu.

Teve recital no céu.

Como a musa prometeu,

A alegria foi completa

Com a chegada do poeta

Uma grande festa deu.


Ninguém viveu a cultura

Do jeito que ele viveu

Na sua época o cordel

Ficou mais forte e cresceu 

O poeta de Crateús

Foi mostrar para Jesus 

A rima do verso seu.


E por isso digo eu,

Digo sem pestanejar,

Nesta arte tão bonita

Da gente vivenciar

Que Lucas Evangelista 

Deixou como cordelista

Um nome pra respeitar.


Lucas nasceu com a viola

Desenhada na sua mente

Cresceu e desenvolveu

O verso como semente 

No terreno que plantou

A poesia se espalhou

Com a viola e o repente.


Tive o prazer de aplaudir

Este grande repentista

Agora foi para cima

Nosso amigo cordelista.

Deixando a sua história 

Presa na nossa memória 

No nosso quadro de artista.


Mestre Lucas foi um vate 

Do nosso tempo atual; 

Um Aedo – nosso Orfeu...

Referência nacional 

No romance de cordel

Excelente menestrel 

Na canção tradicional. 


A “Carta de um Marginal” 

Ficou sem o seu autor 

Nós ficamos sem o mestre,

No peito tristeza e dor!

Quem seus cordéis cantará?

Nas feiras do Ceará 

Tá faltando um tocador.


Quem irá cantar a dor 

Daquele povo sofrido...?  

O inverno; a invernada 

Ou o sertão ressequido 

Ou mesmo ler um cordel

Narrando história fiel 

Do último fato ocorrido? 


Aqui, de peito partido

Sou eu quem registra o fato... 

Da partida do herói 

Que destino tão ingrato! 

Bastante triste fiquei

Mas pra vida eterna, eu sei, 

Ninguém assina contrato...


Lucas será “sempre vivo”,

Pois além de seus talentos

Também gerou quatro filhos,

Sua prole, seus rebentos,

Gente que ama a cultura,

Sua geração futura,

Frutos de dois casamentos.

Lucilane, Luciléa,

Linda Léa e Márcia Linda,

Estes filhos, com certeza,

Farão a linhagem infinda.

Sua vida foi completa

E a memória do poeta

Viverá bem mais ainda!


FIM


Autores: Mestre Geraldo Amâncio Pereira, Evaristo Geraldo da Silva, Paulo de Tarso, Paola Tôrres, Dideus Sales, Julie Oliveira, Paiva Neves, Pádua de Queiroz, Gerardo Pardal, Vânia Freitas, Rosinha Miguel, Tião Simpatia, Rouxinol do Rinaré, Rafael Brito, Marco Haurélio, Arlene Holanda e Klévisson Viana

domingo, 26 de janeiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (163)


Uma das primeiras revistas em que o autor de A Alma Encantadora das Ruas publicou textos foi O Diabo.

O Diabo, aliás, é personagem presente em tudo quanto é romance mundo afora.

Quem não se lembra do incrível texto Doutor Fausto, de Tolstói?

Nessa obra, o autor cria um personagem que quer ter o conhecimento de tudo que há no mundo. É um sabichão. Mas quer mais e aí ele, o doutor, faz um pacto com o demônio. O final é fantástico.

E Machado de Assis, hein?

Machado tem um conto intitulado A Igreja do Diabo.

Tem também Olavo Bilac, que foi jornalista, poeta e tal. É dele o conto envolvendo uma jovem e um padre. Título: O Diabo:


Tinham metido tantas caraminholas na cabeça da pobre Luizinha, que a coitada, quando, às dez horas, apagava a luz, metida na cama, vendo-se no escuro, tinha tanto medo, que começava a bater os dentes... Pobre Luizinha! Que medo, que medo ela tinha do diabo!

Um dia, não pôde mais! E, no confessionário, ajoelhada diante de padre João, abriu-lhe a alma, e contou-lhe os seus sustos, e disse-lhe o medo que tinha de ver uma bela noite o diabo em pessoa entrar no seu quarto, para a atormentar...

Padre João, acariciando o belo queixo escanhoado, refletiu um momento. Depois, olhando, com piedade a pobre pequena ajoelhada, disse gravemente:


— Minha filha! Basta ver que está assim preocupada com essa idéia, para reconhecer que realmente o Diabo anda a perseguí-la... Para o tinhoso amaldiçoado assim é que começa...

— Ai, senhor padre! Que há-de ser de mim?! Tenho a certeza de que, se ele me aparecesse, eu nem forças teria para gritar...

— Bem. filha, bem... Vejamos! Costuma deixar a porta do quarto aberta?

— Deus me livre, santo padre!

— Pois, tem feito mal, filha, tem feito mal... Para que serve fechar a porta se o Amaldiçoado é capaz de entrar pela fechadura? Ouça o meu conselho... Precisamos saber se é realmente Ele que quer atormentá-la... Esta noite, deite-se, e reze, deixe a porta aberta... Tenha coragem ... Às vezes, é o Anjo da Guarda que inventa essas coisas, para experimentar a fé das pessoas. Deixe a porta aberta esta noite. E, amanhã, venha dizer-me o que se tiver passado...

— Ai! Senhor padre! Eu terei coragem?...

— É preciso que a tenha... é preciso que a tenha... vá... e, sobretudo, não diga nada a ninguém... não diga nada a ninguém...

E, deitando a benção à rapariga, mandou-a embora. E ficou sozinho, sozinho, e acariciando o belo queixo escanhoado.

E, no dia seguinte, logo de manhã cedo, já estava o padre João no confessionário, quando viu chegar a bela Luizinha. Vinha pálida e confusa, atrapalhada e medrosa. E, muito trêmula, gaguejando, começou a contar o que se passara....

— Ah! Meu padre! Apaguei a vela, cobri-me toda muito bem coberta, e fiquei com um medo... com um medo... De repente, senti que alguém entrava no quarto... Meu Deus! Não sei como não morri... Quem quer que fosse, veio andando devagarinho, devagarinho, devagarinho, e parou perto da cama... não sei... perdi os sentidos... e...

— Vamos, filha, vamos...

— ... depois quando acordei... não sei, senhor padre, não sei... era uma cousa...

— Vamos, filha... era o Diabo?

— Ai, senhor padre... pelo calor , parecia mesmo que eram as chamas do inferno... mas...

— Mas o que, filha? Vamos!...

— Ai, senhor padre... mas era tão bom que até parecia mesmo a graça divina...


Luisinha é também um personagem que enriquece o texto do livro O Cabeleira, de Franklin Távora (1842-1888). Nessa história o leitor fica sabendo que Cabeleira é filho de Joana e Joaquim Gomes. Esse Joaquim é uma figura totalmente temerária, violenta, assassina. É história terrível, de cangaço, de morte e tudo mais.

Luisinha é uma menina do passado de Cabeleira. Ela o amava.

É uma história de muito sangue essa história de O Cabeleira. Mas nessa história tem também momentos de divertimento em cabarés e mulheres da vida. Tem dança, tem viola, tem cantiga…


Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 25 de janeiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (162)

Além de Machado, José de Alencar e outros antes dele e depois fizeram circular nas páginas dos livros grandes mulheres que perderam o marido nas mais diversas circunstâncias. Entre esses autores não custa lembrar que também se acha o curitibano Dalton Trevisan (1925-2024).

Trevisan falou de todas as relações possíveis que há entre o homem e a mulher, seja novo, seja velha.

Falar de Dalton Trevisan é o mesmo que falar de feijão com arroz. No caso, amor e putaria.

A estreia de Loyola Brandão ocorreu em 1965 quando lançou à praça um livro de contos intitulado Depois do Sol. Entre os contos se acha O Homem do Furo na Mão. Muito bom, ótimo.

O personagem, um professor de história, volta às páginas do escritor em 1981. Nesse ano é publicado o romance Não Verás País Nenhum. Distópico. Há momentos hilariantes.

O buraco na mão do sujeito provoca grande preocupação da mulher, Adelaide. Mas ele mesmo não liga, passa a se preocupar mesmo quando é aposentado compulsoriamente. A mulher o abandona e ele, que perde tudo e até a vontade de viver, acaba preso depois de conhecer uma jovem e com ela transar. Curioso é o fim.


De Brandão é também bacana o romance Bebel que a Cidade Comeu. É de fundo político, como quase tudo que Brandão escreve. A história passa-se em São Paulo, como em São Paulo se passa também as histórias narradas no livro Cadeiras Proibidas (1976).

Tudo ou quase tudo que ele se dispõe a contar nos seus livros parecem banais, mas o fato é que o leitor quase sempre tem uma surpresinha no final.

Ao contrário de Machado, Loyola nunca até aqui pôs em suas páginas de ficção uma viúva.

Dá até pra comparar os escritos de Brandão com os escritos de Lima Barreto, que nos seus 41 anos de vida escreveu provocativos, críticos e engraçados contos. Nessa mesma linha, o jornalista João do Rio também escreveu bonitos e sangrentos textos em jornais da sua época. 

O curioso em João do Rio é que seus textos tinham origem na vida real. Até os personagens aparentemente fictícios eram reais. 

Num dia qualquer do começo do século 20, João esteve numa cadeia pública do Rio e lá ouviu alguns presidiários. Depois, contou. Um trecho:


- Pois vá ver esses criminosos. O assassino por amor é o único delinquente que confessa o crime. 

Alguns chegam mesmo a reviver detalhes insignificantes. Ao passo que os gatunos, os incendiários e os homicidas vulgares, mesmo tendo a cumprir sentenças longas, negam sempre o crime; essas vítimas da paixão não se cansam de contar a sua história, cada vez com maior número de minúcias e mais abundâncias de memória. 


"- Ora, nós brigamos. Eu gostava dele.  Nós brigamos. Um dia ele me disse uma porção de nomes. Eu fiquei calada, mas quando o vi deitado, com o pescoço à mostra, roncando, parece que o diabo me tentou. E fui então com a faca..." 

- Aproximei-me, bem perto, quase murmurando as palavras: 

- Diga: era capaz de fazer o mesmo outra vez, de abrir o pescoço do pobre rapaz, de ascender as velas, de cantar? diga: era? 

Ela riu como um fera boceja, e disse num arranco de todo o ser: 

" - Eu era, sim, Senhor..." 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

UMA COISA PUXA OUTRA



Qualquer brasileiro ou brasileira que tenha pelo menos um pingo de sensibilidade deverá estar orgulhoso ou orgulhosa com a ampla e positiva repercussão do novo filme de Walter Salles: Ainda Estou Aqui.

Esse filme, entre tantos, está disputando o Oscar de 2025 em Los Angeles. Foi baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva.

Marcelo, também jornalista, é um dos filhos do deputado Paiva com Eunice. 

Eunice foi uma mulher comum que viveu feliz enquanto foi possível. Falamos do ano de 1971, quando Marcelo Rubens Paiva foi sequestrado, torturado e morto por agentes do golpe cívico-militar ocorrido em 1964 no Brasil. 

Foi o diacho aquela intromissão militar contra o povo brasileiro. 

A viúva do deputado mudou de vida e foi estudar Direito para ajudar oprimidos, incluindo indígenas.

O filme Ainda Estou Aqui está em cartaz nos cinemas de boa parte do mundo todo.

A atriz Fernanda Torres está cotada para ganhar a estatueta Oscar pelo altíssimo nível como desenvolveu a personagem Eunice...

Ainda Estou Aqui trouxe-me de volta a lembrança do filme O Pagador de Promessas de Dias Gomes.

O Pagador de Promessas estreou, primeiramente, no TBC de São Paulo. Isso em 1960. A direção foi de Flávio Rangel. 

Depois do teatro, O Pagador de Promessas ganhou telões mundo afora com direção do craque Anselmo Duarte. Na França ganhou a Palma de Ouro. Na Espanha...

Trabalhei com Flávio na Folha e dele sinto saudade. A seu pedido cheguei a lhe apresentar Vandré, lá em casa. Queria Flávio convencer o autor de Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores a voltar aos palcos sob a sua direção. Não deu.

Quanto a Anselmo lembro das vezes que ia tomar um café comigo no escritório e tal. 

Bom, é isso. 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

DORNELES, É O CARA 

Meus amigos, minhas amigas, estou feliz, hoje, que nem um passarim diante de um saco de alpiste. Esse saco de alpiste, perdoem-me os precipitados, tem o nome bonito e mágico de origem portuguesa, Manoel.

Esse Manoel, por completo, é Manoel Dorneles.

Esse Manoel é paulista de um lugar chamado São José do Rio Pardo, cidadezinha bela que fica a 300 quilômetros da capital de São Paulo. 

Meus amigos, minhas amigas, a minha casa fica mais bonita e cheia de alegria quando esse Manoel cá chega. É jornalista. Trabalhamos juntos no Grupo Folhas. Figura incrível, maravilhosa, que sempre soube desenvolver com categoria a profissão que eu assumi no final dos anos 1960. 

Dorneles foi demitido no final da greve, a primeira e única até agora, dos jornalistas de São Paulo, dois anos antes de mim.

E a vida foi, foi, foi...

E o tempo, que ninguém segura, foi nos levando pra lá e pra cá, porém, nunca nos perdemos.

Dorneles tem uma deusa chamada Silvana Lima.

Silvana é daquelas mulheres que encanta quem dela se aproxima nos momentos mais simples, como num bate-papo sobre coisas banais. Ela é engraçada, ri, e nessa brincadeira faz de conta, ela sabe, que quem está junto dela a conhece há muito tempo.

É uma jovem, 40 anos, que sabe de ontem e de hoje, até porque não é à toa que tem por pai, José e Flor.

Seo José, a mim foi dito, é tão grande como o pensamento e ações de dona Flor.  Deus, é bonito, isso eu sei desde o tempo de ontem.

Dorneles tem a minha idade.

Quanta coisa bonita fez esse Manoel Dorneles no campo do jornalismo. No campo das artes.

Fico eu, mais do que pedindo, mais do que sugerindo, que publique uma belíssima série de entrevistas com artistas brasileiros, que fez quando era editor da extinta e belíssima Revista Kalunga.

De novo, agora, Dorneles, toma vergonha na cara e procure publicar em livro as belíssimas entrevistas que você fez com amigos meus, como Rolando Boldrin, Inezita Barrozo, Jair Rodrigues, Sérgio Reis, Pena Banca e Xavantinho e tantos.

Meus amigos, minhas amigas, quem sabe um dia eu apresentarei a vocês esse cara chamado Manoel Dorneles.

   .  

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (161)

Machado de Assis

Viúvos e viúvas abundam na literatura nacional e estrangeira. Não são poucos os autores que criam esses personagens. Nesse campo, Machado de Assis deitou e rolou. No seu último livro, ele põe um viúvo e uma viúva no romance Memorial de Aires (1908).

Aires, depois de se aposentar e de perder a mulher, decide contar a sua própria história num diário. E vai, vai e chegam na sua vida a viuvinha Fidélia e um jovem que ao vê-la logo se apaixona. E é correspondido, para tristeza do velho conselheiro.

Viúvos e viúvas aparecem bastante nos escritos de Machado, como se vê.

É dele a história curiosíssima que conta O Caso da Viúva. Nesse conto, o pai da personagem Luísa, viúvo, mora com uma irmã também viúva. Luísa, muito recatada, faz tudo o que o pai pede e vice-versa. É aí que aparece um tal de Dr. Rochinha, ou simplesmente Rochinha. Em seguida, mais um cara: Vieira. Com Vieira ela se casa, pra desencanto de Rochinha. Mas Vieira morre e Luísa fica viúva…

Também é de Machado o conto Confissões de Uma Viúva Moça. Nessa história a viúva atende pelo nome de Eugênia. Antes de o marido falecer, a personagem estica olhares para o moço Emílio. E vai, vai, vai… De repente Eugênia descobre que Emílio é um canalha. E mais não digo.

E não custa lembrar que o Bruxo do Cosme-Velho, como era chamado na intimidade Machado de Assis, ficou viúvo depois de 35 anos de casado com a mulher a quem tanto amava: Carolina.

Ele não era brinquedo, não. E foi não foi, lá vem ele sempre surpreendendo os leitores. Enganando, às vezes.

No conto A Mulher de Preto, ele dá um nó no leitor. De cara pensamos que essa mulher é uma viúva, pois trajada costuma andar de preto. E não é viúva de ninguém, apenas o seguinte: o marido Menezes, um deputado, desconfia que ela o traía.

Num momento qualquer desse conto de 11 capítulos, aparece um médico chamado Estevão, tem 24 anos e apaixona-se pela tal mulher de preto. Hmmm… Nada digo mais.

A sempre extraordinária Júlia Lopes de Almeida nos encanta já no seu primeiro livro, Memórias de Martha. Em Memórias de Martha, a Martha do título é filha de outra Martha, essa viúva. Sofreu com a acusação de roubo que o marido sofreu. Acusação injusta, mas que levou o marido de dona Martha ao suicídio.

A personagem narradora desse livro, de pouco mais de 100 páginas, é a filha do pai suicida. Ela conta todas as dificuldades que ela e a mãe passaram depois da tragédia. As duas deixaram a casa onde moravam e, sem escapatória, foram habitar um cortiço. Sofreram muito. Preparem o lenço, pois a história leva as almas mais sensíveis às lágrimas.

Memórias de Martha foi originalmente publicado em capítulos no jornal Tribuna Liberal do Rio de Janeiro, entre 3 de dezembro de 1888 e 17 de janeiro de 1889. Em livro saiu exatamente dez anos depois.

No Memorial de Maria Moura (1992), da cearense Rachel de Queiroz, a personagem do título encontra a mãe pendurada numa corda, morta e se desespera. Uma das razões de seu desespero é o fato de que as terras que herda estão sendo tomadas por familiares, incluindo o padrasto Irineu, que a estupra. A heroína sofre e vai-se embora construindo seu destino recheada de ódio, perseguição e violência. Pode-se-ia até dizer que Moura é a versão feminina do rei do cangaço, Lampião.

Memorial de Maria Moura foi o último livro de Rachel. Livraço!

Em 1982, o português José Saramago passou a ser mundialmente conhecido por seu magnífico romance Memorial do Convento. A história se passa na primeira metade do século 18, no decorrer do reinado de João V.

Esse João era metido, vaidoso, galante e tudo mais. Casou-se por procuração com a Maria Ana de Áustria, mulher nascida para rezar e parir. Deu seis filhos ao rei.

Além dos filhos que a rainha lhe deu, o rei teve muitos outros filhos com amantes diversas. Entre as amantes, uma certa freira que foi por ele embuxada todas as vezes.

O rei faz uma promessa de construir um grande convento caso a sua querida esposa lhe desse filho no prazo de um ano. Deu-lhe uma menina: Marina Xavier. A partir daí, a história segue a passos largos com personagens reais.

Sobre essa figurinha poderosa de Portugal há um livro que merece leitura: As Amantes do Rei João V, do escritor portuense Alberto Pimentel (1849-1925). 

Pouco ficcional é o personagem Baltasar que perde a mão esquerda em guerra na Espanha. Abandonado pelo exército o personagem volta pra casa e um dia encontra uma mulher de nome Blimunda.

Blimunda, filha de uma mulher posta pra correr pelo santo ofício, é vidente. Ela vê o interior dos corpos humanos. É apelidada de Sete Luas e o seu Baltasar, de Sete Sóis.

Na parada entra também o brasileiro de Santos Bartolomeu de Gusmão (1685-1732). É padre, com passagem na Bahia. Foi o primeiro cientista e inventor cá desta nossa terrinha de meu Deus do céu. Entrou para a história como o Padre Voador.

Essa história de Saramago é maravilhosa.

Domingos Fernandes Calabar

A propósito de voador, há a história de um boi que voou durante a inauguração da Ponte do Recife, ora ainda chamada de Ponte Maurício de Nassau. Não é lenda.

Essa ponte foi inaugurada no dia 28 de fevereiro de 1644. Milhares de pessoas estiveram presentes e, como prometido, um boi empalhado foi visto nos ares de Recife.

Tal boi ganhou páginas de um livro do frei português Manuel Calado do Salvador (1584-1654). Título: O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade na Restauração de Pernambuco, lançado em 1648.

Frei Calado foi o confessor do alagoano Domingos Fernandes Calabar (1609-1635), acusado de trair a Pátria em favor dos holandeses que invadiram o Brasil em 1630. Condenado, o acusado foi enforcado e o seu corpo esquartejado.

Em 1973, Chico Buarque e Ruy Guerra escreveram a peça Calabar O Elogio da Traição. Essa peça foi censurada pelos milicos no dia 22 de janeiro de 1974.

O resto é história.


Foto e ilustrações por Flor Maria e Anna da Hora


domingo, 19 de janeiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (160)

Essa história de juntar uma coisa com outra, no caso aí uma cabeça com o corpo de pessoas diferentes é algo, na realidade, impensável. Na ficção, porém, tudo é possível. Na ficção, eu disse.
Ignácio de Loyola Brandão
Claro que na medicina a ficção parece estar se tornando realidade. 
Há casos confirmados dando conta de que humanos já têm substituído braços e pernas mecânicos. Até cabeças humanas já tentaram e continuam tentando transplantar de um corpo para outro. Com chips e tudo mais.
RoboCop é um personagem meio humano, meio máquina, que ganhou repercussão internacional na TV e no cinema. 
Num campo mais amplo, além da Terra, há muito se cogita a existência de seres chamados, grosso modo, ETs, OVNIS...
Há muitos estudos sobre o assunto desde tempos imemoriais. 
Não é de hoje que todo mundo diz que os gringos norte-americanos sabem muito mais do que nós, pobres mortais, nem sonhamos saber, pelo menos no campo científico e tal.
Sobre esse assunto, existe um seriado chamado Arquivo X (1993).
O suiço caçador de mistérios interplanetários Erich von Däniken, autor do best-seller Eram os Deuses Astronautas?, disse acreditar piamente na existência de seres vivos espalhados galáxias mundo afora. Eu o entrevistei. Disse ele que não estamos sós no Espaço. Hmmm…
Em nome da ciência, muita bobagem tem sido feita, inclusive no que tem a ver com safanagem.
Monteiro Lobato
Em junho de 1903, o escritor taubateano Monteiro Lobato (1882-1948), sob o pseudônimo Lobatoyewscky, escreveu um conto a que intitulou Rubis.
Nesse texto, Rubis são os biquinhos do peito de uma virgem, durinhos. O personagem Paulo dialoga com a prima Lúcia, convencendo-a a mostrar, em nome da ciência, seus peitinhos duros e lindinhos.
Na sua doçura adolescente, Lúcia cai na onda do seu primo e mostra tudo o que ele quer ver e apalpar. No momento X chega a vovó quase cega de Lúcia. E espantada pergunta: “Minha filha! Tudo bem!?”.
Uma coisa puxa outra.
Pois, pois: no decorrer da sua existência, Coelho Neto abordou temas sobre homossexualidade e tal. Provocou polêmica. E muita.
No conto O Patinho Torto, ele faz ligação inversa do que fez Christian Andersen (1805-1875) com O Patinho Feio. 

Na sua história, Neto conta que uma mulher deu à luz a uma criança no mesmo dia em que morria o seu marido. A mulher entrou em parafuso, em depressão, quase ficando doida. A criança foi crescendo, crescendo pelas mãos de uma babá que aos poucos ia transformando o seu comportamento de menino numa menina, como desejava a mãe. 
A mãe do menino queria uma menina, mas deu zebra. E aí…
Essa história ganhou formato impresso em 1924. Quatro décadas depois foi encenada pela primeira vez em outubro de 1964, no Teatro Nacional de Comédia, RJ. E, em 2001, ganhou espaço na série Brava Gente (Globo).
Como jornalista, Coelho Neto começou a carreira num jornal de José do Patrocínio, de quem se tornou amigo. Usou muitos pseudônimos, entre os quais Anselmo Ribas, Caliban, Ariel, Democ, N. Puck, Tartarin, Fur-Fur e Manés.
Em 1923, Coelho Neto conheceu o escritor português Júlio Dantas (1876-1962).
Neto e Dantas tornaram-se amigos de infância.
Dantas é autor do interessantíssimo livro A Conquista. 
Os personagens que transitam nas páginas desse livro são reais denominados, porém, por nomes como Anselmo Ribas, Rui Vaz, Paulo Neiva e Octávio Bivar, respectivamente, Coelho Neto, Aluísio Azevedo, Paula Ney e Olavo Bilac.
O título do livro é uma referência à vitória dos abolicionistas.
Casado, Coelho Neto foi pai 14 vezes.
Também por 14 vezes foi pai o poeta simbolista de Minas Alphonsus de Guimarães.
Os poemas de Alphonsus tratam de religião, amor e morte. Seu personagem mais conhecido é Constança, dedicada à uma prima por quem se apaixonara e que morrera aos 17 anos de idade.
Alphonsus era casado com uma filha do romancista Bernardo Guimarães, autor do livro A Escrava Isaura.
A história em todos os tempos é longa e a tendência é se alongar cada vez mais. 
O movimento modernista de 22 foi ingrato com Coelho Neto e Lima Barreto.
Injustiçado como Coelho Neto, foi o inspiradíssimo escritor Júlio Dantas.
Júlio Dantas
Dantas deixou pelo menos 40 livros publicados, incluindo poesia, romance, história. É dele a peça de teatro A Severa. É dele também a peça Sóror Mariana e A Ceia dos Cardeais.
A Ceia dos Cardeais continua sendo encenada mundo afora até hoje, nas línguas mais diversas.
Em 2011, essa Ceia foi apresentada no Theatro Municipal de São Paulo. 
Ceia por ceia, bobagem, pois histórias surgem e seguem quase sempre de modo incomum, aqui e alhures.
Há histórias simples e complexas, reais e inventadas. Reflexivas…
Do nada, Machado de Assis inventava histórias reais.
Do nada também há quem crie ficção do real.
A cada história que traz à tona, o escritor paulista de Araraquara Ignácio de Loyola Brandão se supera. Seus livros são todos bons, desde Zero lançado em 1971 na Itália e aqui proibido pelos milicos de plantão. 
No conto Obscenidades para uma Dona de Casa, Brandão deixa o leitor babando. E quanto mais lê, o leitor baba. Muito bom. Trata de uma mulher que passa a receber cartas obscenas de um desconhecido. No começo ela não quer saber de nada, mas com o passar dos dias vai se envolvendo chegando ao desespero quando a carta demora pra chegar. E mais não digo.
Curiosidade: até o fim de 2024, Brandão havia escrito e publicado o espantoso número de 8 mil crônicas. Foi o que me disse.
Em 1980, Ignácio de Loyola Brandão havia publicado apenas oito livros. Até 2024, ele contabilizava exatos 58 títulos publicados em francês, italiano, alemão e outras línguas mais.
Loyola Brandão é membro da Academia Brasileira de Letras, ABL, desde 2019. A cadeira que ocupa é a de número 11.
Machado de Assis conta num conto o caso de uma mulher casada que passa a receber cartas anônimas. Nessas cartas a pessoa que as manda sugere de forma incisiva que a destinatária pare de trair o próprio marido e de atacar os maridos alheios.
São muitas as cartas anônimas que a suposta adúltera recebe. Uma dessas cartas, é interceptada pelo marido que até então de nada desconfiava. 
O caso cá em pauta não termina bem. 
Ah! Sim: ia-me esquecendo que há uma viuvinha nessa história do bruxo.
Digo com certeza que Machado de Assis foi o escritor  que mais criou personagens viúvas na literatura brasileira. Dezenas e dezenas. Começa já no seu primeiro romance, Ressurreição (1872), segue em A Mão e a Luva (1874), em Helena (1876) e, entre outros mais, Memorial de Aires (1908).

Foto e ilustrações por Flor Maria e Anna da Hora

 

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