O Rio de Janeiro, fevereiro e março, amanheceu em
estado de calamidade pública. É novidade histórica, isso nunca aconteceu. Um
horror! As balas perdidas continuam zunindo no pé-do-ouvido dos inocentes. Quer
dizer, tudo anda na mesma, ou seja: a Bahia da Guanabara permanece fétida, o
trânsito e pedestres seguem firmes na sua loucura descomunal. E é roubo pra cá,
roubo pra lá... Kafka no Rio se sentiria em casa; e nem precisaria escrever nada
pra se sentir em casa, pois o absurdo da sua ficção aparece lá como pura
realidade.
Ouço no rádio que os estabelecimentos hospitalares
estão a cada instante cerrando suas portas e deixando à míngua quem deles
precisa. E aí é gente baleada morrendo, é gente doente sucumbindo abandonada e
mulher grávida parindo na rua a cada hora do dia ou da noite. Fora isso, tem a
onda “tsunâmica” de crianças e adolescentes, principalmente, abusadas no mato,
favela ou no seio familiar. Aliás, estatísticas indicam que a cada duas horas uma
jovem é atacada por tarados em grupo, no Rio; e nas demais partes do País, uma
mulher é atacada a cada três horas. O dia tem 24 horas e façam as contas do
total de mulheres sexualmente violentadas por ano. E tem ainda um pequeno
detalhe: a quantidade de vítimas que deixa de denunciar à polícia os abusos
sofridos, por medo ou vergonha.
Agora tem o seguinte: eu e muita gente mais ou
menos informada, achamos que “estado de calamidade pública” é o estado que o
governante municipal, estadual ou federal anuncia diante de uma grande catástrofe
natural, por exemplo. Bom, mas pensando bem, o que acaba de ser decretado no
Rio é, de fato, uma catástrofe única, original, sem precedentes. O descaso lá é
histórico e contínuo, daí a justificativa para o estado de calamidade anunciado
ao País. As justificativas são todas: falta de pagamento ao funcionário
público, falta de recursos para manutenção dos hospitais, escolas, etc. Até a
coleta de sangue nos órgãos especializados foi suspensa. É ou não é um horror o
que está acontecendo no Rio de Janeiro a um mês e meio da Olimpíada? A esse estado
de calamidade se acham tragédias “miúdas”, como o desabamento da ciclovia em
São Conrado, causando mortes...
Os políticos, um bando enorme deles, não se
envergonham de “chupar o sangue” dos contribuintes. E eles roubam, roubam...
Enquanto isso, os bancos de sangue continuam escassos em todo o País. Em São
Paulo mesmo. Em Salvador, Bahia, estão se distribuindo folhetos de cordel
conscientizando a população a doar sangue. É uma campanha bonita essa.
Agora me vem um pensamento kafkiano: e se o Lula e
a Dilma selassem um acordo de delação premiada junto a quem de direito, hein? E
se isso acontecesse, quem sabe o Brasil se reencontrasse com seus pecados e
seguisse o rumo da beleza gigante em benefício de si próprio e de nós todos,
cidadãos trabalhadores, pacatos, que pagam em dia seus impostos para uma vida
melhor?
TRIO MARAYÁ
Mais um amigo partiu para a Eternidade. Dessa vez
foi o potiguar Behring Leiros, integrante do Trio Marayá. Faz hoje uma semana
que ele partiu. Quem me deu a notícia foi Lenita, agora viúva. Tinha 81 anos de
idade. O trio chegou ao Rio de Janeiro no final dos anos de 1950 e pelas mãos
do pernambucano Luiz Vieira, recebeu os primeiros “empurrões” na carreira.
Fácil, fácil, Behring e seus companheiros Marconi Campos e Hilton Acioli, chegaram
até o paraibano Geraldo Vandré e com ele desenvolveram plenamente a carreira
artística. Com Vandré o trio andou por todo o Brasil e diversos países da
Europa. Detalhe: o nome do trio foi um presente do estudioso da cultura
popular, Luís da Câmara Cascudo (1898/1986).