Pois é, morreu pobre e decepcionado com a recepção que teve das pessoas brancas no mundo em que viveu.
O pai e a mãe de Cruz e Sousa (1861-1898), Guilherme e Eva, eram alforriados.
O "dono" da mãe do poeta, Xavier de Sousa, ficou com o casal alforriado durante muito tempo.
A mulher de Xavier, Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, não tinha filhos e por isso acabou adotando o menino filho de Guilherme e Eva.
Xavier era "coronel", pessoa rica e bajulável.
Dito isso, acrescentemos: o menino filho de Guilherme e Eva teve assim oportunidade de estudar num colégio da elite da terra onde nasceu, Florianópolis. Aplicado, aprendeu latim e grego.
João de Cruz e Sousa, sobrenome herdado do coronel, foi repudiado por mundo e meio só pelo fato de ser negro.
Já adulto, Cruz e Sousa apaixonou-se pela literatura poética. Fundou jornais e em 1885 dividiu o primeiro livro, Tropos e Fantasias, com o colega jornalista Virgílio Várzea.
A carreira solo poética de Cruz e Sousa foi marcada, a princípio, pelos livros Missal e Broqueis lançados em fevereiro e agosto de 1893, respectivamente.
As obras aí citadas foram as únicas publicadas em vida do poeta. De Broqueis, ressalto o poema Múmia:
Múmia de sangue e lama e terra e treva, Podridão feita deusa de granito Que surges dos mistérios do Infinito Amamentada na lascívia de Eva
Tua boca voraz se farta e ceva Na carne e espalhas o terror maldito, O grito humano, o doloroso grito Que um vento estranho para os limbos leva.
Báratos, criptas,dédalos atrozes Escancaram-se aos tétricos, ferozes Uivos tremendos com luxúria e cio...
Ris a punhais de frígidos sarcasmos E deve dar congélidos espasmos O teu beijo de pedra horrendo e frio!...
Curiosidade: a palavra mais citada por Cruz e Souza nos seus poemas é virgem. Ou ainda virgindade ou virginal.
Como todo poeta simbolista, Cruz e Souza fala de amor, vida e morte. O mesmo fariam Alphonsus de de Guimarães (Ismália) e Augusto dos Anjos (Versos Íntimos).
Cruz e Souza é dos poucos poetas que li o que mais falou de música, dança etc. Exemplo é o bonito e provocativo Dança do Ventre.
Torva,febril, torcicolosamente, Numa espiral de elétricos volteios, Na cabeça, nos olhos e nos seios Fluiam-lhe os venenos da serpente.
Ah! que agonia tenebrosa é ardente! Que convulsões, que lúbricos anseios, Quanta volúpia e quantos bamboleios, Que brusco e horrível sensualismo quente.
O ventre, em pinchos, empinava todo Como réptil abjecto sobre o lodo, Espolinhando e retorcido em fúria.
Era a dança macabra e multiforme De um verme estranho, colossal, enorme, Do demônio sangrento da luxúria!
A dança do ventre é uma dança de origem muito distante, talvez do tempo do grego Homero. Ou seja, ali pelo século 8 a.C. O berço, Egito. A simbologia tem a maternidade como alvo. Nessa dança, a mulher "usa" o corpo para expressar a alegria da vida. Parece-se com uma serpente em movimentos eróticos.
A dança do ventre espalhou-se rapidamente por todos os países do chamado mundo árabe.
A língua que falamos tem muitas locuções de origem árabe. Fica o registro.
Cruz e Sousa casou-se no final da última década do século 19 com Gavita Gonçalves, com quem teve quatro filhos.
Os três primeiros filhos do poeta morreram prematuramente vítimas de tuberculose, mal que também mataria o pai e a mãe. Detalhe: Cruz e Sousa morreu no interior de Minas e o seu corpo foi transportado num trem de carga até o Rio de Janeiro onde foi sepultado. Os custos do enterro correram por conta de amigos como José do Patrocínio.