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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

CRUZ E SOUSA, UM MESTRE DO SIMBOLISMO


Pois é, morreu pobre e decepcionado com a recepção que teve das pessoas brancas no mundo em que viveu.

O pai e a mãe de Cruz e Sousa (1861-1898), Guilherme e Eva, eram alforriados. 

O "dono" da mãe do poeta, Xavier de Sousa, ficou com o casal alforriado durante muito tempo. 

A mulher de Xavier, Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, não tinha filhos e por isso acabou adotando o menino filho de Guilherme e Eva.

Xavier era "coronel", pessoa rica e bajulável. 

Dito isso, acrescentemos: o menino filho de Guilherme e Eva teve assim oportunidade de estudar num colégio da elite da terra onde nasceu, Florianópolis. Aplicado, aprendeu latim e grego.

João de Cruz e Sousa, sobrenome herdado do coronel, foi repudiado por mundo e meio só pelo fato de ser negro. 

Já adulto, Cruz e Sousa apaixonou-se pela literatura poética. Fundou jornais e em 1885 dividiu o primeiro livro,  Tropos e Fantasias, com o colega jornalista Virgílio Várzea. 

A carreira solo poética de Cruz e Sousa foi marcada, a princípio, pelos livros Missal e Broqueis lançados em fevereiro e agosto de 1893, respectivamente. 

As obras aí citadas foram as únicas publicadas em vida do poeta. De Broqueis, ressalto o poema Múmia: 

Múmia de sangue e lama e terra e treva,                                                              Podridão feita deusa de granito        Que surges dos mistérios do Infinito Amamentada na lascívia de Eva

Tua boca voraz se farta e ceva      Na carne e espalhas o terror maldito, O grito humano,  o doloroso grito      Que um vento estranho para os limbos leva.

Báratos, criptas,dédalos atrozes      Escancaram-se aos tétricos, ferozes    Uivos tremendos com luxúria e cio...

Ris a punhais de frígidos sarcasmos    E deve dar congélidos espasmos        O teu beijo de pedra horrendo e frio!...


Curiosidade: a palavra mais citada por Cruz e Souza nos seus poemas é virgem. Ou ainda virgindade ou virginal.

Como todo poeta simbolista, Cruz e Souza fala de amor, vida e morte. O mesmo fariam Alphonsus de de Guimarães (Ismália) e Augusto dos Anjos (Versos Íntimos).

Cruz e Souza é dos poucos poetas que li o que mais falou de música, dança etc. Exemplo é o bonito e provocativo Dança do Ventre.

Torva,febril, torcicolosamente,        Numa espiral de elétricos volteios,    Na cabeça, nos olhos e nos seios      Fluiam-lhe os venenos da serpente. 

Ah! que agonia tenebrosa é ardente!    Que convulsões, que lúbricos anseios,  Quanta volúpia e quantos bamboleios,  Que brusco e horrível sensualismo quente.  

O ventre, em pinchos, empinava todo    Como réptil abjecto sobre o lodo,      Espolinhando e retorcido em fúria.

Era a dança macabra e multiforme      De um verme estranho, colossal, enorme,                                Do demônio sangrento da luxúria!              

A dança do ventre é uma dança de origem muito distante, talvez do tempo do grego Homero. Ou seja, ali pelo século 8 a.C. O berço, Egito. A simbologia tem a maternidade como alvo. Nessa dança, a mulher "usa" o corpo para expressar a alegria da vida. Parece-se com uma serpente em movimentos eróticos.

A dança do ventre espalhou-se rapidamente por todos os países do chamado mundo árabe.

A língua que falamos tem muitas locuções de origem árabe. Fica o registro. 

Cruz e Sousa casou-se no final da última década do século 19 com Gavita Gonçalves, com quem teve quatro filhos. 

Os três primeiros filhos do poeta morreram prematuramente vítimas de tuberculose, mal que também mataria o pai e a mãe. Detalhe: Cruz e Sousa morreu no interior de Minas e o seu corpo foi transportado num trem de carga até o Rio de Janeiro onde foi sepultado. Os custos do enterro correram por conta de amigos como José do Patrocínio. 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (168)

Maquiavel, Camões, Alighieri, Petrarca, Ariosto

Os tempos medievos na França, Inglaterra, Portugal, Espanha, Itália…

Camões, o sempre admirável Camões, foi um dos grandes literatos portugueses que enriqueceram a língua que adotamos no Brasil e noutros oito países: Angola, São Tomé Príncipe, Moçambique…

Entre os grandes responsáveis pelo brio que tem a língua da Itália se acham Dante Alighieri, Francesco Petrarca, Ariosto, Maquiavel…

De Nicolau Maquiavel (1469-1527) é o clássico O Príncipe, cuja leitura deve ser sempre recomendada a todos e a todas. É política o conteúdo. Mas dele também é o livro A Mandrágora, publicado em 1518.

A história inventada por Maquiavel envolve uma mulher casada. Assim: Calímaco apaixona-se por Lucrécia, que é casada com o legista Nícia. Esse, infértil, recebe um médico para resolver a situação. O médico é falso e amigo de Calímaco que convence o maridão a dar um chá de mandrágora para a esposa. O porém nessa história é que quem primeiro relacionar-se com a mulher, morre, pois além de afrodisíaca a erva é venenosa. O fato é que, ao final, Calímaco se sai bem e deixa na estrada a ver navios mais um corno.

Quanto a Ariosto, de nascimento Ludovico Ariosto (1474-1533), foi um dos mais inspirados e corretos poetas da Idade Média. Deixou uma obra brilhante.

Um dos marcos da literatura de cavalaria é lido até os dias atuais. Título: Orlando Furioso.

Essa obra é constituída de 46 cantos, 4.822 estrofes e 38.576 versos decassílabos. Tudo em oitava, também chamada de Medida Nova. Foi nessa onda decassilábica que Camões desenvolveu os dez cantos que formam o seu clássico Os Lusíadas.

Para ilustrar, um trecho do grande poema de Ariosto:


De Orlando, ao mesmo tempo, direi eu

O que nunca se disse, em prosa ou rima,

Que o amor o pôs em fúrias de sandeu

E lhe tirou de homem cordato a estima;

Isto, se a que igual ma quase me deu

E o pouco engenho me corrói qual lima,

Assentir em poupar-me em tal medida,

Que eu possa dar a obra prometida.


E não custa dizer, ou lembrar, que nessa história criada originalmente por Ariosto movimentam-se figuras encantadas e tal e coisa.

Orlando fica doidamente apaixonado por uma certa Angélica, princesa do Catar, que o provoca de todas as formas.

O juízo do personagem, tomado pelo ciúme, foi parar na Lua. Lá pras tantas, outra figurinha do romance, um certo Astolfo, ganha asas e vai pegar no céu o que falta na cabeça de Orlando.

Tem briga a dar com pau nesse romance.


Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

PRESENTE PERIGOSO


Pois bem, a história começa exatamente quando a menina Cândida recebe de presente do padrinho uma escrava de 12 anos para ser sua mucama. Quando ela recebe esse "presente", a casa onde vive com seus pais Florêncio e Leonídia e o  irmão Liberato é toda festa. Enfim, a garotinha estava completando 11 primaveras.

Antes de prosseguir, devo dizer aos queridos leitores e leitoras que o primeiro dos 55 capítulos que formam o episódio Lucinda, a Mucama é todo feito com uma grotesca explanação do autor Joaquim Manuel de Macedo. 

No texto de abertura do referido episódio, Macedo demonstra ou finge demonstrar desconhecimento dos ritos e crenças africanos. Na verdade, ele mete o pau a torto e a direito na formação do povo de África. Isso mesmo, deixando pra lá de claro a necessidade urgente de se pôr fim à escravidão reinante na sua época. 

Bom, dito isso digo um pouco mais a respeito do enredo dessa história. 

A pequena Cândida, entusiasmadíssima com o presente que lhe foi dado pelo padrinho, Plácido, não se contém e logo procura fazer amizade perguntando o que a sua mucama sabia fazer. Resposta foi que sabia lavar, passar, cozinhar e fazer boneca de pano.

Os dias, semanas e meses passam-se formando anos. 

Cândida tinha lá seus 15 anos quando parecia já conhecer de sobra a vida mundana. A influência da mucama sobre ela era muito grande. 

Foi Lucinda do alto de seus 16 ou 17 anos, quem atiçou prematuramente fantasias eróticas a sua "senhora".

E foi assim que, de uma hora pra outra, Cândida caiu na boca de meio mundo. Entre cochichos, diziam ser ela já uma grande "namoradeira". 

Os namoros ou namoricos de Cândida eram arrumados pela Mucama. Tudo de modo sutil, disfarçado. 

De repente, cai nas suas graças um francês aventureiro, Souvanel. Por ele, ela fica doidinha. Perde o juízo, literalmente. E por pouco, por muito pouco, não vira prostituta ao ser levada pelo amado a um cortiço. É salva no último instante.

Uma coisinha a mais: é com desespero que Cândida descobre ser o francês amante da mucama.

Ao tomar conhecimento da história, o irmão da menina tenta dar uma surra no vilão. Mas, não dá tempo, pois o tal francês é deportado ao seu país ao ser descoberto como criminoso procurado. 

Quanto à mucama... Bom, procurem ler o livro As Vítimas-Algozes. 

No seu tempo, Joaquim Manuel de Macedo chegou a ser acusado de racismo.

No seu tempo, também,  não custa dizer que o poeta catarinense Cruz e Souza foi acusado de omissão por não envolver-se no movimento abolicionista. Foi vítima, e é verdade, de racismo. Morreu pobre, vítima de tuberculose, em 1898. 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

FEITIÇO CONTRA FEITICEIRO



Ainda bem novo, Nabuco trocou o Rio por São Paulo para fazer Direito. Não concluiu o curso preferindo fazê-lo na capital pernambucana, onde nasceu. 

Ao mesmo tempo que Nabuco voltava a Recife, desembarcavam no porto paulista de Santos Rui Barbosa e Castro Alves. 

Barbosa e Castro Alves foram, pois, colegas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. 

Bom, é sabido que Joaquim Nabuco e Rui Barbosa eram amigos. Jovens amigos. Os três aqui lembrados tinham a ideia fixa de acabar com a vergonha do escravismo. 

O combate ao escravismo era compartilhado por vários romancistas, incluindo Joaquim Manuel de Macedo. 

A obra de Macedo é extensa e pluralíssima.

O livro As Vítimas-Algozes reúne, como já disse, três textos identificados pelo autor como novelas. 

Esse livro de Macedo começa com o personagem título Simeão. Termina em tragédia, eu também disse.

O segundo texto do livro Pai-Raiol, o Feiticeiro, é um tabefe na cara de quem até hoje gosta de humilhar seja quem for. 

O personagem central é o pai aí citado nominalmente. O demônio em pessoa. Ruim que só. O tal manipula como quer a amante Esméria, uma crioula assim chamada pelo autor. É doida por sexo e transa com tudo quanto é escravo da fazenda onde vive, cujas terras são de um cara chamado Paulo Borges. Quarentão. É casado com uma mulher mais nova do que ele, Tereza. O casal tem três filhos. A história segue. 

O feiticeiro aloprado convence Esméria a seduzir Paulo, que cai na rede dela. A mulher de Paulo endoida.

E por aí vai o enredo tramado por Macedo. Crianças são envenenadas pelas mãos... O próximo programado para morrer também envenenado era, ninguém mais ninguém menos...

O final dessa história é um barato. Tem duelo e nesse duelo morre pelas mãos de outro escravo o tal feiticeiro. 

Lembro que também há um feiticeiro no romance A Carne (1888) de Júlio Ribeiro (1845-1890).

O feiticeiro desse romance, Joaquim, vive matando gente com ervas daninhas. Quando finalmente é descoberto, sai-se mal: é morto queimado pelos próprios companheiros de desgraça. 

É um livraço!

Pouca gente sabe, por isso não custa lembrar, que o bom baiano Castro Alves começou a escrever e a publicar poemas num jornal recifense: A Primavera. Nesse jornal saiu o belíssimo poema Canção do Africano, em 1863.

Por essa mesma época, o poeta baiano escreveu A Destruição de Jerusalém. 

Meu amigo, minha amiga, você sabia que O Navio Negreiro foi escriro em São Paulo?

Castro Alves escreveu esse poema em abril de 1868. No ano seguinte, foi publicado num jornal literário do Rio de Janeiro. 

Um ano antes de morrer, em 1871, Castro Alves publicou o livro Espumas Fluctuantes.

O Navio Negreiro, antes de ser publicado em livro saiu a público na forma de folheto, em 1880. Três anos depois, no livro póstumo Os Escravos. 

A terceira novela do livro As Vítimas-Algozes tem por título Lucinda, a mucana. Começa com uma festa de aniversário. A aniversariante, uma garotinha de 11 anos,  ganha de presente do padrinho uma escrava de 12 anos. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

AS VÍTIMAS-ALGOZES...JÁ LEU?


Há muita coisa boa pra se ler, muitas dessas coisas reunidas em livros do século 19 pra cá. E de pouco antes até.

São muitos os romances, crônicas, poemas, contos, biografias e tal. Assuntos variados, desde amor e filosofia a fatos históricos no Brasil e mundo afora. 

Aqui e ali tenho falado sobre o bravo Joaquim Nabuco, que não mediu tempo nem distância para defender do jeito que pôde as pessoas escravizadas no Brasil desde tempos d'antanho, aqui e alhures.

A escravidão sempre foi um mal que por longo tempo resistiu à liberdade. Isso desde a Antiguidade. 

Muitos povos foram dominados e escravizados por outros povos. Mundo cão. Sempre. 

Até fins do século 18 o que chamamos hoje de EUA eram 13 colônias pertencentes à Inglaterra. Houve discussão, briga. O pau cantou. Em resumo: o primeiro presidente de lá foi George Washington. O segundo foi John Adams e o terceiro, Thomas Jefferson. 

O Jefferson aí citado foi, antes de virar presidente, o principal redator da Declaração de Independência (1776) do seu país e governador da Virgínia. Depois disso, dividiu a chapa presidencial com John Adams. E atenção: a figurinha aí ao morrer deixou em testamento 246 dos 600 escravos que tinha. Fora isso, gerou meia dúzia de filhos com uma de suas escravas.

O mundo está sempre dando voltas.

O livro Minha Formação é um livro autobiográfico, que foge dos padrões comuns. Nele o autor, Joaquim Nabuco, conta tudo e mais um pouco do que viu e ouviu. No correr do tempo em que viveu. Lembra a grande influência que a madrinha Ana Falcão teve na sua vida. De modo não linear, Nabuco conta dos ídolos da escrita que o influenciaram. O principal desses foi o francês Ernest Renan, sobre quem chegou até acescrever um livro.

Joaquim Nabuco passou a ter o nome mais divulgado pela imprensa inglesa, a partir do momento que denunciou o trabalho escravo numa empresa do Reino Unido.

Essa é mais uma razão pra se ler Minha Formação. 

Antes de Nabuco abraçar a causa abolicionista, autores como Antônio Gonçalves Teixeira e Souza, autor do primeiro romance brasileiro (O Filho do Pescador; 1843) e Joaquim Manuel de Macedo, autor de A Moreninha (1844), abordaram com grande propriedade a temática escravagista nas suas obras. Outros autores os seguiram, como José de Alencar e Machado de Assis. 

É de doer na alma o livro As Vítimas-Algozes (1869), de Manuel de Macedo. Esse livro reúne três contos ou novelas que têm personagens negras de comportamento ou sina como tal sugere o título. Começa com Simeão, uma criança negra adotada por um casal de brancos: Domingos Caetano e Angélica, pais de uma menina linda chamada Florinda. 

Nas duas dezenas de capítulos bem resolvidos, a história finda em tragédia. 

Meu amigo, minha amiga, esse livro é pra lascar! Leia-o.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

NABUCO, O PAPA E OUTRAS HISTÓRIAS



Olá, pessoal. Pergunto: quem de vocês aí teve a oportunidade de ler o livro Minha Formação?

Nesse livro o autor, Joaquim Nabuco, conta o que viu e viveu no Brasil e no Exterior na segunda metade do século 19.

Entre tantas coisas que diz, registra a audiência particular que teve com o papa Leão 13 (1810-1903). Esse encontro ocorreu na sexta-feira 10 de fevereiro do ano de 1888. Conversa vai conversa vem, Nabuco finda por convencer o Pontífice da necessidade de o Brasil acabar de vez com a vergonha que representava a escravidão de homens e mulheres em nosso território. 

Finda a audiência, o papa prometeu produzir uma Encíclica apoiando integralmente a causa abolicionista.

Promessa feita, promessa cumprida. 

O detalhe disso tudo é que a Encíclica,  datada de 5 de maio de 1888, só chegou aos bispos do Brasil dias depois da assinatura da Lei Áurea assinada pela princesa Isabel. 

Curiosidade: o primeiro brasileiro a ser recebido por Leão 13 foi Nabuco e o segundo foi  padre Cícero. 

O livro, Minha Formação, conta exatamente o que sugere o título: o nascimento em Recife e a infância até os oito anos no engenho Massagana, ao lado da madrinha Ana Rosa Falcão. E vai, vai, vai até 1900. É nesse ano que publica o referido livro que tanta atenção chamou da gente sabida da Corte e redondezas. 

Nas páginas de Minha Formação, Nabuco conta suas idas e vindas à Europa e EUA. 

Numa dessas viagens, o famoso e mais aguerrido abolicionista pernambucano dá de encontro com uma belíssima carioca, bem vestida e rica que só.

A jovem fez bater aceleradamente o seu coração: Eufrásia Teixeira Leite. Ela tinha 21 anos e ele 22. Foi paixão à primeira vista, mas o prurido do mancebo o fez desistir de um possível enlace matrimonial. Financeiramente, achava-se pobre.

Enamorada, Eufrásia mandava com frequência cartas a seu querido. Dele, porém, recebia poucas respostas. 

Realmente é muito bom esse livro. Lá estão passagens pela política. Foi deputado. Conta seus estudos nas faculdades de Direito de São Paulo e Olinda, PE.

Entraram para os anais da história discursos que fez em momentos decisivos para a libertação dos escravos.

E, fisicamente, como era esse personagem?

O jornalista, poeta, romancista e professor de Direito Afonso Celso Junior, também deputado e filho do Visconde de Ouro Preto, descreveu Nabuco como sendo um homem alto, branco, bigode provocativo e bem cuidado que costumava cofiá-lo enquanto ouvia amigos e amigas. Simpático, era um bom ouvinte. 

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu no dia 19 de agosto de 1849. E morreu em Washington no dia 17 de janeiro de 1910. Foi o primeiro embaixador do Brasil nos EUA. Falava inglês, francês, italiano e latim. Casou-se em 1889 com Evelina Torres Soares Ribeiro, com quem teve cinco filhos: Carolina, Mariana, Maurício, Joaquim e José. 

Bom, se alguém aí ainda não leu Minha Formação, recomendo que leia-o.




domingo, 9 de fevereiro de 2025

ADEUS, VITAL FARIAS



 Já disseram e certamente ainda hão de dizer que "a vida é de morte".

E é mesmo, pois nascemos, vivemos e morremos. 

Ninguém nasce pra ser semente, tirante o fato de que como bichos humanos nos perpetuaremos até o fim dos tempos. E está perto, bem perto, bem pertinho... Pois, os poderosos donos do mundo em que vivemos continuam brincando com bombas atômicas e outros que tais igualmente mortíferos. O fato de momento é que nossos dias estão contados pelo Homem lá de riba.

A cada dia que passa penso estar ficando mais e mais só, pois os amigos têm partido sem se quer se despedir. Agora mesmo foi o querido Vital Farias, cuja carreira acompanhei desde o início. 

Antes, bem antes de Vital, foram-se Manezinho Araújo, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Rolando Boldrin, Téo Azevedo, Otacílio Batista, Sebastião Marinho, João Paraibano, Valdir Teles, Patativa do Assaré, Luiz Vieira, Chico Salles, Audálio Dantas, José Ramos Tinhorão, Paulo Vanzolini, Inezita Barroso, Marinês, Carmélia Alves...

Tem hora, confesso, que pego o telefone pra ligar pra uma dessas pessoas aí citadas. Há tempo caiu em mim dando conta de que fulano e beltrano já não se acham perto de mim.

A última vez que Vital me telefonou faz um mês ou pouco mais ou menos de um mês. Dizia que estava se preparando pra me abraçar cá em Sampa, mas aí o coração o traiu, levando-o para a Eternidade. 

Neste Blog tem muita coisa que escrevi sobre Vital e mais os amigos aqui citados. 

Vital Farias foi o 51° filho de um mesmo pai. Partiu com 82 anos de idade e deixou, pelo menos, uma dezena de rebentos de seu próprio sangue. 


LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (167)

O Brasil foi o último país a descravizar pessoas.

Essa é informação que dói na alma.

Pela primeira vez, o dia 20 de novembro foi considerado oficialmente data nacional: Dia da Consciência Negra. Isso ocorreu em 2024.

O dia 20 de novembro é o dia da morte de Zumbi.

Zumbi, na pia batismal recebeu o nome de Francisco.

Quem deu esse nome a Zumbi, foi um padre que o criou: Antônio Melo.

Essa questão ainda hoje é discutida por muita gente boa.

Há nas cadeias do Brasil mais pretos e pardos do que brancos. E pobres de marré, marré, marré.

O médico Dráuzio Varella surpreendeu os leitores brasileiros com o seu bombástico livro Estação Carandiru, lançado em 1999. Foi enorme a polêmica. Esse livro como os dois outros que se seguiram, Carcereiros e Prisioneiras, talvez tenham contribuído para a decisão do então governador Geraldo Alckmin em demolir o velho presídio de que tratam os livros de Varella.

A leitura de Estação Carandiru dói e mexe com nossas ideias, principalmente no ponto que conta a invasão policial que resultou em 111 mortos.

Há muitas histórias nesse livro. Uma delas:


Mulher de cadeia casada jamais circula pela galeria, e para descer ao pátio, só acompanhada. Para casar, o marido deve estar em boa situação financeira, pois a ele cabe o sustento da casa; a ela, a submissão ao provedor. De forma velada, alguns condenam, mas a união é respeitada socialmente. O parceiro passivo não é considerado do sexo masculino. Nos estudos que conduzimos, não bastava perguntar se mantinham relações homossexuais. Era preciso acrescentar: e com mulher de cadeia? Antes das visitas íntimas, a homossexualidade era prolífica. Uma vez, dei o resultado positivo do teste de AIDS para um ladrão desdentado e perguntei-lhe se havia usado droga injetável no passado: 

— Nunca. Peguei esse barato comendo bunda de cadeia. Muita bunda, doutor! 


A vida na cadeia é uma vida inimaginável pra quem está fora dela.

Varella não minimiza nenhuma piscada registrada por seus olhos.

Pela memória de Dráuzio Varella circulam em Carandiru problemas profundos e almas de gente, de pessoas.

Na cadeia, a vida de um pobre preto ou de uma pobre preta é a mesma. Dura, duríssima.

Imaginem, pois, uma mulher negra, gay, prostituta, pobre…

A sociedade, não só no Brasil, condena de olhos fechados a miséria de quem vive pobre e aparentemente sem futuro. Principalmente quando esse pobre sem futuro é negro ou negra.

Nessa linha de realidade e interpretação segue Dráuzio Varella no livro Prisioneiros.

Nessa mesma toada segue a leitura do livro Presos que Menstruam. A autora, Nana Queiroz, leva às páginas a história de mulheres que caem no crime e são presas e condenadas a cumprir pena na cadeia. Começa com Júlia que cedo perde a infância, engravida e coisa e tal. Nana não mede palavras pra contar o que conta nesse livro.

Pois é, a realidade é terrível aqui e alhures. Mas até no mundo da fantasia há histórias que nos levam a pensar e a sofrer por contingências diversas.


Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 8 de fevereiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (166)

Orígenes Lessa

Você, meu amigo, minha amiga, já ouviu falar de Orígenes Lessa?

Lessa foi um dos mais importantes escritores brasileiros. Autor do clássico juvenil O Feijão e o Sonho. Escrito em 1938, essa obra foi premiada várias vezes, inclusive pela ABL.

Interessantíssimo e tocante é o conto As Cores. Nesse conto, Lessa ataca a sociedade por alimentar o racismo e o preconceito. Aqui no episódio ele fala sobre uma jovem cega que finda por apaixonar-se por um negro. O pai não deixa.

Muita coisa horrorosa aconteceu e continua acontecendo mundo afora.

Na vida real, não são poucos os exemplos horrorosos de brancos e poderosos maltratarem as pessoas negras. Homens e mulheres.

Em 1526 um casal de etíopes recusava-se a gerar filhos, pra não gerar novos escravos. Por razões quaisquer, esse casal, Cristófaro e Diana, terminou trazendo ao mundo um filho. Nome: Benedito.

O tempo passou, o menino cresceu e virou São Benedito, um negro que apanhou pra danado já naquela época em que viveu.

Benedito morreu com 63 anos de idade. E diz a lenda que ele chegou a ressuscitar pelo menos duas crianças e a multiplicar pães e peixes.

Benedito é considerado o padroeiro dos cozinheiros e da pobreza que sofre com fome.

Como se vê, o real e a fantasia estão o tempo todo misturados. 

Em 1904, o escritor negro Lima Barreto escreveu o conto O Pecado, publicado exatos 20 anos depois. Nesse conto o autor faz usos de personagens das bandas lá do Céu, do Eterno. Entram e saem rapidamente São Pedro, anjos e tal. Um dia, de manhãzinha, Pedro acorda e vai pro banheiro fazer o que deve ser feito. Depois passa pela biblioteca do Céu e, ocasionalmente, folheia um enorme caderno com os últimos nomes que lá chegaram como almas. Milhares. Lá pras tantas ele se depara com uma alma de 48 anos, que viveu muito certinha enquanto viveu na Terra, por isso merecedora de instalar-se ao lado de Deus. Inquirido por Pedro, o guarda-livro da biblioteca fez um muxoxo e disse que não era bem assim, que obedecia ordens.

Resultado: a alma justa, benigna, santificada de 48 anos não foi posta ao lado do Criador pelo simples fato de ser da cor preta!

Não é só na literatura de Lima Barreto que a questão racial é abordada.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

NABUCO É NOME PRA NÃO SER ESQUECIDO



Ler faz bem à mente e Tico e Teco agradecem.

Tico e Teco como se sabe são dois dedicados neurônios que adoram brincar pulando na nossa cachola. 

Bom, acabei de ler mais um livro de Joaquim Nabuco: O Abolicionismo. 

O Abolicionismo foi escrito e publicado em Londres no ano de 1884. Tem 18 capítulos distribuídos em pouco menos de 300 páginas. Nele o autor mostra, com A + B, que a escravidão foi um tranco que atrasou em anos o desenvolvimento do Brasil. 

Nabuco tinha 35 anos quando publicou O Abolicionismo. Enquanto esteve em Londres atuou como jornalista correspondente do Jornal do Commercio e outros mais incluindo La Razón do Uruguai. 

O ano de 1884 foi o ano que marcou o começo mais renhido do movimento a favor da liberdade das pessoas até então escravizadas. O ápice desse movimento ocorreu na tarde de 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea. O evento juntou uma multidão no Paço Imperial no Rio. Entre as  pessoas que lá estavam, o futuro literato Lima Barreto e o já consagrado Machado de Assis. 

O livro esse que acabo de ler é de fundamental importância para a compreensão do que foi a sociedade na corte do século 19.

Nabuco, como grande cronista/historiador, monarquista, não deixou de pôr no papel tudo que viu e ouviu. Fala dos autores que conheceu e leu no Brasil e no exterior. Por suas mãos passaram Shakespeare, Lord Byron e tantos e tantos. Lia com avidez. Cita Voltaire e até, perdoe-me a ignorância, um cara francês de quem nunca ouvi falar: Ernest Renan (1823-1892) autor de O Futuro da Ciência. 

Renan influenciou sobremaneira a vida intelectual de Nabuco.

O Abolicionismo é, sem dúvida, um clássico. 

A vida de Nabuco foi toda dedicada ao jornalismo, ao Direito, à diplomacia... Foi o primeiro embaixador do Brasil nos EUA.

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu no domingo 19 de agosto de 1849 e morreu na segunda-feira feira 17 de janeiro de 1910.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (165)

Chico Anysio criou mais de 200 personagens. Incluindo mulheres ditas da vida.

Casou-se várias vezes, inclusive com uma ex-ministra do governo Collor: Zélia Cardoso de Mello, que por sua vez teve um caso com o ex-senador Bernardo Cabral.

Chico foi quem foi, no humorismo desenvolvido de todas as formas. 

Na poesia, como no teatro são inúmeros os autores que abordam desde sempre o tema erótico, que a hipocrisia social teima em torcer o nariz. 

O poeta paraibano Augusto dos Anjos não deixou de enveredar por tais trilhas. Os exemplos são muitos e bons como esses que escreveu: Orgia, A Meretriz e o mais conhecido de todos: Versos Íntimos. 

Houve um tempo em que o autor era chamado de O Poeta das Putas. A razão disso devia-se ao fato de ele ser declamado por tudo quanto era “mulher perdida”. 

Aqui, um exemplo da escrita erótica do autor de Eu e Outras Poesias: 


Ah! Por que monstruosíssimo motivo

Prenderam para sempre, nesta rede,

Dentro do ângulo diedro da parede,

A alma do homem polígamo e lascivo?!

Este lugar, moços do mundo, vêde:

É o grande bebedouro colectivo,

Onde os bandalhos, como um gado vivo,

Todas as noites, vêm matar a sede!

É o afrodístico leito do hetairismo,

A antecâmara lúbrica do abismo,

Em que é mister que o gênero humano entre,

Quando a promiscuidade aterradora

Matar a última força geradora

E comer o último óvulo do ventre!

Em 1982, Hilda Hilst lançou à praça o livro A Obscena Senhora D.
Nesse livro a narrativa é em primeira pessoa, o que aos desavisados ficam na dúvida de quem de fato a autora se refere: à ela mesma ou à personagem do título.
No decorrer de toda sua existência, Hilda Hilst provocou grandes polêmicas hora falando mal de Deus e tudo mais. A sua boca era uma espécie de cachoeira de palavrões e a sua mente, um universo de fogo sem preconceitos.
Hilda era filha de um fazendeiro do interior paulista da linhagem quatrocentona Prado. Apolônio, seu nome, conheceu a futura esposa Bedecilda no Rio de Janeiro. Corria o ano de 1920. Ele voltou para sua cidade, Jaú e Bedecilda logo depois foi a sua procura. Na cidade, começou a perguntar onde era possível achá-lo. Encontrou-o num bordel em Bauru, SP.
Voltaram os dois às boas e logo se casaram. Ele não queria filho. Em 1930 nasce, pra seu desespero, Hilda.
No correr do tempo, Hilda conta que o pai largou a mãe quando ela tinha dois ou três anos de idade.
Essa história é longa; longa e acidentada. A própria Hilda chegou a revelar que o pai ficara louco e fora internado num hospício. Morreu em 1966. Revelou também que a mãe era uma doidivana.
São muitos os textos em versos e prosa deixados por Hilda Hilst.
Aníbal Machado, que chegou a se esconder no pseudônimo Antônio Verde, é um nome pouco lembrado hoje em dia. Deixou boas coisas publicadas, entre essas coisas o conto Viagem aos Seios de Duília. Trata de uma história que tem como protagonista o funcionário aposentado José Maria. Solteirão. Uma hora, esse José lembra-se da sua primeira namorada e resolve procurá-la nos cafundó do Judas, onde nasceu. Reencontra a amada viúva com uma porrada de filhos e netos nas costas. As dificuldades a deixaram velhinha, velhinha da Silva. Num determinado momento, o personagem dá no pé arrependido de ter voltado ao passado. Virou filme, em 1964, mesmo ano em que aos 70 Aníbal morreu.

Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 1 de fevereiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (164)

O Pecado, conto de Olavo Bilac, trata de uma jovem cheia de medo por ter cometido pecados cabeludos. Tinha de se confessar, de qualquer jeito, pra se sentir melhor. A caminho da igreja e do confessor, a jovem topa com uma amiga que vinha da igreja. Começa assim:


A Anacleta ia caminho da igreja, muito atrapalhada, pensando no modo porque havia de dizer ao confessor os seus pecados... Teria a coragem de tudo? E a pobre Anacleta tremia só com a idéia de contar a menor daquelas cousas ao severo padre Roxo, um padre terrível, cujo olhar de coruja punha um frio na alma da gente. E a desventurada ia quase chorando de desespero, quando, já perto da igreja, encontrou a comadre Rita.

Abraços, beijos... E lá ficam as duas, no meio da praça, ao sol, conversando.


— Venho da igreja, comadre Anacleta, venho da igreja... Lá me confessei com o padre Roxo, que é um santo homem...

— Ai! comadre! — gemeu a Anacleta — também para lá vou... e se soubesse com que medo! Nem sei se terei a ousadia de dizer os meus pecados... Aquele padre é tão rigoroso...

— Histórias, comadre, histórias! — exclamou a Rita — vá com confiança e verá que o padre Roxo não é tão mal como se diz...

— Mas é que meus pecados são grandes...

— E os meus então, filha? Olhe: disse-os todos e o Sr. padre Roxo me ouviu com toda a indulgência...

— Comadre Rita, todo o meu medo é da penitência que ele me há de impor, comadre Rita...

— Qual penitência, comadre?! — diz a outra, rindo — as penitências que ele impõe são tão brandas!... Quer saber? contei-lhe que ontem o José Ferrador me deu um beijo na boca... um grande pecado, não é verdade? Pois sabe a penitência que o padre Roxo me deu?... mandou-me ficar com a boca de molho na pia de água benta durante cinco minutos...


Bom, a obra de Olavo Bilac, é sem dúvidas uma obra exemplar. Como exemplar também é a enorme obra do cearense Chico Anysio.

Chico foi humorista, ator, escritor e um monte de outras coisas. Deixou muitos livros publicados. Seus espetáculos levavam muita gente, que ria de tudo que ele dizia.

Num dos seus últimos stand-ups, Chico conta histórias de amor, sexo e palavrões. Era seu jeito, solto e sem firulas. Fez o povo mijar-se de rir quando começou dizendo que no seu tempo “era muito difícil comer gente”. E mais: “Era só puta ou empregada… Eu gosto de puta porque a puta não me reconhece no dia seguinte”. Disse também: “Eu tinha um Fiat Pulga, que é um carro mínimo, né? Quem tem pau grande não cabe nele…”.

Pois é, teve um tempo rico de autores e atores. 


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