No ano de 2012 o Sesc Santana, SP, abriu espaço para que eu pudesse apresentar
uma exposição/ocupação sobre músicas que falam da Capital paulista. Mais de
3mil títulos, resultado de uma pesquisa que fiz no decorrer de mais de 20 anos. Na ocasião, estiveram comigo muita gente bacana: Inezita
Barroso, Altamiro Carrilho, Paulo Vanzolini e tantos e tantos. Entre esses
tantos e tantos:
Antônio Severo,
Joel dos Santos,
Ana Maria
e eu.
Foi uma exposição muito bonita, visitada por milhares de pessoas no decorrer
de 2 a 3 meses.
Severo nos deixou na madrugada de hoje 24.
Em junho deste ano escrevi um texto lembrando a trajetória do jornalista João do Rio. Foi texto originalmente publicado no Newsletter Jornalistas&Cia. Neste texto, que também saiu no folheto de cordel (ao lado), faço uma singela homenagem ao querido Severo.
O mundo continua girando, girando e dele gente caindo e subindo. Aos trancos.
Gente querida tem partido sem se quer dizer adeus. Rapidamente. Fechando os
olhos e pronto.
No começo da madrugada de hoje 24, ali pela 1h30, partiu para a Eternidade
José Antônio Severo. Gaúcho. Amigo querido. Jornalista.
Ali pelas 5 horas de hoje 24 foi juntar-se às estrelas outra pessoa querida:
José Xavier Cortez.
Guardo de Severo e Cortez gratíssimas lembranças, boas risadas.
E é assim, estou me sentindo só. Cada dia mais.
Primeiro foram meus irmãos ainda crianças. Depois a minha mãe e o meu pai.
E assim seguimos, voltando de onde viemos: o Cosmos?
A última vez que falei com
Severo, pessoalmente, foi dia 16 de julho passado. Cá em casa.
A última vez que falei com Cortez, por telefone, foi na tarde de domingo 19
passado. Falamos um monte de coisas, como sempre falávamos. Naquela tarde,
falamos e falamos sobre o educador Paulo Freire. Confira:
Claro que é política a proposta de alfabetização contida no livro Pedagogia do
Oprimido, de Paulo Freire.
O que é que há em comum entre o pernambucano Paulo Freire e o baiano Anísio
Teixeira?
Freire nasceu em 1921 e Teixeira, 21 anos antes. Ambos formaram-se
primeiramente em Direito e só depois tornaram-se educadores.
Teixeira foi o primeiro educador a detectar falhas e necessidades na
alfabetização de jovens e adultos, no nosso País.
Como Teixeira, Freire abandonou a profissão de advogado para continuar no
direito de ensinar para aprender junto aos analfabetos seus alunos.
Em 1963, Paulo Freire pôs em prática um método revolucionário de alfabetização
no município de Angicos, no Rio Grande do Norte, RN.
Naquele ano, conseguiu ensinar as primeiras letras a mais de 300 trabalhadores
da construção civil, que não conseguiam distinguir um “O” de uma roda. Foi
quando os empregadores se arrepiaram, recusando-se a pagar até os direitos
trabalhistas.
Foi esse o “pulo do gato” de Freire ao imaginar e desenvolver o método que
leva o seu nome no Brasil e mundo afora. Em 1964, Anísio Teixeira foi
exilado pelos poderosos de plantão. Em 1964, Paulo Freire foi exilado
pelos poderosos de plantão. Os poderosos de plantão são personagens que
atuam em movimento contrário ao avanço da sociedade moderna, sempre à
espreita. Um povo analfabeto é um povo cego sem luz, sem graça, sem
futuro, que precisa de muleta para existir.
Um povo analfabeto e sem futuro é presa fácil de quaisquer poderosos de
plantão, ditadores, prepotentes, obscurantistas. Uma pessoa alfabetizada
reconhece com facilidade o mundo em que vive e nele se movimenta com a graça
de quem ama a vida.
Uma vez o paulista Monteiro Lobato (1882-1948) disse que “quem ler mais, sabe
mais”. Uma vez, há muito tempo, o grego Sócrates à beira da morte teria
dito: “Só sei que nada sei”. No livro A Importância do Ato de Ler, agora na
52ª edição (Cortez Editora), Paulo Freire diz à pág. 66: “Na verdade, para que a
afirmação ‘quem sabe ensina a quem não sabe’ se recupere de seu caráter
autoritário, é preciso que quem sabe saiba sobretudo que ninguém sabe tudo e que
ninguém tudo ignora. O educador, como quem sabe, precisa reconhecer, primeiro,
nos educandos em processo de saber mais, os sujeitos, com ele, deste processo e
não pacientes acomodados; segundo, reconhecer que o conhecimento não é um dado
aí, algo imobilizado, concluído, terminado, a ser transferido por quem o
adquiriu a quem não o possui”. Atualmente, o Brasil tem cerca de 11 milhões
de analfabetos completos. Fora isso, é incontável o número de analfabetos
funcionais. Esses são aqueles que aprenderam o bê-á-bá mecanicamente, sem
raciocinar, na base da decoreba. O método Paulo Freire é importante, muito
importante, por identificar esse caminho errado. Ou seja, não basta decorar o
bê-á-bá, é preciso interpretar o bê-á-bá. “A leitura do mundo precede a
leitura da palavra”, afirma Freire na palestra que proferiu no Congresso
Brasileiro de Leitura, realizado no dia 12 de novembro de 1981, em Campinas
(SP). O analfabeto é analfabeto por não saber ler nem escrever, mas não é
analfabeto no mundo real em que vive. Pois nesse mundo, o seu mundo, ele
distingue facilmente os códigos que o rodeiam. Portanto, nesse caso, o bê-á-bá
pouco acrescenta ao sujeito em questão. Sabe aquela história de o caipira
ou o matuto falar errado?
“A primeira vez que mantive contato com Paulo Freire, foi por telefone. Ele se
achava na Suíça ou na Suécia, não lembro bem. Propus-lhe editar seu livro
Pedagogia do Oprimido. Mas ele respondeu que já tinha editora, a Paz e Terra”,
lembrou o potiguar José Xavier Cortez. “Isso foi pouco antes de ele voltar do
exílio”, acrescentou.
No decorrer do tempo, Cortez e Paulo Freire tornaram-se amigos. “Antes de A
Importância do Ato de Ler publiquei Educação e Atualidade Brasileira,
Pedagogia: Diálogo e Conflito e Paulo Freire: Uma Bibliografia”, relembra
Cortez.
Enquanto publicava livros pela Cortez, Paulo Freire publicava artigos na
revista Educação e Sociedade. Essa revista era resultado de uma parceria entre
a editora Cortez e a Unicamp.
É possível que os textos de Freire publicados na revista virem livro.
A gratidão que o educador pernambucano tinha pelo editor potiguar fica
explícita nesta declaração: “Se o país tiver sensibilidade, reconhecimento,
amor e o sentimento do agradecimento corajoso e leal, Cortez vai virar nome de
instituição no País todo. Tenho Cortez como editor e também como amigo”.
Cortez já virou nome de escola: Escola Estadual José Xavier Cortez, no extremo
sul da Capital paulista.
Anísio Teixeira envolveu-se com a educação desde muito cedo.
Em 1931, já figura de destaque no campo da Educação, Anísio assinou o
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.Corria o governo Vargas. O ministro
era Capanema e seu chefe de gabinete, Carlos Drummond.
Esse manifesto, assinado por 26 educadores e intelectuais como Cecília
Meirelles, não agradou o governo Vargas. O tempo passou e muita água correu
sob a ponte.
O resto é história.
Anísio Spínola Teixeira nasceu no ano de 1900 e morreu em março de 1971, isto
é: há 50 anos.
Paulo Reglus Neves Freire morreu em 1997 e nasceu no dia 19 de setembro de
1921, ou seja: há 100 anos.
A educação deve muito a esses dois brasileiros.
O cantor e compositor paraibano Chico César compôs e cantou, no ritmo de aboio, isso aqui: