Foi
não foi, eu me lembro do conterrâneo Silvino Pirauá. Ele transitava com imensa
facilidade entre o poeta de bancada e o poeta repentista, aquele que guiado por
Deus, consegue nos encantar com extrema facilidade. Pois bem, Silvino eu
considero um artista injustiçado. Por que? Simples: Ele e sua arte foram esquecidos
atrás da porta. Mas, claro, essa é apenas a minha opinião. Klévisson Viana, por
exemplo, que é do ramo, discorda completamente disso que digo. Sua
justificativa: “Silvino não é tão lembrado quando os seus contemporâneos
Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista porque sua produção se
restringiu a poucos títulos, apesar da altíssima qualidade da sua obra.”
Na
verdade, esse injustificável esquecimento do gigante da poesia popular deve-se
a nos todos e em ultimo caso às bancas oficiais, como o MINC – Ministério da
Cultura, por exemplo.
Segundo
o pesquisador Sebastião Nunes Batista, filho de Francisco das Chagas Batista, Silvino
Pirauá de Lima nasceu e 1848, no município de Patos, estado da Paraíba, e
faleceu em Bezerros, Pernambuco, em 1913. Cantador, glosador e poeta popular,
foi discípulo de Romano do Teixeira. Escreveu, entre outras estórias: História
do capitão do navio, As três moças que quiseram casar com um só moço e Verdadeira
peleja de Francisco Romano com Inácio da Catingueira.
Abaixo,
uma mostra do gênio desse paraibano arretado:
E TUDO VEM A
SER NADA
Autor:
Silvino Pirauá de Lima
Tanta
riqueza inserida
Por
tanta gente orgulhosa
Se
julgando poderosa
No
curto espaço da vida
Oh!
que idéia perdida
Oh!
que mente tão errada
Dessa
gente que enlevada
Nessa
fingida grandeza
Junta
montões de riqueza
E
tudo vem a ser nada
Vemos
um rico pomposo
Afetando
gravidade
Ali
só reina bondade
Nesse
mortal orgulhoso
Quer
se fazer caprichoso
Vive
de venta inchada
Sua
cara empantufada
Só
apresenta denodos
Tem
esses inchaços todos
E
tudo vem a ser nada
Trabalha
o homem, peleja
Mesmo
a ponto de morrer
É
somente para ter
Que
ele se esmoreja
Às
vezes chove troveja
E
ele nessa enredada
Alguns
se põem na estrada
À
lama, ao sol ao chuveiro
Ajuntam
muito dinheiro
E
tudo vem a ser nada
Temos
palácios pomposos
Dos
grandes imperadores
Ministros
e senadores
E
mais vultos majestosos
Temos
papas virtuosos
De
uma vida regrada
Temos
também a espada
De
soberbos generais
Comandantes,
marechais
E
tudo vem a ser nada
Honra,
grandeza, brazões
Entusiasmos,
bondades
São
completas vaidades
São
perfeitas ilusões
Argumentos,
discussões
Algazarra,
palavrada
Sinagoga,
caçoada
Murmúrios,
tricas, censura
Muito
tem a criatura
E
tudo vem a ser nada
Vai
tudo numa carreira
Envelhece
a mocidade
A
avareza e a vaidade
E
quer queira ou não queira
Tudo
se torna em poeira
Cá
nesta vida cansada
É
uma lei promulgada
Que
vem pela mão divina
O
dever assim destina
E
tudo vem a ser nada
Formosuras
e ilusões
Passatempos
e prazeres
Mandatos,
altos poderes
De
distintos figurões
Cantilenas
de salões
E
festa engalanada
Virgem
donzela enfeitada
No
goso de namorar
Mancebos
a flautear
E
tudo vem a ser nada
Lascivas,
depravações
Na
imoral petulância
São
enlevos da infância
São
infames corrupções
São
fingidas seduções
Que
faz a dama enfeitada
Influi-se
a rapaziada
Velhos
também de permeio
E
vivem nesse paleio
E
tudo vem a ser nada
Bailes,
teatros, festins
Comédia,
drama, assembléia
Clube,
liceu, epopéia
Todos
aguardam seus fins
Flores,
relvas e jardins
Festas
com grande zuada
Oiteiro
e campinada
Frondam
copam e florescem
Brilha,
luzem, resplandecem
E
tudo vem a ser nada
O
homem se julga honrado
Repleto
de garantia
De
brasões e fidalguia
É
ele considerado
Mas
quanto está enganado
Nesta
ilusória pousada
Cá
nesta breve morada
Não
vemos nada imortal
Temos
um ponto final
E
tudo vem a ser nada
Tudo
quanto se divisa
Neste
cruento torrão
As
árvores, a criação
Tudo
enfim se finaliza
Até
mesmo a própria brisa
Soprando
a terra escarpada
Com
força descompassada
Se
transformando em tufão
Deita
pau rola no chão
E
tudo vem a ser nada
Infindo
só temos Deus
Senhor
de toda grandeza
Dos
céus e da natureza
De
todos os mundos seus
Do
Brasil, dos Europeus
Da
terra toda englobada
Até
mesmo da manada
Que
vemos no arrebol
Nuvem,
lua estrela e sol
Tudo
mais vem a ser nada
FIM
Cá
do meu lado, Klévisson lembra a linhagem de alguns poetas populares do Nordeste
como Ugulino Nunes da Costa, José Camelo de Melo Rezende e Joaquim Batista de
Sena. E ao lembrar desses nomes, recordo agora com tristeza do passamento
recente do amigo jornalista e apologista da poesia Moacir Japiassu. Viva
Japi!!! Os últimos meses têm sido de grandes perdas para o universo da poesia
popular, partiram, como Japi, João Paraibano e Silvio Granjeiro.