Depois de se
benzer e de beijar duas vezes a medalhinha de São José, Dona Inácia concluiu: ”Dignai-vos
ouvir nossas súplicas, ó castíssimo esposo da Virgem Maria, e alcançai o que
rogamos. Amém.”
É assim que
começa o romance escrito por Rachel de Queiroz em 1929 e publicado no ano
seguinte, no Rio de Janeiro.
Em vinte
seis capítulos, a autora conta a história de Conceição e sua Vó Inácia, e de
outros personagens que viveram no tempo da grande seca de 1915, como o vaqueiro
Chico Bento, sua mulher, cunhada e três filhos que foram se perdendo na vida. O
primeiro deles morreu depois de inadvertidamente e desesperado comer mandioca
braba. Outro, foi dado à Conceição, e o último sumiu nas levas dos desgraçados.
Nas suas
preces, Dona Inácia roga a São José que mande chuva para o sertão.
Reza a
tradição sertaneja que se não chover até o dia 19 de março haverá com certeza
seca braba a castigar inocentes e pecadores.
Foi o que
ocorreu em 1915 no Ceará.
A seca de 15
foi tão grave quanto a seca anterior, a de 1877.
Na seca de
77, o próprio imperador Pedro II jurou vender até a última pérola da coroa para
salvar os flagelados que nem o pão que o Diabo amassou tinham para comer.
Cascata, a
jura do imperador era tão verdadeira quanto uma pataca de barro.
No texto
anterior lembrei do primeiro campo de concentração construído no Brasil,
precisamente no Ceará. Além desse outros seis foram construídos na seca
seguinte, a de 1932. Tragédia enorme lembrada por Patativa do Assaré (1909 –
2002), no poema A morte de Nanã. Ouça:
É grande a
literatura poética, inclusive, que trata das secas cíclicas ocorridas no
Brasil.
O cantor e
compositor pernambucano Luiz Gonzaga (1912 – 89) gravou em 1953 o baião Vozes
da Seca, composto em parceria com o conterrâneo José Dantas (1921 – 62). A
música por si só é um grito, um pedido de socorro ecoado à época em todos os
cantos do País. Ouça:
Em 1938, o
alagoano Graciliano Ramos (1892 – 1953), lançou o pungente romance Vidas Secas.
Os personagens são Fabiano, sua mulher, Siá Vitória, dois filhos sem nome, um
papagaio e uma cachorra chamada Baleia. O papagaio morre queimado pelo sol e
serve de alimento à família. É triste, muito triste a história contada por
Graciliano. Virou filme, como filme virou o Quinze, de Rachel de Queiroz.
A peste que tingiu
de negro a Europa, Oriente Médio e parte da África provocou uma onda terrível
de flagelados famintos matando judeus nas ruas da Alemanha. Achavam os
desesperados que o que sofriam era culpa dos judeus; judeus que Hitler
decidiria tempos depois exterminar em nome de uma certa “raça” ariana.
Meu amigo,
minha amiga, você sabia que a Segunda Guerra Mundial findou por gerar campos de
concentração em Pindamonhangaba, no
interior de São Paulo?
A seca e
outras tragédias são tão graves na vida humana quanto a sanha incontrolável de
delinquentes poderosos de plantão como Hitler.
Getúlio
Vargas (1882 – 1954) entrou para a história como “o pai dos pobres”, mas não podemos
nos esquecer que ele não foi flor que se cheirasse, especialmente no seu primeiro
governo, de 1930 à 1945.
E o Padre
Ciço, hein, que foi deputado e vice governador do Ceará?
“O Padre Cícero
Romão Batista amava Deus e a gente sofrida do alto sertão do Nordeste. Ao mesmo
tempo, e com a mesma disposição, amealhava invejável fortuna em dinheiro e bens
materiais para usufruto próprio. Ao morrer em julho de 1934, com noventa anos
de idade, deixou 31 sítios, vários terrenos agricultáveis, três sobrados,
quatro quarteirões de casas, dezessete prédios (casas térreas), uma mina de
cobre e cinco fazendas de gado. Deixou mais o Padrim padre Ciço: uma legião de
milhares, de milhões de seguidores...” (Livro Nordestindanados, Causos & Cousas de uma Raça de Cabras da Peste – de Padre Cícero a Câmara Cascudo; Assis Ângelo; 2000).
O
coronavírus pode virar pandemia.
A última vez
em que a peste negra foi detectada no Brasil faz 15 anos, no Ceará.
Da mesma
maneira terrível que a estiagem prolongada mata, o excesso de chuva também. É
o que está ocorrendo no Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Ora em Minas, cerca de 60 mortos.
Entre 1979 e
1985, a seca e a chuva mataram cerca de 3,5 milhões de brasileiros, incluindo mulheres e crianças. Essa tragédia provocou um grande movimento de solidariedade entre os principais artistas da música brasileira como Luiz Gonzaga, Alcione, Fagner, Chico Buarque, João Nogueira, Paulinho da Viola, Luiz Carlos da Vila, Simone, Amelinha, João do Vale... Clique: