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segunda-feira, 1 de abril de 2024

O VIRA LATA JÁ É CINQUENTÃO

Pois é, parece que foi ontem.
Foi num dia como hoje, há 50 anos, que o multitudo Magrão criou o personagem Vira Lata.
O Vira Lata ganhou cara e movimentos pelas mãos mágicas do quadrinista Líbero.
Sou de-cla-ra-da-men-te fã do Vira Lata.
O personagem de Magrão está sempre ao lado dos deserdados da vida. Pelos deserdados, incluindo negros e prostitutas e outras minorias, o Vira Lata arrisca a cada página a própria vida. É doido por liberdade e o caminho da liberdade ele está sempre trilhando e levando junto quem dela precisa.
Magrão, cujo nome de batismo é Paulo Garfunkel, acaba de nos mandar o texto que segue. E o cara escreve bem, é um ás!
Não faz muito tempo, Magrão e o irmão Jean estiveram por cá cantando e tocando e eu só ouvindo-os com admiração.
Leiam:

Vira Lata 5O anos

     Pela cronologia da história inventada, o Vira Lata nasceu no dia 31 de março de 1974, no Largo Paissandu, aos pés da estátua da Mãe Preta, no meio de uma parada militar que celebrava os 10 anos do golpe de 64.
     O personagem filho da uma mulher de sangue indígena com 5 pais de etnias diferentes, passou a infância numa casa de Candomblé e a adolescência numa colônia  japonesa no vale do Ribeira, de onde foi expulso por viver o primeiro amor com Tieko, supostamente sua meia irmã.
     Solto no mundo, perambulou Brasil adentro sobrevivendo de biscate, ora ajudante de caminhão, ora leão de chácara de boate, ora bóia fria.
     Depois de enfrentar dois capangas de um fazendeiro que ameaçavam uma família de cortadores de cana, ele volta para São Paulo, reencontra Juan, seu padrinho anarquista, talvez o único que tenha amado de verdade sua mãe, Lucinha.
Na cidade grande, confronta o Saneamento Básico, grupo de extermínio, que “limpa” as ruas da maior metrópole da América Latina.
     Ele acaba sendo  preso e estava no Carandiru fumando crack, em outubro de 1992, quando um idiota fardado ordenou um massacre que poderia ter sido evitado.
     Na cadeia encontrou o Doutor Drauzio Varella e se tornaram aliados no combate ao uso de drogas injetáveis, o grande disseminador do HIV nos anos 90, quando 17% dos 7.700 presos eram soro positivo, o que na época era praticamente uma sentença de morte.
     Um personagem de ficção contra inimigos reais, a epidemia da Aids e o preconceito sob todas suas estúpidas formas.

O sino da Sé bate doze badaladas.
A cidade ferve ao sol do meio dia.
O Vira Lata encosta a ponta do dedo médio no chão
 e toca a frente, a lateral e a parte posterior da cabeça:
 –Larôiê, Exú, Senhor dos Caminhos!
Depois se dissolve na multidão.

Os párias, os náufragos, os que não têm proteção do poder oficial nem do poder paralelo.
Que sequer são marginais, pois as margens estão ocupadas por facções e milícias.
Essa gente que sobrevive à deriva, agora tem com quem contar.
E aqueles que empunham armas e estalam chibatas, e os que ditam as ordens mas não sujam as mãos, não vão mais ficar impunes.

“Há que se lembrar da desdita pra que nunca mais se repita*.
Dúzias de ovos eclodem todos os dias no ninho da serpente.
Vamos nos manter atentos porque a liberdade está sempre por um fio.
Viva o Povo Brasileiro!” 31/03/2024

PAZ, SEMPRE PAZ!

A tomada do poder pela força militar em 1964 não pode ser esquecida. A coisa foi violenta, terrivelmente violenta.
Tudo começa quando Jânio Quadros renuncia à presidência da República no dia 25 de agosto de 1961.
O vice de Jânio, Jango, se achava em missão oficial na China. Ao tomar conhecimento da renúncia, Jango volta com as orelhas de pé.
Depois de muito empurra empurra e disse me disse, assume a faixa presidencial.
Jango tinha relações muito próximas com os sindicatos, com todos os sindicatos. Isso foi o suficiente para os militares chamarem-no de comunista. E aí já viu, né?
A tomada de poder ocorreu na manhã de 1º de abril de 1964.
Os generais gostaram da coisa e foi assim que permaneceram chafurdando no Brasil durante a eternidade de 21 anos seguidos. 
Durante aqueles 21 anos, os militares fecharam a boca do povo e dos artistas.
Muitos livros foram censurados e tirados de circulação.
Muitos discos foram proibidos de tocar e cantores e compositores, como Chico e Caetano, partiram para o exílio.
Vandré por pouco não foi pego e morto.
Que tal loucura nunca mais se repita.
O cantor, compositor e instrumentista Jean Garfunkel nos mandou o texto abaixo. Uma pérola. Confiram:

Bodas de Chumbo

Há que lembrar da desdita
Pa que jamais se repita
A dura dita, a dita dura
Da mentira e da impostura
Da mordaça e da censura
Da porrada e da tortura
Que rasura nossa história
De sessenta anos atrás
Nódoa escura na memória
Amarguras ancestrais
Que enxaguamos de lembranças
Pra que as gerações futuras
Construam sua esperança
Justa, lúcida e segura
Sabendo a fragilidade
Da palavra liberdade
Sabendo da relevância
Da palavra vigilância
Sabendo da inconsequência
Da palavra violência
Sabendo da desventura
Da palavra ditadura

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