Pesquisas indicam que a maioria da população brasileira é formada por pretos e pardos.
Pretos e pardos são pessoas que assim se declaram aos agentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para fins políticos, segundo o Instituto, “negra é a pessoa de ancestralidade africana, desde que assim se identifique”.
A Região Nordeste é a que registra o maior número de pretos e pardos. Dentre os nove Estados, a Bahia é destaque. A História aponta que foi a Bahia o lugar em que os chamados “homens de cor” mais se rebelaram contra o sistema escravocrata. Foi lá, por exemplo, que ocorreu a
Revolta dos Malês, na madrugada de 25 de janeiro de 1835. Entre os líderes, uma mulher: Luiza Mahin, mãe do jornalista e poeta Luiz Gama.
Luiz Gonzaga Pinto da Gama foi o primeiro jornalista negro do Brasil. Nasceu em Salvador e pelo pai foi vendido como escravo. Tinha dez anos de idade. Passou uns tempos no Rio de Janeiro e depois, no interior paulista. Foi alfabetizado, às escondidas, por um amigo de seu dono.
Depois de livrar-se da condição de escravo, Luiz Gama dedicou-se à luta pela liberdade das pessoas escravizadas. No decorrer dessa luta conseguiu livrar do cativeiro centenas de homens e mulheres.
A própria liberdade Luiz Gama conseguiu pouco antes de completar 18 anos de idade, provando que nascera de um ventre livre. Casou-se aos 29 anos com uma mulher chamada Claudina Fortunato, com quem teve um filho: Benedito.
Na imprensa foi atuante, chegando a fundar jornais junto com profissionais do naipe de Angelo Agostini e
Rui Barbosa. Chegou a dividir espaço em jornais com
Castro Alves, O Poeta dos Escravos. Esse título, digamos assim, Alves ganhou espontaneamente da imprensa por sua dedicação à causa abolicionista. É dele o poema Navio Negreiro, uma parte do qual
gravei com o professor músico
Jorge Ribbas. Foi no jornal recifense A Primavera que publicou o primeiro poema sobre a temática, A Canção do Africano, em 1863. Começa assim:
Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão...
De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez, pr’a não o escutar!...Luiz Gama que viveu num tempo de extrema violência,
política inclusive, morreu de diabetes e sem
voz, seis anos antes de a
princesa Isabel assinar a Lei Áurea, na manhã do dia 13 de maio de 1888. Tinha 52 anos. Seu féretro foi acompanhado por cerca de 4 mil pessoas. A população da Capital paulista era de 40 mil habitantes. O corpo está sepultado no Cemitério da Consolação.
Durante toda a sua vida Luiz Gama atuou na imprensa paulista e em alguns jornais do Rio. O que escreveu está sendo reunido pelo doutorando em História do Direito Bruno Rodrigues de Lima, da Universidade de Frankfurt. Segundo ele, esse material será publicado até o final deste ano pela editora Hedra, em 11 volumes.
Não à toa, os poderosos de seu tempo o temiam. Uma de suas frases fez muito barulho, esta: “Todo escravo que mata um senhor, seja em que circunstância for, mata em legítima defesa”.
Gama, autor do livro Primeiras Trovas Burlescas (1859) costumava apresentar-se assim:
Amo o pobre, deixo o rico,
Vivo como o Tico-tico;
Não me envolvo em torvelinho,
Vivo só no meu cantinho:
Da grandeza sempre longe
Como vive o pobre monge.
Tenho mui poucos amigos,
Porém bons, que são antigos,
Fujo sempre à hipocrisia,
À sandice, à fidalguia;
Das manadas de Barões?
Anjo Bento, antes trovões.
Faço versos, não sou vate,
Digo muito disparate,
Mas só rendo obediência
À virtude, à inteligência...
(Quem Sou Eu, páginas 110 a 114)Os poderosos mais esclarecidos viam no filho de dona Luiza Mahin um dos revoltosos da tomada de
São Domingos, no Haiti.
Se Luiz Gama foi o primeiro jornalista negro de nossa história, também não custa lembrar que foi um jornalista negro o primeiro e único, até agora, a ocupar a cadeira de presidente da República, entre 1909 e 1910, depois de eleger-se deputado Constituinte, governador do Rio de Janeiro e senador.
Refiro-me ao fluminense Nilo Procópio Peçanha. Nilo Peçanha nasceu no dia 2 de outubro de 1867 e
morreu no dia 24 de agosto de 1924. Era pobre, de família pobre. O pai era padeiro. Frequentou a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, mas bacharelou-se no Recife. Tinha 20 anos. E, como Luiz Gama, foi um grande abolicionista. Permaneceu no cargo de presidente por 17 meses, substituindo Afonso Pena (1847-1909), que morreu no Catete vítima de pneumonia.
Bom administrador da coisa pública, Nilo Peçanha criou o Ministério da Agricultura e introduziu o ensino técnico no Brasil, depois de criar o Serviço de Proteção ao Índio, que em 1967 se transformaria na Funai.
Contemporâneo de Luiz Gama foi o poeta, tipógrafo e editor literário Francisco de Paula Brito quem descobriu
Machado de Assis para as letras nacionais.
O tempo faria de Machado crítico literário e colunista político, com presença frequente no Parlamento. Publicava seus textos políticos no Diário do Rio de Janeiro. Embora tenha sido o fundador da revista A Mulher do Simplício (1832) e dos jornais O Homem de Cor (1833) e A Marmota (1849), Brito não se considerava jornalista.
A importância dos jornalistas negros na imprensa brasileira é inegável. Muitos jornais foram fundados,
dirigidos e redigidos por profissionais negros, mas nem todos são identificados. Ficavam na moita. Muitos textos eram assinados com o carimbo, digamos, de Redator. Poucos sabiam quem era Redator ou O Redator.
Editor era um detalhe, como detalhe era o corpo redacional.
Os jornais pioneiros no campo de luta pelo abolicionismo foram publicados em Pernambuco (O Homem), Rio Grande do Sul (O Exemplo), São Paulo (A Pátria) e outras publicações noutras partes do País.
A chamada “imprensa negra” continuou atuando. Hoje são poucas as publicações direcionadas à questão da negritude, mas o problema continua grave.
Todo dia sai notícia relacionada ao racismo.
No último dia 29 de outubro deste ano de 2022, a deputada por São Paulo
Carla Zambelli, de revólver
em punho, foi vista e filmada por câmeras instaladas estrategicamente nas ruas perseguindo um jornalista negro, atuante no setor esportivo: Luan Araújo, de 32 anos.
Nos jornais, revistas, rádio e televisão, o campo de trabalho para jornalistas negros está se ampliando, embora vagarosamente.
O primeiro repórter negro a ocupar espaço de apresentador no Jornal Nacional, ainda o mais assistido,
foi o paulista Heraldo Pereira. Isso em 2002, portanto há exatos 20 anos. Heraldo passou pelos principais jornalísticos da TV Globo, incluindo o Fantástico. E continua firme fazendo o que sabe fazer: jornalismo. A propósito, ele destaca que foi numa edição desse programa que fez uma de suas melhores
reportagens. Tratava-se do acordo entre o governo da África do Sul com os grupos que defendiam o fim do apartheid.
A primeira jornalista negra a apresentar o Jornal Nacional foi a paulistana, da região de Pinheiros, Maria Júlia Coutinho, a Maju.
Maju é uma pessoa incrível, cheia de graça e muito simples. Sabidona. Sabe de tudo e um pouco a mais. Conheci Maju pouco antes da pandemia do Novo Coronavírus, quando apresentava um programa todo seu na extinta Rádio Globo. E aí falei, falei e declamei, declamei e disse muita coisa.
POEMA DOS OLHOSMaju foi vítima do radicalismo político e racial, de pessoas que atacam pessoas por pensarem diferente.
Antes de Heraldo, estreou no programa Fantástico a repórter negra, carioca, Glória Maria. Linda. Isso em 1998. Uma de suas melhores reportagens foi a que fez sobre o chamado “País da Felicidade”, localizado no Continente asiático, Butão.
Glória é do ano de 1949. Bem mais nova do que ela é Mariana Aldano, nascida na Capital paulista em
1986. É negra, ativíssima. De uma inteligência espantosa. Simples. Antes de ser contratada pela TV Globo, correu mundo. Fala alemão, dinamarquês, espanhol e inglês e esteve a trabalho em Londres,
Alemanha, Dinamarca, Malásia, Hong Kong e Tailândia. Perguntei: Qual é a importância dos movimentos negros no Brasil?
Mariana considera de extrema importância os movimentos negros não só no Brasil, mas também mundo afora. Pra ela, e também pra mim, “somos todos iguais, independentemente de cor, condição social e crença”.
À propósito, esse entendimento natural consta da nossa Constituição (1988), especialmente no art. 5º:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...