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quarta-feira, 4 de junho de 2025

LULA NA ACADEMIA FRANCESA

O Brasil bonito, isto é o Brasil de gente sabida e do bem, está ancho e vibrando pela decisão de alto nível da Universidade de Paris 8 e da centenária Academia Francesa de homenagear o presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva. 

Amanhã 5 Lula receberá o título de Honoris Causa e sessão especial na referida Academia. 

As homenagens devem-se à luta do presidente brasileiro pela democracia. 

A imprensa europeia, especialmente a francesa, não tem poupado elogios a Lula.

Lula é o primeiro presidente de nossa América a ser  formal e oficialmente homenageado pela Academia Francesa, criada em 1635 por Richelieu.

Antes de Lula, porém, não custa lembrar que o Imperador Pedro II foi também homenageado. Isso ocorreu no ano de 1872.

A Academia Francesa inspirou a criação da Academia Brasileira de Letras, ABL, em 1897. 

As duas academias aqui citadas têm um total de 40 cadeiras. No começo essas cadeiras eram ocupadas só por homens.

Em 1977, a escritora cearense Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na ABL: a de n° 5.

A primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Francesa foi Marguerite Yourcenar. 

Pois é, ainda dizem que o doutor Lula é analfabeto. Aqui não custa lembrar o velho dito popular árabe. Este: "Enquanto os cães ladram, a caravana passa...".

terça-feira, 3 de junho de 2025

O CEGO NA HISTÓRIA (3)


"Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos" (Antoine de Saint-Exupéry no livro O Pequeno Príncipe, citado várias vezes pelo papa Francisco).


Machado de Assis foi um gigante da literatura brasileira. A sua obra corre mundo até os dias de hoje. E creio não ser exagero meu dizer que a sua obra inspira e direciona caminhos de poetas, contistas e romancistas de todos os naipes, desde que partiu na manhã de 29 de setembro do já distante ano de 1908.

Tão grande como Machado foi o português José Saramago.

O "bruxo" do Cosme Velho, como era a boca miúda chamado Machado, começou a publicar seus escritos quando ali alcançava os 15 anos de idade. A primeira publicação foi um soneto dedicado a uma mulher que até hoje ninguém sabe quem. 

Saramago (1922-2010) começou a publicar quando já respirava do alto dos seus sessentinhas. Era bruxo como Machado, no campo da literatura. 

Machado virou bruxo, segundo a lenda, por ter o hábito de queimar num tacho, no quintal da casa onde morava, coisas de que não gostava. 

Lenda é lenda. 

Saramago bruxo?

A pecha de bruxo a Saramago deve-se ao fato de que tirava da imaginação histórias do arco da velha. Com modificações, com começos e fins inimagináveis por seres ou leitores quaisquer. Parecia ser ele um ser do outro mundo. 

Há grandes coisas e momentos em comum entre esses dois craques da literatura clássica. 

Machado nasceu em berço paupérrimo. Seu avô era escravo e o pai nascido livre. A mãe morreu muito cedo e no seu lugar o pai pôs outra mulher. Essa foi de extrema importância na vida do nosso bruxo. Foi ela, uma doceira, que o alfabetizou. 

Saramago também nasceu de pais pobres, no interior de Portugal. Estudou até os 12, 13 anos de idade. A grana da família não dava para bancar seus estudos. Virou serralheiro, desenhista e funcionário público antes de tornar-se quem se tornou. 

Machado, como muita gente deve saber, era jornalista e funcionário público. Aliás, foi como jornalista que Saramago começou a ser conhecido no seu país. 

Joaquim Maria Machado de Assis teve problemas seriíssimos com os olhos. Saramago também, só que sem gravidade. 

Em 1995, José de Souza Saramago publicou Ensaio Sobre a Cegueira. Saiu e continua saindo em várias línguas mundo afora. No Brasil, foram à praça cerca de 500 mil exemplares. Virou filme dirigido por Fernando Meirelles. 

É livro que prende o leitor do começo ao fim. Começa com um motorista que se vê obrigado a parar diante de um farol vermelho. Ao virar verde, o farol se abre para os veículos. Um desses veículos continua parado e o motorista, em desespero, não sabe o que fazer. Esfrega os olhos e diz simplesmente: "Estou cego!".

Machado nasceu pobre, Saramago nasceu pobre e aquele que se tornaria o papa Francisco, também nasceu pobre. Estudou, encheu a cabeça e boca de línguas virando professor de literatura. Falava latim, francês, espanhol, português, italiano e alemão. Inglês falava pouco, de modo reticente. Dá até para juntar sílabas e distribuí-las em linhas ou pés como versos são assim também chamados:


Originais do Brasil 

Portugal e Argentina 

Os três nasceram livres 

Pra cuidar da própria sina 

Pensando e discutindo 

Nossa vida severina


Em 1991, Saramago publicou O Evangelho segundo Jesus Cristo, romance que deixou a Igreja de cabelo em pé. Um tanto nervoso, Saramago chamou o papa de plantão, Bento XVI, de cínico. E palavras de baixo calão não usou para classificar Bento porque, diga-se de passagem, era moço de boa família e bem educado. 

O fato é que esse livro de Saramago provocou a fúria dos católicos mais retrógados. 

A fúria aumentou quando o escritor falou numa entrevista que "A Bíblia é manual de maus costumes". Disse, em seguida, que "O pecado foi inventado pela Igreja".

Quando morreu nas Canárias, Espanha, Saramago foi alvo de pesadas críticas no L'Osservatore Romano. 

Dez anos depois disso, o mesmo jornal tece loas sobre o escritor. Título: Saramago e a Miopia do Mal. 

O último texto publicado sobre Saramago no L'Osservatore Romano teve caráter de paz, entre o escritor e a Igreja. 

Guerra da Igreja com autores ao longo do tempo não teve passo para trás, pelo menos até 1966. Nesse ano, o Índex foi oficialmente suspenso. Mas autores como Shakespeare, Maquiavel, Galileu, Descartes, Voltaire, Sartre e Vitor Hugo continuam com obras indesejáveis à visão da Igreja. 


O mundo todo viu

Tranquilamente rezar 

Pedindo mais tempo a Deus 

Para entre nós ficar 

Seu desejo era fazer 

À Terra a paz voltar 


O Francisco papa foi chamado de o melhor representante da Igreja Católica. Era popular, estava sempre ao lado do povo. Pra ele, todos éramos iguais: preto, branco, gordo, magro, alto, baixo, careca e cabeludo... Masculino, feminino e gêneros outros que formam a nossa sociedade desde sempre. 

Em junho de 2016, em audiência pública no Vacaticano, o Papa aqui dito lembrou a história do cego de Jericó. Uma história fantástica. Nessa história, o personagem é Bartimeu, nascido cego. Cristo o curou. 

O cego, como o sertão de Guimarães Rosa, está em toda parte. 

quinta-feira, 29 de maio de 2025

AMOR E TRAGÉDIA EM MINAS

Um personagem onisciente é o narrador do texto bem amarrado que dá título ao livro Raízes & Colheitas - Os Passos dos Guimarães Braga, do poeta e romancista baiano José Maria Alves Nunes.

A história contada no livro se desenvolve em oito capítulos distribuídos em cerca de 160 páginas. É leve, de boa leitura e encaixa-se plenamente na escola do romantismo surgida na França e aqui desembarcada nos últimos anos da década de 40 do século 19. Seu primeiro representante foi Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha, 1844).

O enredo do livro em pauta começa com a chegada de um jovem filho de um abastado comerciante português. 

O viajante, originário das terras do Minho, tem por nome Joaquim Guimarães Braga. O porto de chegada foi o Rio de Janeiro. E com boas pratas no bolso ganhou rumo ao sul de Minas Gerais, onde logo compraria uma fazenda denominada São Miguel. Recém-casado, fazia-se acompanhar da mulher Isabel. 

Em terras brasileiras, essa bem engendrada e trágica história começa no longínquo 1852. 

À época, de acordo com o enredo, o principal produto de exportação do Brasil era o café. O Rio e Minas eram os dois principais Estados produtores do chamado "ouro em grãos".

Não demorou muito e Joaquim, na casa dos 20 anos, prosperava a olhos vistos. Eram seus auxiliares todos mineiros, incluindo as jovens Anastácia e Catarina de 15 e 16 anos, respectivamente. 

A adolescente Catarina era casada com o capaz Fulgêncio. 

Todos, sem exceção, davam-se muito  bem.

Joaquim e Isabel voltaram a Portugal apenas duas vezes, a última em 1862. Nesse ano o jornalista e tudo mais Machado de Assis publicava um de seus contos de pegada fantástica intitulado O País das Quimeras, no periódico O Futuro. Dez anos depois, o mesmo Machado estreava no campo do romance romântico com o livro Ressurreição. Mas essa é outra história...

A trama toda criada por José Maria Alves Nunes abarca várias gerações, desde os pais de Joaquim. 

Joaquim e Isabel fizeram dois filhos: Juvêncio e Miguel.

Juvêncio casou-se co
m Olindina e com ela teve dois filhos: João e Carmem. 

Miguel casou-se com Alzira e com ela também teve dois filhos: Roberto e Rosa Maria.

Juvêncio e Olindina foram tão felizes quanto Joaquim e Isabel, ao contrário de Miguel que findou pagando os pecados do mundo. 

O que acontece com os filhos de Miguel e com os filhos de Juvêncio, hein?

O autor de Raízes & Colheitas está de parabéns e que novos romances ponha na praça. 



sexta-feira, 23 de maio de 2025

EU E MEUS BOTÕES (88)

Pois é, pessoal. Boa tarde. 

(Palmas, palmas, palmas.)

Como se numa voz única, todos dizem: "Boa tarde, boa tarde, boa tarde dona Flor!". 

Assim vocês me deixam sem jeito...

"Permita-me, dona Flor: a senhora como historiadora está a acompanhar as desgraças das guerras no mundo de hoje?", pergunta com alguma solenidade o poeta Zilidoro. 

Seu Zilidoro, não dá pra não deixar de acompanhar a loucura toda que vivemos agora de canto a canto do mundo. Isso me entristece, nos entristece. Mas... 

Antes de concluir o pensamento, lá do canto Barrica pergunta: "Dona Flor, e o seu Assis?".

Bom, eu entro na casa dos botões dizendo o quanto me faz bem essa conversa toda. E digo mais, alto e bom som: Vocês são, realmente, incríveis! Vocês estão entendendo tudo o que aqui acontece...

Zoião: "Seu Assis, pra falar a verdade, dona Flor está nos ensinando e estimulando a saber mais da vida cotidiana que todos nós vivemos. E vou dizer mais. Depois que ela aqui chegou, a nossa vida mudou. Pra melhor".

Vamos parar com isso?

Que devo eu dizer diante de tal manifestação? Eu repito, vocês são incríveis. Aprender não tem tempo. Sempre é e será tempo de aprender. O começo disso, é a leitura, é ler...

Lá no canto, os botões Zé, Mané, Biu quebram o silêncio pra fazer uma pergunta. E a pergunta é pergunta que interessa a todos: Bolsonaro vai ou não vai pra cadeia?

Olha aqui, o mundo tá meio quebrado. Num sei quem, mas tem um cara representante do governo dos EUA ameaçando acabar com o ministro do STF, Alexandre de Moraes. Era só o que faltava...

"Dona Flor, me permita: eu soube que aquele tal Trampi está perdendo a guerra contra os direitos humanos. Agora mesmo, a Corte americana o proibiu de explusar os estrangeiros da Universidade de Harvard...", interrompe Zé ali com Mané. 

Um horror, um horror, não é mesmo?

"Seu Assis, eu li em algum lugar que o senhor conheceu o fotógrafo Sebastião Salgado. É verdade? Ele morreu hoje...", expressa-se o discreto Jão. Eu:

Sim, conheci o Salgado. Figurinha que me marcou pela simplicidade. Foi-se embora hoje com 81 anos. Eu comandava o Departamento de Imprensa do Metrô de São Paulo. E aí um dia, chega a minha frente um mineiro francês grandão, em todos os sentidos, pedindo autorização para fotografar o Metrô. Fiz isso e assinei, dando-lhe autorização. Lembro que ele me disse: "Eu nunca tive tanta facilidade para obter uma autorização de um órgão oficial para fazer o que sei fazer".

quinta-feira, 22 de maio de 2025

O CEGO NA HISTÓRIA (2)


"A intolerância é cega e a cegueira é um elemento do erro. O conselho e a moderação podem corrigir e encaminhar as inteligências, mas a intolerância nada produz que tenha as condições de fecundo e duradouro". (Texto extraído da matéria intitulada Ideal do Crítico, de Machado de Assis, publicado no dia 8 de outubro de 1865, jornal Diário do Rio de Janeiro).


Pois é, o nosso Machado estava na casa dos 20 anos quando escreveu com sobriedade, profundidade e clareza texto que orientava decididamente o caminho dos futuros profissionais da crítica literária. O bambambã da época, José Veríssimo (1857-1916), babou na gola da camisa e virou amigo de infância do jovem escritor que o futuro coroaria como mestre das palavras ditas e escritas em todos os gêneros, da poesia ao teatro, cá no Brasil. 

No dia 5 de abril de 1858, o moçoilo Machado topou desafio de Francisco de Paula Brito (1809-1961). O desafio se transformaria num debate envolvendo a figura do cego. Quem o enfrentou foi um certo Jq. Ambos subiram e desceram polemicamente sem baixar de nível no desenvolvimento do mote proposto por Brito, este: "Qual dos dois cegos mais sente o penoso estado seu: o que cegou por desgraça, o que cego já nasceu?".

Lá pras tantas, diz Machado:

"A resignação e a capacidade de adaptação são fatores que influenciam a forma como cada cego lida com a cegueira".

No correr da vida, Machado de Assis voltaria a abordar a cegueira nos seus textos. Num deles, escreve: "Não se deve falar de luz aos cegos". Está no livro intitulado Contos Fluminenses, de 1870.

Em 1884, o autor de Iaiá Garcia (1878) publicou no jornal Gazeta de Notícias o conto Ex Cathedra. Nesse conto, o personagem central, Fulgêncio, lê como ninguém. É um viciado na leitura. Lê de manhã, de tarde e de noite. Faz isso antes e depois de tomar o café da manhã, antes e depois do almoço e toda hora mais ou menos que lhe dá na veneta. É um ser sereno. Entre os muitos assuntos de sua predileção se acham Matemática, Geografia, Filosofia, Direito... O seu é comportamento automático. Lê sentado, lê andando e até no banheiro. Se voasse, leria voando...

Fulgêncio mora com mucamas e uma sobrinha de nome Caetaninha que o chama de padrinho. Ela cuida da casa e dele. 

Fulgêncio é uma figurinha de anos que já lhe fazem dobrar o corpo. Sabe de tudo ou quase tudo. É viúvo e rico, porém simples. Agora ele se vê nos caminhos do Naturalismo. 

Curioso eterno, o personagem aí chega a fazer estudos sobre os olhos humanos. Depois de muita pesquisa, ele chega a uma conclusão fantástica: os olhos veem. 

Enquanto isso, a menina que vive com o padrinho passa a namorar e pensa em se casar. E mais não digo, a não ser o nome do sujeitinho: Raimundo. 

A cegueira de que foi vítima Joaquim Maria Machado de Assis durou três meses, tempo suficiente para deixá-lo quase doido. Foi a sua companheira, Carolina, a pessoa que lhe segurou as pontas naqueles momentos tão difíceis. A cura, digamos assim, veio dos ares e da paz reinantes em Nova Friburgo, RJ. 

Até hoje são desconhecidas as razões que vitimaram os olhos do bruxo do Cosme Velho. 

O cego passeia em tudo quanto é página e tela do mundo todo. Como diriam os mais antigos: o cego está sempre em tela...

No Brasil, os cegos se movimentam como podem nos romances e poemas dos nossos pequenos e grandes autores. E autoras. Que o diga Machado. 

Bom, e sabem o que eu continuo achando?

Eu acho que a cegueira não é o fim. 

quinta-feira, 15 de maio de 2025

GATO COM FOME ABRAÇA O BRASIL

Uma vez o amigo cantor e compositor Paulinho Nogueira disse-me rindo, quando lhe perguntei o gênero de uma música cujo título agora não lembro. E ele: "quando eu não sei um ritmo ou gênero musical, classifico a composição simplesmente como canção".

Lembrei agora do Paulinho Nogueira ao ouvir a música Pra Manter a Fé, de Cadu Ribeiro e Gregory Andreas. A letra fala de um País que é o nosso, carente de amor e esperança, fundamentalmente.

Pra Manter a Fé tem melodia que nos encanta desde a primeira nota. Acaba de ser gravada pelo inestimável grupo paulistano Gato com Fome, formado por Cadu (percussão), Gregory (cavaquinho) e Renato (violão 7 cordas).

Sobre a música em pauta, que considero uma joia, diz Cadu: "Pois é, depois de algum tempo sem gravar, trazemos ao nosso público Pra Manter a Fé. É uma canção sobre esperança, sobre acreditar em uma vida melhor. É um abraço coletivo no nosso país."

Ah, sim: pois, pois, devo dizer nestas letras finais que não consegui identificar objetivamente o gênero dessa música de Cadu e Gregory. 

Bom meus amigos, minhas amigas, confesso meu respeito e admiração a esse grupo musical que tanto bem e alegria leva às plateias de São Paulo e do Brasil. Clique abaixo para ouvir o que estou dizendo: 

(650) Pra Manter a Fé - Trio Gato com Fome feat. Fabiana Cozza - Videoclipe Oficial - YouTube

segunda-feira, 12 de maio de 2025

O CEGO NA HISTÓRIA (2)

Em 1825, o francês Louis Braille tinha 16 anos. Com essa idade ele surpreendeu muita gente ao apresentar pela primeira vez um método que desenvolveu para ajudar as pessoas cegas, na leitura e na escrita. 

Quer dizer, há 200 anos as pessoas cegas em todo o mundo passariam a ter a esperança de uma vida melhor, até porque essa nova invenção possibilitaria a alfabetização. 

Essa história toda começa em 1812, quando o caçula dentre quatro irmãos sofre um acidente quando brincava na oficina do pai. 

O pai de Louis, Simon-René Braille, era de profissão seleiro muito bem quisto na região onde vivia com mulher e filhos. 

Quando sofreu o acidente, o menino brincava com pedaços de couro. De repente, uma fivela atingiu com violência um dos seus olhos. Foi um deus nos acuda. Tudo o que era possível foi feito para que a infecção não alcançasse o outro olho. Até uma benzedeira de fama foi chamada, mas não adiantou. Dois anos depois, o menino Louis estava completamente cego dos olhos. 

Todo mundo se envolveu na educação do pequeno Louis, que sempre tirava ótimas notas na escola. 

No começo dos anos 40 do século 19, Louis já tinha o seu método bastante conhecido e o seu nome nele agregado. Assim: Braille, método Braille. 

Em 1844, um brasileiro de 10 anos chegava a Paris para ler na cartilha criada por Louis. Esse brasileiro atendia pelo nome de José Álvares de Azevedo. Era de família pujante e nasceu desprovido de brilho nos olhos. 

Seis anos se passaram quando o agora adolescente José voltava à terrinha e aos braços do pai e da mãe. 

Bem articulado, versátil e brincalhão, José passou a dar palestras nas casas e noutros lugares onde era chamado. 

Um dia, o filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Silveira da Motta Azevedo estacou diante do imperador Pedro II e a ele o jovem fez uma bela e detalhada apresentação do método Braille. O objetivo desse encontro era convencer o imperador a instituir uma escola para cegos. 

Louis Braille morreu em 1852, de tuberculose. 

De tuberculose também morreu José Álvares de Azevedo, com 20 anos de idade. 

O encontro de José com D. Pedro rendeu frutos sob o título Imperial Instituto dos Meninos Cegos. 

José morreu seis meses antes da inauguração da instituição.

Do quadro dos professores desse Imperial Instituto fazia parte Benjamin Constant. Matemática era uma das matérias que lecionava. 

Com a morte de Benjamin em 1891, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos passou a se chamar Instituto Benjamin Constant. Até hoje. 

A cegueira sempre foi um problema para o seu portador ou portadora. Fora isso, as pessoas cegas na Antiguidade e até praticamente nos dias recentes eram consideradas malditas. Havia quem pensasse que a cegueira era um castigo divino. Noutras palavras: o cego era pecador que não merecia perdão. 

Na Antiguidade grega, os cegos eram tidos como advinhos e por aí vai. 

Tirésias, filho de um pastor, transita por séculos em histórias lendárias como o cara que virou mulher por obra e graça da deusa Hera, que não gostou de vê-lo enxotando um par de cobras em plena cópula. A ira teve um prazo: sete anos. Passado esse tempo, Tirésias voltou a ser o que era antes: um homem. 

Saliente, Tirésias caiu na besteira de flagrar a deusa Atena tomando banho. Aí dançou. Irritada, ela o cegou para sempre. Cego e sábio. Acha-se até nas página da Odisséia de Homero. Curiosidade: Tirésias que perdeu o "s" para o diretor francês Bertrand Bonello, ganhou o telão num enredo envolvendo uma transsexual brasileira que vive na periferia da França com o irmão. O filme é de 2003. Mas, essa é outra história. 

Expressões como "deficiente visual" e "pessoas de baixa visão" foram cunhadas nos primeiros anos do século 20. A partir do século 21, a sociedade passou a respeitar um pouco mais as pessoas portadoras de quaisquer tipos de deficiência física, auditiva, visual etc.

Não são poucos os personagens cegos que se movimentam na literatura brasileira e estrangeira. E há até autores cegos que deixaram obras monumentais, como os argentinos Jorge Luís Borges (1899-1986) e Ernesto Sabato (1911-2011).

Meu amigo, minha amiga, você sabia que o pai da literatura brasileira, Machado de Assis, ficou cego por um tempo logo após o Natal de 1878?

Meu amigo, minha amiga, você sabe o que eu acho da cegueira? 

A cegueira não é o fim. 


sexta-feira, 9 de maio de 2025

EU E MEUS BOTÕES (87)

Oi, pessoal! O que está havendo aqui, vocês endoideceram?

Os botões caíram na risada, em uníssono: "A gente viu o senhor na TV italiana, ao lado de um monte de gente".

Nisso o sistema interno de TV capta imagens de dois homens e uma mulher. Todos se voltam para identificar as pessoas que veem na tela. Zilidoro diz logo: "Dona Flor já reconheci e aquele... aquele ali vem a ser o roteirista amigo do Vira Lata, personagem que a gente está querendo há muito conhecer".

Muito bem. É que vocês não me deram oportunidade de anunciar...

"Boa tarde, pessoal!", diz um tanto à vontade a historiadora Flor Maria, acrescentando: "O Zilidoro acertou quando disse que estávamos chegando aqui, pois temos o Magrão. E temos também o Fausto, que pessoalmente acho que vocês ainda não conheciam.

"O Magrão aí é o pai do Vira Lata?", pergunta entusiasmado Zoião. 

Bom, é com você Magrão. 

"Sim, sou o criador do Vira. É um filho que me dá muita alegria. É de origem simples, humilde e fácil fácil de conquistar amigos e amigas. É um paladino da Justiça. Nasceu pra fazer o bem e ensinar bons caminhos a quem deles precisa. É um verdadeiro irmão do Líbero. Esse aí também é figurinha do maior respeito", diz Magrão que anda ensinando música ao Vira Lata. 

Todos na sala se levantam batendo palmas, menos Lampa. 

Os irmãos Biu e Barrica levantam as mãos pedindo palavra. Ao mesmo tempo, perguntam: "E esse aí é o Fausto?".

"Sim, eu sou Fausto Bergocce. Tenho andado e ando ainda pintando e bordando. Sou desenhista, pintor e cartunista. Já publiquei duas dezenas de livros, apresentados por meu amigo Assis e o meu amigo Paulinho da Viola. Tenho rodado pelo mundo todo. Vou aonde me chamam. Trabalhei em muitos lugares legais como a TV Cultura, Folha, Folhetim, Diário Popular, Pasquim... Bom, se eu for falar mais a respeito do que faço e a respeito de mim, vocês vão acabar dormindo".

Palmas explodem na sala, enquanto Zoião se posiciona atrás de Lampa, que está entretido no que escreve num papel. De repente, Zoião irrompe numa gargalhada beirando o histerismo. Lampa dá um pulo e fica na posição de ataque: "O que foi, seu corno? Nunca viu um macho, não?".

O ambiente fica pesado e o pessoal do "deixa disso" faz a sua parte.

Peraí, peraí, o que está havendo?

Zoião para de rir e diz tirando o sarro de Lampa: "Ele é um burro, um besta que nem sabe escrever".

Lampa dá de mão do punhalzinho e...

Zilidoro: "Seu Assis, não é bom saber o que Lampa estava escrevendo?".

Sim. O que você estava escrevendo que chamou a atenção de Zoião?

Lampa se aproxima mostrando o papel no qual se lia: A bemo papa.

Pois é, Zoião você não vai querer que o Lampa escreva como se fosse um doutor de universidade. Aliás, há uma linguagem de duas falas e de duas escritas em qualquer parte do mundo. Há a fala praticada no campo e há fala praticada na cidade. Ambas estão certas. E Lampa também está certo. Quando eu cheguei aqui, vocês disseram que me viram na televisão. Sim, eu estava na Vaticano e ao meu lado, o Vira Lata. E tenho certeza de que o Lampa estava acompanhando tudo. A prova é que ele tentou se expressar repetindo o que ouviu. Habemus Papam ( Temos um Papa). E chega, né?

"Eu só queria perguntar se o seu Fausto faria um cartum dizendo que o papa é do Peru". provoca Jão, piscando o olho.

Olavim, no seu canto quietinho, pergunta se não é o caso de aproveitarmos a presença da Flor Maria, Fausto e Magrão para um mergulho na história da Igreja. 

Sim, seria uma boa. Mas o tempo urge. Fica pra outro dia.


sexta-feira, 2 de maio de 2025

O CEGO NA HISTÓRIA (1)

Em 1825, o francês Louis Braille tinha 16 anos. Com essa idade ele surpreendeu muita gente ao apresentar pela primeira vez um método que desenvolveu para ajudar as pessoas cegas, na leitura e na escrita. 

Quer dizer, há 200 anos as pessoas cegas em todo o mundo passariam a ter a esperança de uma vida melhor, até porque essa nova invenção possibilitaria a alfabetização. 

Essa história toda começa em 1812, quando o caçula dentre quatro irmãos sofre um acidente quando brincava na oficina do pai. 

O pai de Louis, Simon-René Braille, era de profissão seleiro muito bem quisto na região onde vivia com mulher e filhos. 

Quando sofreu o acidente, o menino brincava com pedaços de couro. De repente, uma fivela atingiu com violência um dos seus olhos. Foi um deus nos acuda. Tudo o era possível fazer foi feito para que a infecção não alcançasse o outro olho. Até uma benzedeira de fama foi chamada, mas não adiantou. Dois anos depois, o menino Louis estava completamente cego dos olhos. 

Todo mundo se envolveu na educação do pequeno Louis, que sempre tirava ótimas notas na escola. 

No começo dos anos 40 do século 19, Louis já tinha o seu método bastante conhecido e o seu nome nele agregado. Assim: Braille, método Braille. 

Em 1844 um brasileiro de 10 anos chegava a Paris para ler na cartilha criada por Louis. Esse brasileiro atendia pelo nome de José Álvares de Azevedo. Era de família pujante e nasceu desprovido de brilho nos olhos. 

Seis anos se passaram quando o agora adolescente José voltava à terrinha e aos braços do pai e da mãe. 

Bem articulado, versátil e brincalhão José passou a dar palestras nas casas e noutros lugares onde era chamado. 

Um dia, o filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Silveira da Motta Azevedo estacou diante do imperador Pedro II e a ele o jovem fez uma bela e detalhada apresentação do método Braille. O objetivo desse encontro era convencer o imperador a instituir uma escola para cegos. 

Louis Braille morreu em 1852, de tuberculose. 

De tuberculose também morreu José Álvares de Azevedo, com 20 anos de idade. 

O encontro de José com D. Pedro rendeu frutos sob o título Imperial Instituto dos Meninos Cegos. 

José morreu seis meses antes da inauguração da instituição.

Do quadro dos professores desse Imperial Instituto fazia parte Benjamin Constant. Matemática era uma das matérias que lecionava. 

Com a morte de Benjamin em 1891, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos passou a se chamar Instituto Benjamin Constant. Até hoje. 

A cegueira sempre foi um problema para o seu portador ou portadora. Fora isso, as pessoas cegas na Antiguidade e até praticamente nos dias recentes eram consideradas malditas. Havia quem pensasse que a cegueira era um castigo divino. Noutras palavras: o cego era pecador que não merecia perdão. 

Na Antiguidade grega, os cegos eram tidos como advinhos e por aí vai. 

Tirésias, filho de um pastor, transita por séculos em histórias lendárias como o cara que virou mulher por obra e graça da deusa Hera, que não gostou de vê-lo enxotando um par de cobras em plena cópula. A ira teve um prazo: sete anos. Passado esse tempo, Tirésias voltou a ser o que era antes: um homem. 

Saliente, Tirésias caiu na besteira de flagrar a deusa Atena tomando banho. Aí dançou, irritada, ela o cegou para sempre. Cego e sábio. Acha-se até nas páginas da Odisséia de Homero. Curiosidade: Tirésias, que perdeu o "s" para o diretor francês Bertrand Bonello, ganhou o telão num enredo envolvendo uma transsexual brasileira que vive na periferia da França com o irmão. O filme é de 2003. Mas essa é outra história. 

Expressões como "deficiente visual" e "pessoas de baixa visão" foram cunhadas nos primeiros anos do século 20. A partir do século 21, a sociedade passou a respeitar um pouco mais as pessoas portadoras de quaisquer tipos de deficiência física, auditiva, visual etc.

Não são poucos os personagens cegos que se movimentam na literatura brasileira e estrangeira. E há até autores cegos que deixaram obras monumentais, como os argentinos Jorge Luís Borges (1899-1986) e Ernesto Sabato (1911-2011).

Meu amigo, minha amiga, você sabia que o pai da literatura brasileira Machado de Assis ficou cego por um tempo logo após o Natal de 1878?

Meu amigo, minha amiga, você sabe o que eu acho da cegueira?

A cegueira não é o fim. 

quinta-feira, 24 de abril de 2025

EU E MEUS BOTÕES (86)

 Plac, plac, plac... 

"Quem é que está subindo nesse plac, plac, plac...?", pergunta quase pra si próprio o curioso Zoião. E plac, plac, plac...

"Opa! É ele chegando!", diz entusiasmado o Zé cutucando Mané. 

Olá, olá pessoal! E aí, tudo bem?

A essa altura, todos na casa dos botões estavam de pé, batendo palmas. Eu:

Pôxa vida, rapazes!

"Seu Assis, cadê a dona Flor?", pergunta Barrica. 

Antes que eu dissesse fosse o que fosse, adentrou no ambiente no plac, plac, plac, subindo as escadas. Era ela...

"Dona Flor, dona Flor, dona Flor...", todos assim a aclamavam. Dona Flor:

"Assim, desse jeito, vocês me deixam...".

Muito bem, muito bem, o mundo está se estreitando cada vez mais. 

Lampa, de repente diz: "Esse tal de Trumpi é mais doido do que eu. Eu sou doido, mas não sou idiota. Esse fela está degringolando totalmente os EUA. O mundo todo nunca gostou dos EUA, mas hoje gosta muito menos".

Caraca!

"O Lampa não é brinquedo, não! Ele diz tudo que lhe dá na veneta!", abrevia o mano de Barrica, Biu.

De repente, as portas e janelas batem com a força do vento que chega de modo surpreendente. Sem pedir licença pra chegar. Uma risada moleca ouve-se no teto da casa dos botões onde estamos. E tudo fica às escuras. E nova risada ecoa estridentemente no ambiente. Lampa imóvel na sua frieza, diz: "Vocês são uns trouxas, uns medrosos, que ficam ridicularmente pasmados ante risadas bobas soltas à toa".

É realmente curiosa a observação salutar de Lampa. Parabéns, Lampa!

Nova risada e um barulho estridente se fazem ouvir na casa. 

"Estavam com saudade de mim?", pergunta numa cambalhota o ainda indescritível Olavim.


terça-feira, 22 de abril de 2025

VOCÊ SE LEMBRA DO SÃO PAULO CAPITAL NORDESTE? (2)

Na postagem abaixo se acham Billy Blanco, Jair Rodrigues, Osvaldinho do Acordeon, Carmélia Alves, Marta Rocha, Emilinha Borba, Socorro Lira, Cecéu, Antonio Barros, Paulo Vanzolini, Dimang Kon Beu, José Nêumanne e o poeta amazonense Thiago de Mello. São papos ótimos.

Thiago, que completaria 100 anos de nascimento em 2026, foi um incansável guerreiro pró meio ambiente. 

Citei o Dimang?

Dimang, jornalista de linha, entrou algumas vezes ao vivo no meu programa São Paulo Capital Nordeste. Diretamente de Hong-Kong. No post aí ele fala da origem da sanfona. Esse instrumento foi inventado por uma chinesa, há pelo menos 3.000 anos a.C.

Fora isso tudo, eu falo e falo sobre os 500 anos de achamento do Brasil, ocorrido num dia como hoje 22 de abril. A grande putaria, incluindo corrupção, começou aí. Confira o  que dissemos, clicando:



sexta-feira, 18 de abril de 2025

VOCÊ LEMBRA DO SÃO PAULO CAPITAL NORDESTE?

Entre o fim do século passado e o início deste 21, andei apresentando o programa São Paulo Capital Nordeste. O programa ia ao ar ao vivo todo sábado das 21h às 23h, na paulistana Rádio Capital AM 1040, que ficava logo ali na Avenida 9 de Julho.

Pelo referido programa passaram pelo menos mil e poucos artistas de todas as áreas, incluindo poetas, romancistas e dramaturgos de todo canto do Brasil. No post abaixo trechos de entrevistas com Billy Blanco, Benito di Paula e tantos e tantos. Tem até um papo que fiz com o saudosíssimo Pery Ribeiro. Perguntei-lhe a certa altura se sentia saudade dos pais Herivelto Martins e Dalva de Oliveira. Claro, disse claro. E ainda quis eu saber se ele tinha feito alguma homenagem à mãe. Disse que não, que não se lembrava. Aí coloquei pra tocar a música A Tua Voz. E aí ele não aguentou: caiu no choro. 

A Tua Voz foi gravada em disco de 78 rpm na tarde do dia 18 de abril de 1962. Ouçam:


quinta-feira, 10 de abril de 2025

FILME FEITO E PRONTO PARA O MUNDO

Não trago na memória a lembrança de ter visto ou ouvido um documentário sobre inclusão tão direto e belo como Vem Comigo - os caminhos da inclusão. 

Esse documentário registra depoimentos de pessoas diferentes umas das outras. Todas, porém, donas de personalidade e inteligência ímpares. 

A produção da obra aqui em pauta traz a  marca do talentoso jornalista Ricardo Mucci. Ele foi longe por trilhas praticamente invisíveis. Essas trilhas o levaram ao mundo de quem não vê com os próprios olhos, de quem não ouve, de quem não fala, de quem não anda com os próprios pés, de quem sequer tem braços para abraçar o pai, a mãe, os amigos.

Uma viagem e tanto essa feita por Mucci. 

O documentário começa com depoimentos de jovens e  não tão jovens inseridos no chamado mercado de trabalho, incluindo o campo das artes. E é aí que aparecem uma bailarina, um craque do minado "universo" da informática e coisas que tais e por aí vai... São manifestações fortes, bonitas, cheias de esperança. 

Esses caminhos da inclusão nos levam a refletir sobre a nossa própria existência. Nos levam a ver o próximo como a nós mesmos, por que não?

São milhões e milhões de pessoas altas, baixas, magras, gordas, pretas, brancas, pobres, ricas, de línguas e nacionalidades diversas que procuram realizar sonhos dos mais simples, como correr e nadar.

Vem Comigo - os caminhos da inclusão é documentário dirigido com sensibilidade e rigor profissional pela jornalista e multitudo Sylvia Jardim. 

O que mais devo dizer?

Bom, Vem Comigo já nasceu pronto para ser exibido no mundo todo e em todas as línguas possíveis. 


quarta-feira, 9 de abril de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (179, FINAL)



Um mês depois da festa cá na fazenda, eu me achava lendo debaixo de um pé de manga. 

O relógio da igrejinha acabara de badalar quatro vezes. De repente, Flor Maria me chama e diz que os convidados para a entrevista já estão chegando. São pontuais, hein?

E lá estavam trazidos por Balzac os ícones da literatura que tem por matéria-prima a alma do povo. Entenda-se por isso os desejos e sonhos mais safados da espécie humana. 

Confesso que não conhecia pessoalmente Balzac. Li tudo ou quase tudo que ele escreveu, mas não o conhecia. Foi ótima ideia de ele vir com seus amigos num mesmo voo.

Depois dos cumprimentos, fomos molhar a garganta pra melhor fluir as ideias. Tinha vários tipos de bebida, incluindo licor e vinho. Aretino arregalou os olhos quando viu uma garrafa cheia de algo parecendo água.

 _O que é isso?

Eu disse ser cachaça produzida pelo pessoal do nosso engenho. 

Ansioso, Aretino pegou um copo e o encheu. Cheirou, lambeu as bordas e de uma vez só engoliu tudo. Menos o copo. 

A cena deixou boquiabertos Sade e Restif.

Achei graça e ofereci vinho.

Depois de beber mais um pouco, Aretino se antecipou dizendo que:

_Já estamos cheios de tanto vinho, pois isso é o que mais tem nas nossas terras.

Esse parece ter sido o sinal para Casanova, Sade e Restif pegarem os copos e, depois de enchê-los, beber. Cachaça da boa, diga-se.

Após  amaciarmos o gogó e saborearmos tacos de carne de sol e tira-gostos que tais, fomos à biblioteca para o bate-papo tão esperado. 


OLÉGNA — Antes de mais nada, sejam bem vindos ao Brasil. 


ARETINO — Eu sempre quis conhecer o Brasil. Quando o Brasil foi descoberto em 1500, eu tinha oito anos de idade. 


RESTIF — Tinha oito anos e já era safado, um perigo para as moçoilas.


ARETINO — Menos, menos. Na verdade, eu era muito tímido. 


CASANOVA — Hummm….


OLÉGNA — Sade, conte-me um pouco sobre você. Pra começo, diga-nos o seu nome completo. 


SADE — Meu nome completo  é Donatien Alphonse François de Sade. Sou filho de Jean Baptiste François Joseph de Sade e Marie Eléonore de Maillé de Carman. Filhos tive dois: um menino e uma menina. Nasci no palácio La Coste, em Paris, França.


OLÉGNA — Olha só! Na Paraíba nasceu também uma grande figura no Palácio. Essa figura tinha por nome Ariano Suassuna e o Palácio, da Redenção. Em pleno centro da Capital paraibana, João Pessoa.


ARETINO — O Sade não tinha nem oito anos de idade quando já corria atrás de rabo de saia.


OLÉGNA — É verdade, Sade?


SADE (com sorriso maroto) — Não me lembro.


CASANOVA — Hummm…


RESTIF — Por que você só faz hummm…?


CASANOVA (se ajeitando na cadeira e passando a mão nos cabelos) — É que estou achando engraçada a fala do Aretino e agora a do Sade. O Aretino foi meu professor e Sade continua sendo um grande cabra safado!


ARETINO — Poooxa! Eu não sabia que sabia tanto.


RESTIF — Antes do Aretino, que fez muita mulher feliz, existiu na sua terra Itália outro poeta que era um danado. Seu nome: Caio Valério Catulo. E antes de Caio ou pouco depois teve Mallanaga Vatsyayana que escreveu o Kama Sutra. Era indiano. 


OLÉGNA — Nas origens, o Kama Sutra tinha mais de 500 posições sugeridas para o prazer de quem queria prazer. Sexual, claro. Agora eu gostaria de saber de Casanova se pra fazer o que fez com as mulheres se inspirou no Vatsyayana ou no nosso querido Pietro Aretino. Qual a melhor posição para a obtenção de um orgasmo gigante?


CASANOVA (explodindo numa gargalhada) — Esse negócio de Kama Sutra, de manual sexual, pra mim não funciona. Tesão é tesão, ou tem ou não tem.


RESTIF — Você teve muitas mulheres?


CASANOVA — No começo, confesso, cheguei até a contar e a anotar num caderninho. Eu era muito novo. Tinha uns 20 e poucos anos. E anotados por mim já havia uns cento e pouco nomes. 


RESTIF — Perdeu a conta, é? Eu continuo anotando. A minha lista já tem 735 nomes de mulheres lindas.


OLÉGNA — Poxa, desse jeito vai passar de Don Juan. Esse era um espanholzinho muito safado. Dizem que ele traçava todas, feias e bonitas. Não tinha limite. Não enjeitava magrinha, gordinha, branquinha, pretinha, baixinha, altinha, pobrinha, riquinha…


CASANOVA — Hummm…


RESTIF — Lá vem ele com esse negócio de hummm…


OLÉGNA — Casanova, eu gostaria que você contasse agora de quem você é filho e como virou o “bon vivant” que todos conhecem e seguem, de certo modo.


CASANOVA — Sou filho de um ator e de uma atriz, que infelizmente não alcançaram o sucesso. Tive irmãos, um deles pintor.


RESTIF — O nome desse irmão era Francesco Giuseppe Casanova, autor de um bonito retrato seu?


CASANOVA — Sim, sim. Ele viveu um bom tempo em Paris e eu também. Era um bom rapaz e um talento incrível! Sua obra, digo sem medo de errar: é ma-ra-vi-lho-sa!


OLÉGNA — Na França do seu tempo só dava você nos salões grã-finos e até nos cabarés de má fama. Confirma?


CASANOVA (subindo no muro) — Talvez sim, talvez não. Não me lembro de muita coisa. A verdade é que o populacho fala muita besteira a meu respeito. 


SADE — Querido Casanova… 


CASANOVA — Opa!


SADE — Meu negócio é mulher, rapaz! Sempre. Você foi o cara que pegou muita mulher em Paris. Foi também o cara que ganhou e torrou muita grana. Algum arrependimento?


CASANOVA — Não, arrependimento não. Eu poderia ter tido mais juízo, isso sim!


ARETINO — Foi você mesmo o cara que inventou a loteria francesa?


CASANOVA (pigarreando e se ajeitando na cadeira) — Sim, eu mesmo. Antes e depois disso fiz parcerias com luminosos do meu tempo. Estive com barões, príncipes, princesas, rainhas…


SADE — Você traçou a Madame de Pompadour, o xodó de Luís XV?


CASANOVA — Não, não. Bom, acho que não. Só lembro que ela gostava muito de mim. Na verdade, éramos apenas bons amigos. 


SADE — E Catarina, a Grande?


CASANOVA — Essa mulher era terrível. Ela chegou até a matar o próprio marido, pra reinar no seu lugar. E reinou. Quanto a mim posso dizer que também  a temia. Agora esse negócio de levá-la pra cama, só se eu fosse doido. Não  sou, nunca fui. Gosto da vida que levo, na base da paz e de muito amor. 


RESTIF — Vida agitada a sua, Casanova. É verdade que você chegou a ser preso?


CASANOVA — Sim, por uma besteira. 


RESTIF — Que besteira foi essa?


CASANOVA (ajeitando a camisa, tossindo, pede algo pra beber) — Bom, questão de dívida. Eu jogava e gastava muito. Mulher comigo também nunca passou mal. Gosto de dar presente. Aí teve um pessoal que não esperou que eu quitasse o que devia. E aí, né? Me puseram numa cadeia de segurança máxima, mas de lá fugi pelo telhado. E corri mundo.


SADE — É verdade que você já foi dono de puteiro?


CASANOVA (se mexendo na cadeira, meio perturbado) — Sim, sim, quer dizer… Ah! Isso foi na Inglaterra, depois que fugi da prisão. 


SADE — Você já bateu em mulher, matou mulher, matou alguém?


CASANOVA (irritado) — Porra! Levei muita gente pra cama, mas nunca bati nem em homem e nem em mulher. Nunca matei ninguém! Não sou como você que adora ver gente sofrer. A minha cartilha é a cartilha da alegria e do prazer.


OLÉGNA — Calma, Casanova. O Sade fez essa pergunta certamente por saber que no Brasil o número de mulheres assassinadas por homens é enorme. 


SADE — Pois é, apenas curiosidade. 


OLÉGNA — Casanova, é verdade que você prestou serviço para o pessoal da Inquisição?


CASANOVA — Sim, sim. Por pouco tempo. O Sade também passou por isso. 


SADE — É verdade. Fui preso e não uma vez só, várias. Mas as prisões em que fui metido eram por outros motivos. Acusavam-me e ainda há quem me acuse de pornográfico e subversivo. Me prenderam até por sodomia. Quando não tinham um motivo, inventavam. Foi assim que me levaram para a Bastilha. Mas mesmo de lá consegui denunciar torturas e mortes cometidas atrás das grades, nos calabouços… Foi na Bastilha que escrevi vários livros, incluindo  Os 120 Dias de Sodoma.


ARETINO — É verdade que você foi condenado à morte?


SADE — Sim, duas ou três vezes. Mas como vê, escapei. 


RESTIF — Por que Napoleão Bonaparte detestava você?


SADE — Sei lá, era um louco. Ele sim era um devasso! 


OLÉGNA — Restif é verdade que você inspirou os revolucionários franceses a derrubar a Bastilha?


RESTIF — Sim. Os meus escritos não se limitam apenas ao que diz respeito a sexo, erotismo, prazer, essas coisas que o corpo nos pede. Enfim, escrevi livros de conteúdos diversos. Até de política, por exemplo. Você já leu As Noites Revolucionárias, que publiquei em 1788? E La Semaine Nocturne? E Noites de Paris? Nesses livros, eu falo o que iria acontecer na Bastilha e o que aconteceu na Bastilha. É isso. E se não leu, leia! Espalhe por aí afora o que eu escrevi nessa vida louca que é a nossa. E quero deixar bem claro uma coisa: mulher é o ser mais importante que Deus pôs na terra. Sem mulher, não haveria vida inteligente.


OLÉGNA — Poxa!!! O Sade escreveu Justine e em seguida você escreveu Anti-Justine. O que um tem a ver com o outro?


RESTIF — Foi uma brincadeira. Na verdade, eu gostei muito do livro do Sade. Aproveito a ocasião pra dizer do carinho que tenho por ele.


SADE — Obrigado, mestre.


OLÉGNA — Bom, pessoal, antes de mais nada…


— Oi, oi, oi, oi, oi, oi! — É um poeta chegando.


OLÉGNA — Quem é você?


O POETA — Não está lembrado de mim? Eu sou o Olavo!


OLÉGNA — Olavo…


O POETA — Bilac!


OLÉGNA — Olavo Bilac!?


O POETA — Sim, sim! Eu sou Olavo Bilac, amigo de todos os poetas que pensam e fazem boas poesias.


OLÉGNA — Sim! Já ouvi falar de você.


O POETA — Ora, vi estrelas!


OLÉGNA — Você tem uma poesia muito bonita, uma poesia de amor… Mas você nos interrompeu por que??


O POETA — É que eu vi essa mesa tão bonita, com tanta gente bonita do mundo da poesia…


SADE — Você já me leu, poeta?


O POETA — Eu li todos vocês. A vida é linda, quando não temos preconceitos…


RESTIF — Tudo isso com amor!


OLÉGNA — Que bom, pessoal. Quero agradecer a presença e o ótimo bate-papo que vocês nos propiciaram. 


ARETINO (pedindo a palavra) — Quero dizer da alegria que sinto por estar aqui. E que cachaça, hein!?


RESTIF — Faço minhas as palavras de Aretino. 


OLÉGNA — O Casanova estudou bastante. Sei que fez até poemas. Gostaria que ele encerrasse essa nossa prosa contando a sua vida em versos.


CASANOVA — Dá pra arrumar uma violinha aí?


Rapidamente uma viola foi arrumada e, para surpresa de todos, Casanova mandou ver:


Comecei lendo livros

Lendo livros me formei

Certa vez eu quis ser padre 

Mas a tempo recuei 

Foi numa biblioteca 

Que finalmente me achei


Pra mim foi tudo fácil 

Fácil tudo se acabou 

Amei muitas mulheres 

Mas nenhuma me amou 

Foi assim que descobri 

Que pra mim a luz pifou 


Ora pois eu sei que fui

Bom aluno e professor 

Na escola aprendi

Os segredos do amor

Desde então eu parti

Pra viver com destemor


Eu sou o personagem

Das histórias de amor

Muitos mentem sobre mim

Comigo fazem terror

Eu não sou o que dizem

Tampouco sou sedutor!...


AGRADECIMENTOS

Dou-me por satisfeito ao término deste trabalho que me tomou centenas e centenas de horas, desde 2023. Consumi a leitura de inúmeros folhetos de cordel, de autores os mais diversos. Consumi também o conteúdo de livros escritos por autores desde os tempos medievais, na Europa e em todo o canto, inclusive do Brasil, como o Gregório de Matos e Guerra, José de Alencar, Machado de Assis, Júlia Lopes de Almeida, entre outros. Ouvi óperas e muita música popular que abordam, no geral, a temática por mim escolhida: licenciosidade, que em livro deverá ganhar o título de Do Popular ao Erudito – o Sexo como Expressão Artística. Todos os campos da arte envolvendo amor e sexo foram por mim visitados. Nos arquivos do Instituto Memória Brasil, IMB, encontrei entrevistas que fiz com o rei do baião Luiz Gonzaga, Chico Anysio e Ignácio de Loyola Brandão, com quem voltei a trocar ideias depois de muitos anos. Aproveito a ocasião para agradecer às meninas Anna Clara da Hora e Flor Maria. E, claro, aos leitores que suponho terem gostado dos de tudo ou parte de tudo andei publicando no Newsletter Jornalistas & Cia e neste Blog.

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