Passava
um pouco das cinco horas da manhã de 28 de julho de 1938 quando a volante do tenente João Bezerra quebrou
o silêncio da grota de Angico, em Sergipe, com o matraquear impiedoso de
metralhadoras portáteis. Não houve tiroteio, houve uma chacina. As vítimas:
Lampião e Maria Bonita e outros nove cangaceiros. Nenhum deles teve tempo de sacar
suas armas para se defender. “Foi tudo muito rápido”, disse Ilda Ribeiro de
Souza, a Sila de Zé Sereno, em longa entrevista ao programa São Paulo Capital
Nordeste, que apresentei durante anos na Rádio Capital AM 1040, de São Paulo.
Sila
lembrou que pouco antes do ataque dso policiais estava conversando amenidades
com sua amiga e companheira de cangaço Maria Bonita, e que em certa ocasião
chamou a sua atenção para uns pisca-piscas dentre a vegetação que avistava de
momento em momento, mas que Bonita não deu importância, comentando:
-
Liga não, Sila, são vagalumes.
A
maior parte do bando conseguiu fugir, quem tombou foi degolado e as cabeças,
como troféu, foram exibidas nas ruas da capital sergipana até serem levadas
para o Museu Nina Rodrigues, na Bahia, onde permaneceram ao alcance dos
visitantes até 1968, quando, enfim, foram sepultadas.
Até
hoje continua em discussão a questão sobre se Lampião foi herói ou bandido.
No
dia 19 de agosto de 2003, por nossa iniciativa o Rei do Cangaço foi levado a
julgamento no Centro Acadêmico 11 de Agosto da Faculdade de Direito de São
Paulo, por um júri popular http://www.anovademocracia.com.br/no-13/1009-juri-simulado-condena-lampiao?videoid=0q-NUQciUvk.
Ele foi condenado a 12 anos de reclusão. Um mês antes, em consulta formal junto
a usuários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, foi considerado
herói.
Procurado por toda a polícia do Nordeste, o cabra era temido menos pela irmã Maria Ferreira Queiroz, a Dona Mocinha, uma senhorinha simples, incrível, que
entrevistei há alguns anos para o programa Tão Brasil https://www.youtube.com/watch?v=ioS3GpIa7Kc
Ao
contrário de Dona Mocinha, que morreu em fevereiro de 2002, a sua única filha,
Expedita Ferreira Nunes, me disse com todas as letras:
-
Eu tinha muito medo dele (Lampião). Quando ele ia me visitar, eu me escondia debaixo
da cama.
Expedita
nasceu no dia 13 de setembro de 1932, em Sergipe, onde mora.
Lampião
há muito entrou para a história, inclusive da nossa música popular. É vasto o
repertório que trata do personagem. A primeira música que o cita é do paulista
Raul Torres: Bota a Mão na Roda, de 1934 (Columbia), que diz:
Oi minha gente vou deixar de ser carreiro
Me torná um cangaceiro
Pra brigá com Lampião
Eu vou comprá uma faca e um cravinoti
Pra mostrar pra esse coiote
Que eu também sou valentão...
Me torná um cangaceiro
Pra brigá com Lampião
Eu vou comprá uma faca e um cravinoti
Pra mostrar pra esse coiote
Que eu também sou valentão...
Até um de seus companheiros, Volta
Seca, chegou a gravar um disco inteiro só com cantigas do Cangaço (acima).
PRIMEIRA GRANDE GUERRA
PRIMEIRA GRANDE GUERRA
Pois
é, e exatos 24 anos antes de Lampião ser pego de surpresa na grota de Angico,
um cara anônimo na Europa matava a tiros um cara famoso - e sua mulher - e dava
início, assim, a Primeira Guerra Mundial, que durou quatro anos e quatro meses
para acabar. Nesse período foram mortas pelo menos nove milhões de almas.
É
a vida, que é de morte.