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quarta-feira, 14 de junho de 2023

A MORTE TEM NOME: VIDA (4)

Torquato Neto foi um dos mais importantes compositores do Brasil, nascido em Teresina, PI. 
A vida vivida por Torquato foi uma vida triste, sorumbática. Sofreu na alma o que o corpo não sofreu: a crítica exagerada contra si e sua obra, enquanto vivo.
Em 1968, Torquato compôs com Edú Lobo Pra Dizer Adeus. A letra e a melodia são uma flechada envenenada nos corações românticos. A denominada rainha da fossa, Waleska (1941-2016), gravou essa canção que lá pra frente, diz: "Adeus/ Vou pra não voltar/ E onde quer que eu vá/ Sei que vou sozinho/ Tão sozinho amor/ Nem é bom pensar/ Que eu não volto mais/ Desse meu caminho...".
Nessa mesma linha, profundamente denunciante do estado espiritual vivido, a cantora Maysa (1936-1977) cantou com a voz cheia de lágrimas Bom Dia Tristeza, do carioca Vinícius e do paulista Adoniran. Um pedaço da letra morrente, este: "Bom dia tristeza/ Que tarde tristeza/ Você veio hoje me ver/ Já estava ficando/ Até meio triste/ De estar tanto tempo/ Longe de você...".
Antes dos tempos acima citados, em 1956 a carioca Dóris Monteiro gravou coisas tocantes aos corações dos apaixonados, suicidas ou quase suicidas.
A canção Melancolia, de Fernando César, traz a tristeza no seu estágio maior: o anúncio do suicídio. Um trecho: "Melancolia/ Tristeza e pena não sei de quem/ Melancolia/ Saudade amarga talvez de alguém/ Melancolia/ Que chega um dia para ficar/ Fica morando e torturando até matar...".
Melancolia faz parte do disco de 10 polegadas, Confidências de Dóris Monteiro, produzido pelo compositor mestre Braguinha (capa lado).
A morte está em tudo quanto é lugar. Até na imaginação dos doidos, e desde sempre. Desde que vida é vida. E falar de morte tem ou tinha de ser algo natural, como falar de sexo e medo.
A morte, repito está em todo lugar. E em todos os pensamentos.
Acho que foi o filósofo Camus que um dia perguntou, num texto que escreveu, não lembro qual: Quem nunca pensou em suicídio?
Eu mesmo, quando fiquei cego dos olhos, pensei ir pra casa do caralho. Moro no 7º andar de um prédio localizado no bairro de Campos Elíseos, em São Paulo. Fui ajeitando a cabeça e, por incrível que pareça, acho que ainda estou vivo. SIM, A VIDA É DE MORTE
O poeta mineiro Alphonsus de Guimaraens teve uma vida muito triste. Apaixonou-se por uma prima que morreu com 17 anos de idade. Casou-se e teve vários filhos e filhas. Duas se suicidaram como ele, em 1921. Tinha 51 anos.
Um dos poemas mais famosos de Guimarães é Ismália, que teve três versões. Duas dessas versões traziam como título do poema Ofélia. Somente em 1923, há 100 anos portanto,  é que se tornou conhecida a versão intitulada Ismália. É dolorosamente linda. Simbolista, o texto poético trata de um suicídio. 
Uma das gravações mais bonitas dessa obra foi feita pela cantora paulistana Inezita Barroso e mais recentemente pelo rapper Emicida que teve a companhia ilustre da atriz Fernanda Montenegro, declamando. Ouça: https://youtu.be/4pBp8hRmynI
O famoso poema de Alphonsus de Guimaraens ganhou versão especial para animação, desenvolvida pelo quadrinista Reinaldo Bruxxo. Confira: https://youtu.be/WKazkwgbA14
Em alguns textos musicais autores como Fernando Brant optam por devolver a vontade de viver a pessoas ou personagens inclinados ao suicídio. Caso desse tipo se acha, por exemplo, na canção Travessia, imortalizada pelo cantor Milton Nascimento. Lá pras tantas diz a letra: "... Eu não quero mais a morte/ Tenho muito o que viver/ Vou querer amar de novo...".
Mas nem tudo é morte o tempo todo na nossa música popular. Aqui e acolá, há até umas gracinhas como cantou o cearense Belchior: "Ano passado eu morri/ Mas esse ano eu não morro..." (Sujeito de Sorte). Isso foi em 1976, do LP Alucinação. 
Em 2019 Emicida, mais uma vez Emicida, fez uma revisita à canção do cearense Belchior. A gravação rebatizada à moda do rapper, Amarelo, contou com a presença da cantora Majur e Pabllo Vittar. Lá pras tantas, depois de dizer que "Belchior tinha razão!", manda ver: "... Rancor é igual tumor, envenena raiz/ Onde a plateia só deseja ser feliz/ Com uma presença aérea, onde a última tendência/ É depressão com aparência de férias...".
Atenção! Atenção!
Dados do Datasus mostram que nos últimos 20 anos o número de suicídios dobrou no Brasil. Foram de 6.780 a 14.840, de 2000 a 2021. Esses números são superiores aos de mortes provocadas por acidentes de moto e HIV. Na região Norte se suicidam mais homens com idade superior a 60 anos. No Nordeste, são mulheres que mais se matam a partir dessa idade.
E como sempre, por não ter o que fazer, fiz hoje o poemeto abaixo:

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