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domingo, 24 de setembro de 2023

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (44)

Assis e Tinhorão num ano qualquer dos 80
É tudo muito simples
Mas também é complicado
Viver é um perigo
Pra quem anda descuidado
O casal do Paraíso
Pecou foi castigado...


Adão e Eva Eva e Adão viviam em paz, tranquilos, pulando, se divertindo como ninguém jamais tinha feito. Até porque não havia ninguém, à exceção do casal cá em pauta. Os dois comiam de um tudo: macaxeira, inhame, batata-doce e outros legumes; verduras e frutas de todo tipo. Só uma coisa o Criador, com seus caprichos, pediu que não comessem: uma tal de maçã.
José Ramos Tinhorão, de batismo José Ramos, foi um paulista nascido em Santos no dia 7 de fevereiro de 1928. Estudou Direito e Jornalismo. O tempo o levou a optar pelo Jornalismo. Saiu-se bem. A sua sede pelo conhecimento o levou a devorar todo tipo de livro, incluindo os que tratavam de economia e política. Descobriu Marx muito cedo e cedo virou comunista sem ativismo, pois gostava mesmo era de uma vida calma, do mar e de mulher bonita desfilando por perto. E da boa música popular da nossa terra.
Tinhorão alimentava a certeza de que Marx foi o homem mais importante do mundo. Pra não brigar, aceitava a ideia de que outro homem dividiu sua importância com Marx: Jesus, o Cristo.
Os escritos de Tinhorão seguiam a linha marxista-leninista. Era firme em tudo que dizia da boca pra fora e também nos escritos que produzia para jornais e revistas. Deixou 29 livros publicados, entre os quais um em três volumes (A Música Popular no Romance Brasileiro). Todos imprescindíveis na estante de quem queira descobrir as raízes culturais-musicais do Brasil.
Antes de publicar seus livros, Tinhorão ganhava a vida produzindo textos especiais para periódicos do Rio. Pra valer, como profissional, teve seu primeiro trabalho em Carteira chancelado pelo Diário

Carioca e depois pelo Jornal do Brasil, onde passou a assinar uma coluna sobre música popular. Conheceu grandes jornalistas e escritores como o pernambucano Nelson Rodrigues, que um dia o faria personagem de uma peça transformada em filme (1981) e minissérie (1995) da TV Globo: Engraçadinha, seus Amores e seus Pecados.
Corriam os anos de 58, 59.
Em 1963, José Ramos Tinhorão também assinava textos para revistas como Chuvisco que tinha entre seus editores o gaúcho Tarso de Castro, que na segunda parte dos anos 1970 criaria e editaria o suplemento dominical do paulistano Folha de S.Paulo.
Na revista Chuvisco, Tinhorão publicou um texto que intitulou Gênesis. Já aí mostrava a sua graça refinada com um quê de ironia. Uma das vítimas foi, ninguém mais ninguém menos, Deus. O texto começa assim:

"A história da Criação ainda não está bem explicada. Talvejz devido a pressa (o mundo foi feito em seis dias, apenas) muita coisa custa hoje a ser compreendida, mesmo levando em conta que é muita pretensão do Homem querer julgar a obra de Deus como o Sr. Agripino Grieco julgava a do escritor Ataulfo de Paiva. No entanto, de tanto ouvirmos dizer que os homens foram criados por Deus, por exemplo, uma coisa desde logo não se explica: por que, se o objetivo era criar os homens, o Senhor foi criar também uma mulher?"

Coisa de comunista, não é mesmo?
Não é certo, mas dizem os cristãos que Deus criou todos e tudo mais. Começou num domingo criando o Céu e a Terra. Depois a luz, os mares, peixes e tudo que se bole abaixo e acima de nós. Cometas, estrelas e tal. E nós. Teria dito: "Faça-se o homem". E o homem se fez. Para que nós homens não ficássemos sós, Deus com sua bondade infinita tirou uma das nossas costelas e com ela fez a mulher para nos acompanhar até o Inferno.
A história do mundo todo mundo já contou, de todas as maneiras. Incluindo a origem do primeiro pecado. E é aí que vem a história da maçã e a história da serpente.
Foi Eva que hipnotizada pela serpente decidiu dar de presente uma maçã a seu companheiro?


O cartunista Fausto vê nesse ⁶episódio o coitado Adão como culpado. Sobraria pra quem? Pra uma mulher, Eva é claro.
Enfim, o casal acaba sendo expulso do Paraíso e segue a vida trabalhando pra se sustentar. Ordem do Senhor.
Adão e Eva tiveram uma porrada de filhos, entre eles Abel e Caim.
Enquanto a prole do primeiro casal da história crescia com incestos e outras barbaridades, surgiam desavenças, ódio, ciúme, inveja, assassinato, o escambau. É o que se vê hoje, aliás.
São, no mínimo, curiosas as observações de Tinhorão no tocante à criação do homem e da mulher. Lá pras tantas, ele diz:

"...depois de ter feito a luz, o firmamento, as águas, a terra, as árvores, a lua, as estrelas, as aves e os peixes, o Criador verificou que não havia ninguém para acreditar em Deus. Essa teria sido, pois, a verdadeira razão do Senhor ter feito o primeiro homem "ad similitudinem suam", isto é, tão a sua semelhança, que em pouco tempo os seus descendentes sairiam criando deuses com a mesma facilidade com que Ele havia criado os homens".
Cá pra nós: sempre achei que Tinhorão via muito além do próprio nariz com graça e algo mais.
Quem poderia imaginar que este nosso mundinho um dia iria se complicar mais e mais com a presença do homem e da mulher?

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