É tudo muito simplesAssis e Tinhorão num ano qualquer dos 80
Mas também é complicado
Viver é um perigo
Pra quem anda descuidado
O casal do Paraíso
Pecou foi castigado...
Adão e Eva Eva e Adão viviam em paz, tranquilos, pulando, se divertindo como ninguém jamais tinha feito. Até porque não havia ninguém, à exceção do casal cá em pauta. Os dois comiam de um tudo: macaxeira, inhame, batata-doce e outros legumes; verduras e frutas de todo tipo. Só uma coisa o Criador, com seus caprichos, pediu que não comessem: uma tal de maçã.
José Ramos Tinhorão, de batismo José Ramos, foi um paulista nascido em Santos no dia 7 de fevereiro de 1928. Estudou Direito e Jornalismo. O tempo o levou a optar pelo Jornalismo. Saiu-se bem. A sua sede pelo conhecimento o levou a devorar todo tipo de livro, incluindo os que tratavam de economia e política. Descobriu Marx muito cedo e cedo virou comunista sem ativismo, pois gostava mesmo era de uma vida calma, do mar e de mulher bonita desfilando por perto. E da boa música popular da nossa terra.
Tinhorão alimentava a certeza de que Marx foi o homem mais importante do mundo. Pra não brigar, aceitava a ideia de que outro homem dividiu sua importância com Marx: Jesus, o Cristo.
Os escritos de Tinhorão seguiam a linha marxista-leninista. Era firme em tudo que dizia da boca pra fora e também nos escritos que produzia para jornais e revistas. Deixou 29 livros publicados, entre os quais um em três volumes (A Música Popular no Romance Brasileiro). Todos imprescindíveis na estante de quem queira descobrir as raízes culturais-musicais do Brasil.
Antes de publicar seus livros, Tinhorão ganhava a vida produzindo textos especiais para periódicos do Rio. Pra valer, como profissional, teve seu primeiro trabalho em Carteira chancelado pelo Diário
Corriam os anos de 58, 59.
Em 1963, José Ramos Tinhorão também assinava textos para revistas como Chuvisco que tinha entre seus editores o gaúcho Tarso de Castro, que na segunda parte dos anos 1970 criaria e editaria o suplemento dominical do paulistano Folha de S.Paulo.
Na revista Chuvisco, Tinhorão publicou um texto que intitulou Gênesis. Já aí mostrava a sua graça refinada com um quê de ironia. Uma das vítimas foi, ninguém mais ninguém menos, Deus. O texto começa assim:
"A história da Criação ainda não está bem explicada. Talvejz devido a pressa (o mundo foi feito em seis dias, apenas) muita coisa custa hoje a ser compreendida, mesmo levando em conta que é muita pretensão do Homem querer julgar a obra de Deus como o Sr. Agripino Grieco julgava a do escritor Ataulfo de Paiva. No entanto, de tanto ouvirmos dizer que os homens foram criados por Deus, por exemplo, uma coisa desde logo não se explica: por que, se o objetivo era criar os homens, o Senhor foi criar também uma mulher?"
Coisa de comunista, não é mesmo?
Não é certo, mas dizem os cristãos que Deus criou todos e tudo mais. Começou num domingo criando o Céu e a Terra. Depois a luz, os mares, peixes e tudo que se bole abaixo e acima de nós. Cometas, estrelas e tal. E nós. Teria dito: "Faça-se o homem". E o homem se fez. Para que nós homens não ficássemos sós, Deus com sua bondade infinita tirou uma das nossas costelas e com ela fez a mulher para nos acompanhar até o Inferno.
A história do mundo todo mundo já contou, de todas as maneiras. Incluindo a origem do primeiro pecado. E é aí que vem a história da maçã e a história da serpente.
Foi Eva que hipnotizada pela serpente decidiu dar de presente uma maçã a seu companheiro?
O cartunista Fausto vê nesse ⁶episódio o coitado Adão como culpado. Sobraria pra quem? Pra uma mulher, Eva é claro.
Enfim, o casal acaba sendo expulso do Paraíso e segue a vida trabalhando pra se sustentar. Ordem do Senhor.
Adão e Eva tiveram uma porrada de filhos, entre eles Abel e Caim.
Enquanto a prole do primeiro casal da história crescia com incestos e outras barbaridades, surgiam desavenças, ódio, ciúme, inveja, assassinato, o escambau. É o que se vê hoje, aliás.
São, no mínimo, curiosas as observações de Tinhorão no tocante à criação do homem e da mulher. Lá pras tantas, ele diz:
"...depois de ter feito a luz, o firmamento, as águas, a terra, as árvores, a lua, as estrelas, as aves e os peixes, o Criador verificou que não havia ninguém para acreditar em Deus. Essa teria sido, pois, a verdadeira razão do Senhor ter feito o primeiro homem "ad similitudinem suam", isto é, tão a sua semelhança, que em pouco tempo os seus descendentes sairiam criando deuses com a mesma facilidade com que Ele havia criado os homens".Cá pra nós: sempre achei que Tinhorão via muito além do próprio nariz com graça e algo mais.
Quem poderia imaginar que este nosso mundinho um dia iria se complicar mais e mais com a presença do homem e da mulher?