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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

ANA BERNARDO, INTÉRPRETE DE PAULO VANZOLINI

Como previsto, o espetáculo poético-musical com o especialíssimo dublê de cientista e compositor aclamado Paulo Emilio Vanzolini ontem à noite no palco do teatro Fecap, no bairro da Liberdade, cá em Sampa, foi simplesmente primoroso.
O autor de Ronda e Volta por Cima e de mais cinco dezenas de títulos que formam uma obra musical singular iniciada nos 40, e que nos enobrece e enobrece também o País hoje musicalmente tão judiado, espoliado, esteve totalmente à vontade numa mesinha à esquerda do palco, cervejinha à mão e à goela, por cerca de hora e meia perante umas 400 pessoas de idades diversas, desde o adolescente curioso à avó saudosa e o tiozinho íntimo de suas belas (e bem-feitas) canções.
“Esse é o meu público”, frisou feliz uma hora Paulo, retribuindo com humildade os aplausos que recebia de maneira quase intermitente a cada intervenção que fazia, ora para declamar um trecho do livro Tempos de Cabo, ora para cantarolar e contar causos e a história de algumas de suas músicas famosas como Cravo Branco, que nasceu a partir de uma observação colhida de uma empregada doméstica.
Aliás, também de uma simples observação do ato de bater carteiras dos incautos que transitavam na Praça Clóvis Bevilácqua e redondezas nos anos 60 de chumbo, na capital paulista, surgiu Praça Clóvis, samba de valor reconhecido até pelo turrão Adoniran de Saudosa Maloca e Trem das Onze, que chegaria a ganhar uma música em sua homenagem (Seu Barbosa), feita pelo próprio Paulo a pedido do cantor, compositor e instrumentista Luiz Carlos Paraná (1932-70), seu amigo e autor de Cafezal em Flor (gravada pela dupla Cascatinha & Inhana e tantos) e Maria, Carnaval e Cinzas (defendida por Roberto Carlos no III Festival de Música Popular Brasileira, em 1966), entre outras.
A parte musical propriamente dita do espetáculo de ontem, a cargo do impecável grupo formado por Ítalo Perón (violão e arranjos), Jayme Saraiva, Pratinha (flauta e bandolim) e Adriano Busko (percussão), foi, digamos, algo inesquecível.
Sim, um show à parte foi a apresentação de Ana Bernardo.
Ela estava iluminada. Correta na voz e postura.
Os músicos, completamente afinados uns com os outros, pareciam brincar em cena.
O entrosamento deles com a experiente cantora em palco foi mais do que perfeito.
Ana é filha de Arthur Bernardo (1930-90), lendário violonista integrante de primeira hora do longevo grupo paulistano Demônios da Garoa.
Ela iniciou a noite cantando os sambas Chorava no Meio da Rua, Longe de Casa e Samba Erudito.
Após a primeira intervenção de Paulo, ela prosseguiu cantando Cara Limpa, Cravo Branco, Boca da Noite e Cuitelinho.
Nesse ponto, uma nova pausa para o autor de Capoeira do Arnaldo revelar à platéia que essa toada deve ser creditada também a outro autor, Antônio Xandó.
E por aí seguiu a noite feito criança, como dizem os poetas e boêmios em geral.
Quem não foi perdeu inclusive a apresentação de Pedacinhos do Céu.
Nesse ponto, uma informação adicional:
Num dos nossos encontros há anos, Paulo perguntou se eu conhecia o chorinho de Waldir Azevedo e se eu poderia lhe fazer uma cópia do original. Fiz e o resultado foi o que Ana nos brindou.
Detalhe: Paulo contou que durou uns 25 anos a sua luta para terminar a letra de Pedacinhos do Céu.
Eu passei uns 25, para concluir Pascalingundum! Os Eternos Demônios da Garoa.
Após o espetáculo, Paulo passou a atender o público no hall do teatro, autografando Tempos de Cabo, que trata de seus tempos... de cabo do Exército. É desse período, em ronda a cavalo pela região central da cidade, o famoso samba-canção que Inezita Barroso gravou em agosto de 1953, no seu segundo disco de 78 RPM, sete anos depois de composto.
A fila parecia não acabar nunca.
Deparei-me com vários amigos nela, como Vicente Dianezzi, da velha Folha de S.Paulo, e amigas como Geisa, companheira eterna de mestre Lourenço Diaféria (“inventor da crônica paulistana”), meu amigo querido e a quem dedico o livro Pascalingundum!
Pascalingundum também é dedicado a Paulo, , diga-se, o “intelectual do samba e da vida, co-autor da Teoria dos Refúgios, segundo a qual as mudanças climáticas em florestas contínuas, como a Amazônia, fragmentam formações vegetais que causam especiação e, consequentemente, enriquecem a biodiversidade da nossa América”.
Grande noite a de ontem, no teatro da Fecap.
Quero mais!

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