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segunda-feira, 26 de junho de 2023

A VIDA POR JOÃO CARLOS PECCI (1)

Falar com o paulistano João Carlos Pecci é uma alegria. Cabra bom, de boa formação e otimista. É um velejador da vida, do mar. É um dos filhos do casal Nico e Diva. Tem um irmão famoso: Toquinho, compositor e violonista dos bons, conhecido em boa parte do mundo, parceiro eterno do poetinha Vinícius.
Esse João de quem falo é da safra de 42. Em 1965, na PUC, fez o curso de Ciências Econômicas. Sempre foi alegre, despachado. Conhece muita gente, muitos artistas. Sente saudade de Vandré, parceiro de Toquinho (Presença). "Conheci Geraldo Vandré no Guarujá, carnaval de 1968. Ele tornou-se amigo de minha turma, afável, carinhoso, divertido. Disponível em muitos momentos de vários dias. Depois o vi somente em 1976, levado à minha casa por uma amiga. Era um outro Vandré".
Após concluir Ciências Econômicas, João Carlos Pecci enveredou pelo caminho do Direito, mas não foi longe. Um acidente de automóvel, na Via Dutra, mudaria sua vida. Tinha 26 anos de idade. "... Eu cochilei na direção, meu Fusca derrapou dando várias voltas. Em consequência, deu-se uma lesão medular na altura da 6ª vértebra cervical e eu fiquei paraplégico", lembra.
A literatura e as artes plásticas alcançaram João após o lamentável acidente. Já publicou meia dúzia de livros. O primeiro: Minha Profissão é Andar (Summus; 1980). Também lançou à praça um monte de quadros. A geometria é a marca da sua obra. "De 1972 a 1978 expus meus quadros na Praça da República, numa época romântica e artesanal. Depois comecei a expor em galerias e meus quadros passaram a ser valorizados. Hoje os divulgo nas redes sociais recebendo retornos elogiosos e compensadores".
Em raras ocasiões, João também inventa de compor. Tem músicas gravadas por Paulinho Nogueira (Caminhantes) e Toquinho (O Robô, Doce Martírio e Além do Portão).
O sonho, a vontade de fazer coisas move João Carlos Pecci a seguir firme na vida. "Sonhar é renovar caminhos e esperanças. Ai daquele que deixa de sentir o aroma desse perfume...", ele diz.

A partir de hoje e até quinta-feira, os amigos seguidores deste Blog terão a oportunidade de acompanhar a entrevista que fiz com o João.

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João Carlos Pecci e o irmão, Toquinho
ASSIS ÂNGELO: Fale um pouco a respeito dos seus pais e irmãos. Em que bairro de São Paulo você nasceu e quando?

JOÃO CARLOS PECCI: Eu nasci em 1942. Morava no bairro do Bom Retiro, reduto de famílias italianas, na época. Minha mãe, Diva, falecida aos 92 anos. Mulher ativa, doadora para o marido e para os filhos. Não media esforços para dar aos filhos carinho e proteção. Tocava violino, minha mãe, e era uma grande modista. Meu pai, Antonio, conhecido como Seu Nico. Viveu bem e forte até 94 anos. Um homem além de seu tempo. Agregador, liberal, fascinado por livros, música e cinema. Tornou-se até um cinegrafista amador, na época, coisa incomum. Deixou para a família, em filmes, momentos inestimáveis. Fazia de tudo, meu pai. Foi alfaiate, taxista, industrial e empreendedor no ramo imobiliário. Dona Diva e Seu Nico. Ela nos ensinou o amor sem limites. Ele nos ensinou a acariciar as adversidades com ternura; a amenizar as ansiedades com paciência; a buscar os objetivos com determinação; a absorver cada momento difícil para poder vencê-lo com o gosto do prazer. Eles são responsáveis pelos Homens que somos hoje, eu e meu irmão Antonio, nascido em 1946. A música o tomou desde os 13 anos, estimulado pela Bossa Nova e João Gilberto. Abraçado ao violão, tornou-se o Toquinho, violonista, compositor e intérprete, cujas músicas alcançam uma dimensão internacional. Vivemos uma infância livre, o bairro facilitava. Tudo era muito bucólico, apesar de um bairro central da cidade. Brincadeiras de rua, jogo de botão, pipa, rolimã, pega-pega. Em junho, cadeiras na calçada, balão, fogueira, quentão, batata doce. A várzea nos oferecia campos de grama e traves com rede, e o futebol impregnou-se em nós desde crianças, fanáticos pelo Corinthians. Com vários campos à disposição, a vida se abria em lampejos de prazer: nas primeiras corridas atrás da bola, na escolha dos times, no barato de constatar que tinha rede nas traves! Era diferente jogar com rede nas traves. Podia-se vibrar mais ainda nos gols vendo a bola estufá-la e correr pela extensão dela rumo ao chão. Num gol com rede nas traves, parece que a bola desliza pelo coração do jogador fazendo-o pulsar com mais força. Sem rede é como se se esquecesse um poema no fim da última estrofe. E esse poema prosseguia quando nosso pai nos levava aos treinos do Corinthians, na velha Fazendinha, onde podíamos chegar perto dos ídolos da época, Cláudio, Luizinho, Baltazar, Gilmar, e tirar fotos com eles. Mais que irmãos, tornamo-nos amigos e cúmplices em venturas e aventuras pela vida. Hoje, além de meus pais, minha esposa e minha filha, ele é um dos orgulhos de minha existência.
 

ASSIS: Fale um pouco da sua formação.

JOÃO: Completei o curso de Ciências Econômicas na PUC em 1965, com 23 anos. Trabalhava na Philips do Brasil e ao mesmo tempo cursava o 5º ano de Direito na USP, visando exercer uma atividade conciliando os dois setores, Economia e Direito. Mas, em março de 1968, com 26 anos, sofri um acidente na Via Dutra, indo para o Rio de Janeiro. Eu cochilei na direção, meu Fusca derrapou dando várias voltas. Em consequência, deu-se uma lesão medular na altura da 6ª vértebra cervical e eu fiquei paraplégico. Tive de interromper meu trabalho e meus estudos. A vida dava uma guinada de 180 graus...

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