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domingo, 16 de julho de 2023

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (31)

Nada impede que se interprete temas em duplo sentido poético ou musical em textos líricos, de amor, de paixão. Chega a ser, digamos, brincadeira ou desafio. Pode se contar uma história em versos com um quê de graça e lirismo pra se falar de uma relação sexual, por exemplo.
Os franceses criaram uma palavra para definir pessoas que sentem prazer ao observrem outras em carícias e atos sexuais. A palavra é “voyeur”. Ipsis Litteris, a definição da palavra é esta: “é a prática que consiste em um indivíduo obter prazer sexual através da observação de pessoas praticando sexo”.
No poema Sexo e Liberdade/No Jogo Louco da Paixão, eu utilizo de um personagem real (Lampião) e crio dois outros (Zilidoro e Riachão) para contar um pouco da história do Nordeste. São poetas esses dois últimos personagens. Cordelistas. Mudo um pouco o rumo da história para inserir mais dois outros personagens (Rita e Juca). Até aqui tudo em sextilha. Rita é uma moça muito bonita, fogosa, que não se faz de rogada para cair nos braços dos admiradores. Alguns até a levam pra cama, sob aquiescência do companheiro Juca. Essa primeira parte, termino ao moldes dos repentistas. Em seguida, a narrativa segue abordando mais diretamente o sentimento paixão, em quadras.
O poema é este:

Dizem que sou poeta
Bobagem! Isso não sou não
Poeta é Zilidoro
Poeta é Riachão
Que do nada fazem versos
E brincando até canção!

Zilidoro e Riachão
São da lira popular
Fazem versos de Cordel
Pra o povo apreciar
São versos bem bolados
Que dão pra rir, dão pra chorar

Eu li de Zilidoro
O Macho Alfa do Sertão
Cordel que conta tudo
A respeito de Lampião
Desde seu nascimento
Até a morte sem perdão

Não foi no Norte nem no Sul
E tampouco no Sudeste
Que um dia tombou morto
Lampião cabra da peste
Por muitos considerado
Uma praga do Nordeste

O velho Lampa derramou
Muito sangue pelo chão
Seu prazer era matar
Inclusive sem razão
Mais prazer teria tido
Se tivesse um bom canhão

Mas canhão ele não tinha
Tinha só muito poder
E uma moça bonita
Que jamais pensou perder
Por ela faria tudo
Se preciso até morrer

Riachão por sua vez
Detestava hipocrisia
Detestava o que não presta
Pelo bem da fantasia
Seu cordel A Quenga Pura
Tem bastante putaria

O cordel começa assim:
Leitor preste atenção
No que ora vou contar
É um causo de traição
Provocado por um corno
Chamado Juca Pavão

Rita mulher do Juca
Era linda como a lua
Andava se balançando
Sem vergonha quase nua
Era fácil gostar dela
Daquele jeito na rua

Seu andar bamboleante
Provocava sensação
Uns a levavam pra cama
Outros ficavam na mão
Rita rindo punha galhos
Na testa do seu Pavão

Mas ele não ligava
Pois gostava era de ver
Rita nos braços dos outros
Se desmanchando em prazer
Pra ele era tudo
Que um corno podia ter

Mas deixa isso pra lá...
Pois poeta não sou não
Poeta é Zilidoro
Poeta é Riachão
Cujos versos eles tiram
Com delicadeza do chão

Chão bom tem o Nordeste
Coisa boa é meu torrão
Semente bem plantada
Na terrinha dá pirão
É por isso que dou vivas
Aos poetas pés no chão

Poetas plantam versos
E também paz e paixão
Plantam sonhos e desejos
De inverno a verão
Dá tudo o que se planta
Quando cai chuva no chão

Dá romã, dá siriguela
Dá maçã em bananeira
Dá cana, caju e cajá
E manga em pitombeira
Só não dá se não plantar
Buraco na buraqueira

Mas chega de conversa!
Eu não sou poeta não
Poeta é Zilidoro
Poeta é Riachão
Pra vocês o meu abraço
E um beijo no coração



Mais ainda posso falar
De amor e sedução
De prisão e liberdade
De Justiça e traição
Pra mim falar é fácil
Até mesmo de paixão

Paixão é mal que pega
Ou um bem que faz tremer
Um ser apaixonado
De repente sem querer?

Quem na vida nunca teve
Um xodó, uma paixão
Um amor destemperado
Mal criado, sem razão?

A razão não tem espaço
Nos domínios da paixão
— E o ser apaixonado?
— É bicho besta sem noção!

Até eu posso dizer
Sem temer estar errado
Que já vi um bicho desse
Choramingando, coitado!

Não há quem não se fira
Nos espinhos da paixão
Espinhos que deixam marcas
Indeléveis no coração

Se alguém lhe perguntar
O que diacho é paixão
Diga logo: É um trem bala
Disparado na contra mão!

Pra que fique muito claro
Clara é a conclusão:
A paixão é uma fada
Com garras de gavião!

Dito isso, não se perca
Não se meta em confusão
Ninguém escapa ileso
Aos caprichos da paixão

Quem avisa amigo é:
Ninguém se perde no baião
Ninguém se perde no batuque
Mas se perde na paixão

Se não crê no aqui dito
Solte freios e direção
Caia na buraqueira
E nos domínios da paixão

 

Ilustração de Fausto Bergocce

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