Eis aqui uma notícia breve, curta, incisiva sobre um pedaço da tragédia brasileira. Um ato de extraordinária movimentação, que se inicia com as cenas iluminadas da esperança a explodir nas ruas, nos rostos pintados dos meninos, no grito do povo geral reunido nos comícios e termina frêmito de medo que percorre as praias cariocas assoladas pelos arrastões.
O Brasil mudou nesses vinte dias? De um modo ou de outro, mudou.
Collor escorraçado do Palácio do Planalto, onde permanecera por mais de dois anos a esbanjar a vaidade e a arrogância de pequeno ditador de província, não significou apenas a mudança que todos esperamos seja definitiva para a Casa da Dinda. Na esteira de seus passos, na retirada humilhante, cresceu o clamor popular contra a impostura, a safadeza, o furto descarado de um grupo que, ao invés de um projeto político, tinha montado uma quadrilha para assaltar o poder.
Naquele instante o povo se apropriava do direito secularmente usurpado da cidadania. Como nunca acontecera antes, em nossa História, o povo falou pela boca de juizes e parlamentares. As instituições se dignificaram ao interpretar o clamor das ruas. Então, houve uma importante, importantíssima mudança.
Mas a tragédia brasileira não se encerra nesse ato de afirmação popular. O rastro de miséria deixado por Collor em sua passagem apenas marcou mais fundo a miséria secular que atinge a imensa maioria do nosso povo.
Mal Itamar Franco sobe ao poder, caem as bolsas de valores e sobe a cotação do dólar no câmbio negro, numa imediata demonstração de que os donos da riqueza não estão dispostos a perder nada. Com Collor ou sem Collor, a chamada elite quer continuar no seu bem-bom, mesmo que pairando sobre o abismo da miséria mais abjeta. Por isso, um ministério formado em sua maioria por "desconhecidos", alguns até nordestinos, a assusta. E faz com que ela se previna do jeito que sempre fez; remarcando os preços. Porque - a velha história pode vir por aí algum pacote.
Tudo isso acontece enquanto o país navega da esperança à frustração, da alegria dos cara-pintadas ao ranger de dentes do inferno superlotado da Casa de Detenção de São Paulo e do ódio que apagou o sorriso das crianças da Febem.
Assis Ângelo, jornalista, nos dá a notícia que já é história, no livro curto que é um registro, um lembrete, um corte que sintetiza em vinte dias uma tragédia de cinco séculos.
Em flashes, ele nos dá conta das coisas acontecidas nesses vertiginosos dias: o povo nas ruas, à espera do momento de libertar o grito de vitória pela queda de Collor; três dias depois, a descida ao inferno de fogo e sangue da Casa de Detenção; a posse desajeitada do novo presidente e a escolha de seus ministros; a constatação, pelo ministro do Trabalho, de que o salário mínimo é seis vezes menor do que deveria ser o justo e necessário, mas que não há jeito a dar nessa miséria, porque o país não tem com que pagar; o vôo que levou Ulysses Guimarães e com ele muitas das esperanças por um país mais digno.