Eu tive dois grandes professores: Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) e
José Ramos Tinhorão (1928-2021).
Aprendi, aprendi muito com eles.
Cascudo me apresentou o Nordeste como ele é e Tinhorão, a história do Brasil a
partir da nossa música popular. Como ela é.
O Brasil é o 5º maior país do planeta, territorialmente e populacionalmente
falando.
Somos um povo que vive num lugar sem terremotos e tsunamis.
Somos um povo simples e trabalhador.
Somos um povo de gênios, em todos os cantos da vida cotidiana. E multifacetado.
Fiquei triste, muito triste quando Cascudo partiu para a Eternidade.
Também fiquei triste quando Tinhorão partiu para a Eternidade.
Perdi meu pai e minha mãe há muito tempo.
Eu era menino de calça curta quando os meus pais partiram.
Ele Severino, ela uma Maria.
O luto faz parte da minha vida. Até parece que o luto me persegue: além dos
meus pais, perdi irmãos e muita gente querida. E agora lá se vai Tinhorão.
Toda perda é luto.
Fiquei de luto quando perdi o par de olhos que iluminava a minha cara redonda
de nordestino desembestado na vida.
Maria Rosa, aposentada historiadora da USP e companheira de Tinhorão por
muitos anos, telefonou-me para falar do sucedido.
Tinhorão sofreu um AVC no domingo de 27 de janeiro de 2019. Dois dias antes,
ele esteve comigo bebericando vinho.
"Ele sofreu muito, antes de morrer", disse-me Maria.
Tinhorão morreu num hospital do Alto da Lapa, SP.
Pra muita gente, ele era um intelectual raivoso. Não era. Quem privou da
sua amizade sabe disso. Na verdade, na verdade, ele era um tremendo
brincalhão.
Um dia, Tinhorão chegou cá em casa dizendo que estava cansado da vida. "Acho
que estou ocupando espaço alheio", disse. E disse sério. Acrescentando: "Ser
velho é uma merda!".
Tinhorão era ateu.
A obra desse brasileiro é importantíssima, toda desenvolvida pelo viés
marxista-leninista.
Tinhorão dedicou todo o seu tempo a entender e explicar o Brasil, para brasileiros. Houve momentos que sofreu com isso, sofreu por sentir-se incompreendido. Muito.
Chamavam-no de crítico musical. Ele não gostava disso. "Eu sou um historiador", disse-me mais de uma vez.
Tinhorão acreditava no povo e na força do povo. Casou-se com a filha de um
general... Não deu certo. Um dia disse à mulher: "Eu vou ali à padaria e volto
já". E não voltou.
Eu conheci José Ramos Tinhorão num dia qualquer de 1976 ou 1977. No tempo em
que morava numa kitnet da rua Maria Antônia, centro paulistano.
Viramos amigos, desde então.
O tempo passou e surpresas o tempo me deu. Fiquei cego, dos olhos. Só dos
olhos. Ao saber disso, Tinhorão ficou mais perto de mim. E eram boas as horas
que passávamos conversando, trocando ideias. "Você é um menino", provocava. E
rindo, "O que vamos ler hoje?". E aí pegava um livro, dentre milhares que há
aqui em casa, e lia.
Tinhorão e Fausto, no Instituto Memória Brasil |
Cá em casa foram muitas as vezes que a Tinhorão apresentei pessoas, como
Geraldo Vandré e Audálio Dantas. E tanta gente.
Certa vez, numa discussão agradabilíssima, Vandré tentou negar ter sido
bossa-novista. Tinhorão riu. E explicou cantando várias músicas do repertório
do primeiro LP do autor de Pra Não Dizer que Não Falei de Flores. Ao fim,
rimos todos.
Lembro de Tinhorão ouvindo atentamente o mineiro Téo Azevedo tocando viola e
cantando, cá em casa.
Lembro também de Tinhorão ouvindo atentamente o cartunista Fausto. E Fausto
encantado, dizendo: "Que alegria lhe conhecer, Tinhorão".
Muitas e muitas são as histórias que tenho com Tinhorão.
Em agosto de 2015, recebi um colega do Estadão para falar coisas. Lá pras tantas, chegou Tinhorão. Era uma sexta-feira. Por favor, leiam: Depois de ficar cego, Assis Ângelo luta para digitalizar acervo
É isso.
Ah, sim! Ia me esquecendo: meu amigo, minha amiga, você já ouviu Querelas do
Brasil? Clique:
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