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sábado, 19 de novembro de 2022

A PRESENÇA DO NEGRO NA IMPRENSA BRASILEIRA (2)

Mariana Aldano
No próximo domingo (20/11), Dia da Consciência Negra, Mariana Aldano e duas colegas suas, Denise Thomaz Bastos e Gabriela Dias, vão apresentar um programa especial na TV Globo, logo depois do Fantástico: Sons de São Paulo. Esse programa tratará do que se refere o título, ou seja, da presença dos negros nos mais diversos cantos da Capital paulista.
Sobre a música de São Paulo, leia: SÃO PAULO EM VERSO, PROSA E MÚSICA, que publiquei no dia 24 de janeiro de 2022 como especial do Jornalistas&Cia.
Ao ator Davi de Almeida, outrora repórter cinematográfico da TV Globo e de outras tevês em São  Paulo, perguntei se em algum momento de sua vida fora de algum modo discriminado, na Redação ou fora da Redação. Depois de dizer que nunca foi discriminado, que nunca o viram com preconceito, disse: “Na vida há espaço para todos. O universo está aí à disposição pra realizar tudo o queremos ser. Feliz com o reconhecimento e as conquistas dos negros, que cada vez mais estamos ocupando espaços em todos os setores, inclusive no audiovisual. Somos todos iguais nessa vida de meu Deus e perante a Constituição”.
Trabalhei com Davi na Globo e dele guardo belíssimas imagens. Como ator, Davi de Almeida brilha nas séries PSI (2014), Beleza S/A (2013), Pico da Neblina (2019), Hebe (2019) e nos filmes VIPs (2010) e Carcereiros (2019).
Jorge Araújo é baiano como Davi de Almeida. Disse que nunca sofreu discriminação nenhuma entre colegas. Como baiano, aqui e acolá, foi visto por olhares preconceituosos e discriminadores. “Mas isso faz parte da vida”, diz ele.
Trabalhei com Jorge, na Folha. Século passado. Jorge Araújo é repórter fotográfico dos melhores do
Davi de Almeida com a atriz Brenda Lígia Miguel
Brasil e do mundo. Tem quase 50 prêmios, nacionais e estrangeiros, ganhados no decorrer da vida profissional. É dele a famosa foto da Pomba da Anistia. E diz, a mim: “Trabalhei durante 40 anos na redação da Folha de S.Paulo. Eu contei nos dedos de uma mão quantos profissionais de cor negra trabalharam ao meu lado e em cargos de chefia. Dados do Perfil Racial da Imprensa Brasileira mostram que a maioria da categoria (77,1%) é branca, segundo dados do IBGE. Em 40 anos na editoria de  Fotografia da Folha, somente dois negros trabalharam ao meu lado. Eu, como pardo declarado em minha carteira de identidade, nunca sofri nenhum preconceito pela minha cor. Num país com 56% de negros (IBGE), o Nordeste é o que mais emprega jornalistas negros, com 39%. Norte, 25%, Oeste, 21%, e Sul, apenas 5%. Na Semana da Consciência Negra é muito triste ver as pesquisas do IBGE. Precisamos caminhar mais 100 anos para equipararmos esta tragédia profissional”.
Na Folha trabalhei também com o craque Ubirajara Júnior, repórter policial. E nas horas vagas, contista. Na Folha trabalhei também com o fotógrafo pernambucano Manuel Isidoro, que se vangloriava de ser impoluto perante as mulheres. Era um cara cheio de graça, que já está no céu.
Jornalistas negros fizeram história, inclusive na Paraíba.
O primeiro presidente negro do Sindicato dos Jornalistas da Paraíba, Sindjorp, foi João Bosco Gaspar (1947-2018). Trabalhei com ele, no tempo em que ele era editor geral do jornal Correio da Paraíba, hoje portal na internet, e eu editor de Local.
Local era o nome que se dava, na Paraíba, à editoria que reunia notícias da cidade. No caso, 
Jorge Araújo
especificamente, João Pessoa.
João Bosco foi uma figura muito conhecida e polêmica.
Figura conhecida e também polêmica foi o paraibano de Santa Rita Severino Ramos Pedro da Silva, por todos chamado de Biu Ramos. Também trabalhei com ele. Biu Ramos (1938-2018) iniciou a carreira de jornalista como datilógrafo do promotor público Ivaldo Falconi, editorialista do jornal Correio da Paraíba. E foi então que ele, a partir daí, foi contratado como redator do jornal. E aí tudo ficou mais fácil. Biu Ramos escrevia muito bem, mas era um chefe ranheta. Detestava burrice. Uma de suas frases mais conhecidas é esta: “[...] A vida roda, até a consumação dos séculos, para sempre, sem fim, amém [...]”. O jornalista Biu Ramos não conheceu o poeta Augusto dos Anjos, mas conheceu e entrevistou o romancista paraibano, autor de Menino de Engenho e Fogo Morto, Zé Lins do Rego. O texto memorial que Biu faz sobre Zé Lins é memorável. Começa assim:

“Lembro-me como se fosse hoje. Foi aí por volta de 1952 (eu tinha exatamente 14 anos). Era o governo de José Américo, eu havia lido em A União que o grande romancista de Pilar encontrava-se na Paraíba em visita ao seu amigo governador, de quem participara da campanha que o elegeu em 1950. Passava pouco das nove horas da manhã, eu sentado num banco em frente à igreja, quando vi parar um jipe na porta da casa-grande e dele saltar aquele corpanzil imenso, sólido e ágil, os óculos inseparáveis, a roupa de linho branco, o paletó aberto, sem gravata, tão à vontade como se estivesse entrando na casa-grande do seu avô. Nunca o tinha visto de corpo inteiro, conhecia apenas a sua cara redonda com aquele começo de sorriso, no célebre bico de pena de Luiz Jardim. Mas não tive dúvida: ‘Zé Lins’, disse comigo. ‘Meu Deus, é Zé Lins do Rego que está chegando ali, trazido por Dr. Odilon’. Senti uma emoção forte e sincera. Tanto falava dele em minhas conversas com Seu Rodolfo que toda a minha mente já estava tomada de sua narrativa sem floreios, de seus personagens familiares e de sua linguagem peculiar, que eu o considerava um desses seres distantes, inalcançáveis, que só existiam em nossa imaginação. Dois dias antes eu tinha lido um de seus artigos em A União, reproduzido de outono, no qual ele falava de coisas da Paraíba, citava José Américo. Como podia um escritor daquela dimensão, que escrevia em O Globo, que já publicara tantos livros, estar ali, à meia distância de mim? Eu me refiz do susto − e foi um susto − e decidi que iria abordá-lo, iria conversar com ele, aquele seria o meu dia de glória e da minha definitiva consagração, que haveria de ficar eternamente gravado na minha memória. E ficou. [...]”
(Do livro Memórias de Um Repórter, A União; 1994)
 
O santarritense Biu deixou sete ou oito livros publicados.
A maior parte da população brasileira é formada por pretos e pardos. Em 1872, o Brasil tinha uma população estimada em algo em torno de 10 milhões de pessoas. Mais ou menos 15% dessa população era constituída de negros escravizados.
Tem sido comum, mas não dá para nos habituarmos com frases do tipo “negro, quando não faz na
Flávio Tiné
entrada, faz na saída”. Pedi ao jornalista pernambucano Flávio Tiné, pardo, um pequeno depoimento a respeito de frases desse tipo, questões desse tipo. E ele: “Como todo pretenso escritor, me surpreendia às vezes construindo frases de caráter racista. A revisora imediatamente chamava a minha atenção para o deslize, sabedora de que não se tratava de convicção, mas de um texto mal articulado, que não levou em conta a natural convivência de pessoas de cor diferente. Tinha em minha própria casa algumas pessoas de cor preta, encarregadas das tarefas domésticas. Eram tratadas como pessoas da família, que comiam a mesma comida e participavam de festas ou comemorações com a maior intimidade. Apesar dessa comprovada experiência, algumas vezes me surpreendi chamando de coisa de preto algum procedimento pouco civilizado, como jogar papel na rua ou buzinar na frente de um hospital. Mais recentemente, tem sido comum certas pessoas se recusarem a entrar num elevador onde se encontra uma pessoa de cor preta ou má vestida. Casos do gênero aparecem diariamente nos noticiários de televisão, fartamente ilustrados com imagens. Já passou da hora de superarmos tais desencontros. Tenho certeza, ou pelo menos esperança, de que alcançaremos em breve a igualdade de tratamento entre pessoas diferentes de gênero, cor ou qualquer outra forma de identificação.”
No jornal, revista, Rádio e TV é visível a atuação de redatores e repórteres. Carlos Silvio é um
Carlos Silvio
profissional do rádio e a ele pedi um pequeno depoimento:

“’Racismo, preconceito e discriminação em geral/É uma burrice coletiva sem explicação’, diz um trecho da letra da música Racismo É Burrice, de Gabriel, O Pensador. Pois bem, o racismo existe. O racismo sempre existiu. O racismo sempre, infelizmente, existirá. O debate racial nunca esteve tão em alta na sociedade brasileira. As políticas de ações afirmativas, idem. Eu, como radialista e apresentador do programa Paiaiá na Conectados, há mais de seis anos, na Rádio Conectados, nunca sofri racismo. Mas já entrevistei gente que sofreu, como o locutor esportivo baiano Sílvio Mendes. ‘O início foi muito difícil no rádio, por eu ser negro’, afirma Mendes. Os movimentos negros, que poderiam contribuir mais para o debate, parecem adotar uma narrativa político/partidária, em que se um negro não é da  mesma linha ideológica, é excluído, deixado de lado. Eu, como índio/negro, o fato de não ter sofrido racismo, não significa que não luto para o fim deste mal. No entanto, acredito que a melhor forma é o direito à igualdade, sem qualquer tipo de porcentagem em qualquer espaço. O rádio me deu esta  possibilidade de me comunicar, sem me sentir inferior ou superior. Nossa consciência é única e deve ser sempre mais humana.”

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