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domingo, 20 de novembro de 2022

A PRESENÇA DO NEGRO NA IMPRENSA BRASILEIRA (3, FINAL)

Oswaldo Faustino e Assis Angelo
Pessoalmente e pardo que sou no corpo e documentos, considero necessária a iniciativa de proclamar o direito de cotas pra negros, negras e indígenas neste país tão imenso e tão desigual. Perguntei ao jornalista, ator e autor musical Oswaldo Faustino o que acha disso. E ele:
“As cotas/reparações raciais que incomodam tantas as pessoas são mais que necessárias por conta dos 350 anos de escravidão em que a população descendente de africanos, através de leis, foi proibida de se  beneficiar de vários setores da sociedade, dentre eles a educação, a posse de terras, entre outros. No caso das universidades, eu vejo as cotas mais do que beneficiando os cotistas, beneficiando a própria instituição, uma vez que abre estudos de temas que jamais seriam abordados e que com a presença negra dão à universidade a possibilidade de se tornar universal.”
Embalado pela resposta que ouvi, fiz com ele a seguinte entrevista, na base do pingue-pongue:

O Brasil é negro. Que importância tem o Brasil para o Negro?
A importância do Brasil para o negro é a mesma do negro para o Brasil. Nossos antepassados foram trazidos à força para cá. Sequestrado em sua terra, sem saber o que estava acontecendo, sob violência, sem conhecer a língua, nem entender as ordens que lhe eram dadas. Os mais de 350 anos de escravidão ensinaram meus ancestrais a enfrentar todas as intempéries da vida, pelos séculos que se seguiram. Assim como ajudamos a forjar o Brasil, construindo-o e nos construindo, o Brasil nos fez um povo essencial para transformá-lo na grande Nação que ele é.

Muitas profissões aconteceram e acontecerão durante todo o tempo. O jornalismo é uma profissão. Por que você escolheu essa profissão?
Não escolhi o jornalismo. O jornalismo me escolheu. Eu, desde menino sonhei em ser ator. Passei minha infância nos porões da Pinacoteca do Estado, onde funcionava a Escola de Arte Dramática de São Paulo, criada por Alfredo Mesquita, onde minha mãe trabalhava, na cozinha, preparando e servindo a tradicional sopa para os alunos. Na hora do vestibular, porém, tentei me lembrar de quantos negros e negras eu vi se formarem na EAD, ao longo dos anos todos, em que lá estivemos. O número não passava de três. Então me entreguei ao meu segundo amor, já que o primeiro me parecia inalcançável. O segundo era a palavra. A palavra para mim é sinônimo de ar, eu a respiro. Hoje vivo dela e me fiz amante da arte da informação.

O negro, com toda importância que tem para o Brasil, continua discriminado. O jornalismo mexe nesta questão, no sentido positivo?
Sem dúvida. “Conhecimento é poder”. Informar é transmitir conhecimento. E, sempre que possível, e algumas vezes até enfrentando o impossível, eu aproveito da minha profissão para transmitir algum conhecimento que ajude as pessoas a se empoderar.

João do Rio
Você é um jornalista de grande importância para o Brasil. Que importância você dá para o jornalismo dito “negro”?

Meu jornalismo é negro, porque eu sou negro. Mesmo que eu não esteja atuando na chamada “imprensa negra”, meu olhar sempre será negro. E as informações que transmito são fruto desse olhar. Historicamente há uma imprensa, desde os tempos da escravidão, que teve esse olhar, então chamado “Abolicionista”, mas que ia para muito além do abolicionismo. Houve uma importante rede de trocas de informação, no século XIX. Mesmo que hoje sejamos tão poucos nas redações, continuamos essa tradição de compartilhar o que sabemos e nos mantemos abertos no que os demais compartilham. 

Existe jornalismo branco e negro?
O jornalismo hegemônico é branco. Basta ver as prioridades na escolha do que será noticiado. Um desentendimento na família real britânica, ou uma cadelinha perdida em qualquer país europeu, derruba a pauta dos resultados das eleições presidenciais em qualquer país africano. Um Prêmio Nobel a um africano ou africana só será notícia, se houver um buraco na página da editoria internacional. E já houve 22 ganhadores do Prêmio Nobel naquele continente: quatro de Literatura, três de Medicina, 13 da Paz e dois de Química. Quem já leu sobre isso? Sempre que possível, a imprensa branca alimenta o imaginário das massas com conceitos mentirosos que nos inferiorizam e até nós mesmos acabamos acreditando nessa inferioridade. O normal é ser branco, e os demais são no máximo “toleráveis”.
 
Gilberto Freyre, sabemos, disse muita idiotice a respeito do negro no Brasil. Ele também foi jornalista. Que importância você vê no que ele escreveu sobre a história do negro?
O melhor da produção de Gilberto Freyre é estimular nossos estudiosos a pesquisarem, com afinco,
Abdias do Nascimento
para contradizê-lo. Por outro lado, Casa Grande de Senzala, nos ajuda muito bem a entender a branquitude. Confesso que não conheço a produção jornalística dele.

Enumere-me 10 jornalistas negros, no Brasil, de todos os tempos:
O primeiro é Luiz Gonzaga Pinto da Gama, o Luiz Gama. Da mesma época, José Ferreira de Menezes e José Carlos do Patrocínio. Depois destacaria Afonso Henriques de Lima Barreto. Gosto também de ler as crônicas jornalísticas de João do Rio, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto. Mais para cá, o campineiro Lino Guedes, que criou os jornais O Getulino e O Progresso, Jaime Aguiar e Abdias do Nascimento. Nos anos 1960, Odacir de Mattos, em especial por sua famosa reportagem com Narciso Kalili, para a revista Realidade: “Existe Preconceito de Cor no Brasil”, de 1967. Ele foi o editor do Jornegro, um importante jornal do Movimento Negro. Dos nossos contemporâneos, amo Oswaldo de Camargo, apesar de ele ter atuado muito mais na revisão, mas seus escritos e estudos jornalísticos são impecáveis. E todos os meus parceiros e minhas parceiras da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial, com destaque para meu irmãozinho Flávio Carrança. Porém, tem muita gente boa fazendo jornalismo negro, no rádio, na TV – Veja Maju Coutinho, o Heraldo, a Joyce Ribeiro –, como também na revista Raça Brasil e os jornais Alma Negra e O Empoderado.

Oswaldo de Camargo
Eu sabia, Oswaldo, que você ia me dizer, que Luiz Gama foi o mais forte jornalista negro no Brasil. Por quê?

A começar pela história de ele não ter podido estar em escola formal, por ter sido escravizado por 8 anos. Foi alfabetizado aos 17, por um jovem estudante da escola de Direito do Largo São Francisco. Pouco tempo depois escreveu nos mais importantes jornais da província de São Paulo, e criou três jornais com o Angelo Agostini: O Diabo Coxo, o Cabrião e o Polichinelo. Árduo defensor da abolição, da República e da liberdade. Só se fala de sua carreira de advogado, mas foi também um grande jornalista. A cada dia se descobrem novos escritos dele. Um pesquisador levantou mais de 800. Não por acaso eu escrevi um romance juvenil intitulado: “A Luz de Luiz – Por uma terra sem reis e sem escravos”.

No jornalismo eu cresci sem jornalistas negros ao meu redor. Isto continua. Por quê?
Esta resposta já foi dada. Esse número continua ínfimo porque a imprensa hegemônica é branca. Mas não seja injusto, no final dos anos 70 e início dos 80, você trabalhou na reportagem policial da Agência Folhas, ao lado de um grande jornalista negro, chamado Oswaldo Faustino, que mais tarde seria editor de Cultura, no Diário Popular… Grande e modesto (risos)

Seu melhor momento como repórter:
Vou destacar uma matéria para a revista Raça Brasil. O editor me pediu para entrevistar por telefone para uma matéria de capa o Ed Motta. Mandou um fotógrafo, do Rio, fotografá-lo. A assessora disse que ele só tinha uma hora para a revista, somando o tempo com o fotógrafo e com o entrevistador e que as fotografias demoraram 45 minutos. Eu só teria 15. O editor até passou mal e eu ri. Começou a entrevista e, em determinado momento eu disse: “Ed, sua assessora disse que só tenho 15 minutos para te entrevistar. Já conversamos uma hora e meia. Você quer parar?”. E ele respondeu: “De jeito nenhum, esta entrevista está ótima. Vamos continuar!”. Me senti realizado.

Sofreu alguma discriminação na sua vida profissional?
Quanto tempo você tem para ouvir todas? (risos)



O dia 20 de novembro foi escolhido como o Dia da Consciência Negra em 2011, quando Dilma Rousseff era presidente da República. O texto, aprovado pelo Congresso foi:

LEI Nº 12.519, DE 10 DE NOVEMBRO DE 2011
Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º É instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser comemorado, anualmente, no dia 20 de novembro, data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 10 de novembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República.
DILMA ROUSSEFF
Mário Lisbôa Theodoro

A dívida que o Brasil tem com os negros e negras é impagável.

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Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora.

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