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segunda-feira, 7 de abril de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (177)


Ao cantar o que acaba de cantar, Zé da Luz inesperadamente de todos chama a atenção para a figura alta, esguia, com ar irônico e despachada que acaba de chegar à roda de cantoria. Durante muito tempo encheu o saco de muita gente e do clero, inclusive. Só não foi excomungado porque o papa do seu tempo estava provavelmente de pileque, ou soltando palavras de amor no ouvido de alguma beata. Oliveira e Marinho ofereceram suas violas ao mesmo tempo ao ilustre visitante, que sorriu. Pegou a viola de Oliveira e começou:


As excelências do cono

é ser bem grande, e papudo,

apertado, bordas grossas,

chupão, enxuto, e carnudo.


Com cachopinha de gosto

em cama de bom colchão, 

nos peitinhos posta a mão, 

e o pé no fincapé posto:

ajuntar rosto com rosto, 

dormir um homem seu sono, 

acordar, calcar-lhe o mono

já quase ao gorgolejar,

então é o ponderar 

As excelências do cono.


Eu na minha opinião,

segundo o meu parecer,

digo, que não há foder, 

senão cono de enchemão;

porque um homem com Sezão,

inda sendo caralhudo,

meterá culhões, e tudo,

e assim mostra a experiência, 

que do cono a excelência

É ser bem grande, e papudo.


É também conveniente, 

que não tenha o parrameiro 

a nota de ser traseiro, 

e que seja um tanto quente:

que às vezes mui facilmente 

são tais as misérias nossas,

que havemos mister as moças

para regalo da pica

com cono de pouca crica,

Apertado, bordas grossas.


Mas a maior regalia,

que no cono se há de achar,

para que possa levar

dos conos a primazia

(este ponto me esquecia)

para ser perfeito em tudo,

é nunca se achar barbudo,

por dar bom gosto ao foder,

como também deve ser

Chupão, enxuto, e carnudo.


Ao findar o último verso cantado, Gregório inclina-se um pouco com a viola nas mãos em agradecimento à chuvarada de palmas e hurras que lhe são dirigidas por todo mundo. Oliveira toma pra si a palavra. Diz, entusiasmadíssimo, que Gregório é sem dúvida um mestre na arte da cantoria: 

— O cantador Gregório nos dá uma aula de graça, saber e espontaneidade discursiva e poética. Abriu o baião com um mote, glosou tudo bonitamente em décimas de cantador.

O entusiasmo contagia todo mundo que, em coro, pede aos gritos que Gregório continue. Sem se fazer de rogado, põe a viola no peito e recomeça:


É este, o que chupa e tira

vida, saúde, e fazenda,

e se hemos falar verdade

é hoje o Amor desta era.

Tudo uma bebedice,

ou tudo uma borracheira,

que se acaba ao dormir, 

e co dormir se começa. 

O Amor é finalmente 

um embaraço de pernas, 

uma união de barrigas,

um breve tremor de artérias. 

Uma confusão de bocas, 

uma batalha de veias, 

um reboliço de ancas,

quem diz outra coisa é besta.


Novas palmas enchem de alegria o ambiente. 

Mocinha de Passira, quieta até agora, aproxima-se do cantador para parabenizá-lo e abraçá-lo com fervor. Puxa-o pelo braço e o leva até à churrasqueira, onde já se acham Jarbas, Julio, Jorge, Mário, Dorneles e Jessier Quirino.

Enquanto isso, Cajú e Castanha pegam de novo seus pandeiros e começam contando lorotas pra emendar num gancho de putaria:


Eu vou mostrar a diferença

Nesse meu repente nobre

Da mulher do corno rico

Pra mulher do corno pobre


A mulher do corno rico

Transa em motel de luxo

Pede só bebidas finas

No conforto rela o bucho

Numa cama bem fofinha

Deita e rola com o urso


A mulher do corno pobre

Transa mesmo é no mato

Sai mordida de formiga

De mosquito e carrapato

É que o danado do urso

Não pode pagar um quarto


A mulher do corno rico

Usa perfume francês

A calcinha é de renda

Troca todo dia três

Camisinha de primeira

Ela exige do freguês


A mulher do corno pobre

Usa perfume fuleiro

A calcinha é de algodão

E fica nela o mês inteiro

A camisinha que conhece

É de tripa de carneiro


A mulher do corno rico

Vive ganhando presente

É vestido, é sapato

É casaco, é corrente

Quando ganha carro zero

Ela fica bem mais quente


A mulher do corno pobre

Essa ai não ganha nada

Ao contrário ela leva

É sopapo, é porrada

Leva murro, leva tapa

Pra ficar mais assanhada


A mulher do corno rico

Tem babá, tem motorista

Só frequenta lugar fino

Tem cartaz com colunista

Muitas vezes com o urso

Sai em foto de revista


A mulher do corno pobre

Coitadinha passa mal

Anda só de coletivo

Só frequenta chaparral

Só é vista com o urso

Em folha policial


A mulher do corno rico

Todo ano faz cruzeiro

Agarrada com o urso

Se diverte no estrangeiro

Do coitado do marido

Ela esbanja o dinheiro


A mulher do corno pobre

Também sai pra passear

Agarrada com o urso

Por aí vai turistar

Na ilha do Maruim

Vai tomar banho de mar

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