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sábado, 26 de agosto de 2023

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (40)

ASSIS: Conte um pouco da história do Vira Lata. Ele surgiu exatamente quando e por que se encontra hoje fora do mercado?
MAGRÃO: Um dia lá pelo final da década de 1980, um amigo meu pianista me contou que na adolescência, uma moça transou com alguns rapazes do bairro e engravidou sem saber quem era o pai. Quando nasceu, o menino era a cara desse meu amigo. Eu pensei, e se o moleque fosse filho de todos? Se nascesse híbrido, como um vira-lata ou, em linguagem de veterinário, SRD - sem raça definida? Eu comecei a escrever o roteiro em 1988 e o Líbero aderiu mais ou menos um ano depois. A primeira revista foi lançada em 1991 pela editora VHD Diffusion na Bienal internacional de Quadrinhos no Rio de Janeiro e foi pras bancas.
O Doutor Drauzio Varella, a quem eu conhecia por ter trabalhado com sua esposa, Regina Braga, atriz talentosíssima, cruzou com o Vira Lata numa banca e me ligou contando sobre o projeto de redução de danos na Casa de Detenção de São Paulo, o implodido Carandiru. Lá ele notou que os caras liam muito gibi. Era dezembro de 1992, o clima estava pesado só dois meses depois do massacre que completou 30 anos em outubro do ano passado. Naquela época, a Aids era praticamente uma sentença de morte e mais de 17 por cento dos 7.700 detentos era HIV positivo, muito por conta do baque, a cocaína injetada. No calor da luta, tomando nos canos, os caras compartilhavam as seringas improvisadas com canetas bic e o vírus nadava de braçada. Nas edições da cadeia, o Vira já tinha puxado cana e estava sempre pronto a ajudar os amigos presos. O herói destruía seringas e corações femininos (sempre com camisinha). Quanto ao fato de estar recolhido, fora do mercado, temos planos e uma boa parte do roteiro escrito pra lançar uma aventura inédita. O Vira anda sumido, mas tá de butuca, sempre à espreita pronto pra dar o bote. O Brecht disse: Infeliz o povo que precisa de heróis.

ASSIS: O Vira Lata é um anti-herói, mas tem pinta de herói aqui e acolá. Você já
pensou em levá-lo à TV ou à telona? No mínimo pode dar mini série, não?
MAGRÃO: Eu já recebi algumas propostas pra longa metragem e série. Escrevi roteiros pros dois formatos. Tenho fé de que quando chegar a hora vai rolar.

ASSIS: Corajoso, destemido, o Vira Lata respeita as leis e ama tudo quanto é mulher. Será que algum dia vai se apaixonar, casar e ter filhos?
MAGRÃO: O herói não sabe, mas tem uma filha Yumi (flecha), fruto do seu primeiro amor com Tieko. O Vira se apaixona todos os dias mas casar, acho que não convém a um cão de rua.

ASSIS: Por que tanto sangue e sexo nas aventuras do Vira Lata?
MAGRÃO: Sexo porque é o bom da vida, violência porque tem muito filho da puta à solta que merece uma bela surra.

ASSIS: Aqui e ali você insere referências a nossa música popular: Tom Jobim, Luiz Gonzaga, Noel Rosa, Cartola, Zé Gonçalves, Marino Pinto... e até ponto de umbanda…
MAGRÃO: Ninguém melhor do que você, meu amigo Assis  ngelo, sabe que o Brasil tem um legado imenso, um patrimônio imaterial que são as suas canções. A canção é uma crônica alada. Nas asas da melodia uma história atravessa o tempo e tem o poder de acender o pavio de uma revolução. "Vem vamos embora/ Que esperar não é saber…" (Vandré). A faísca do Vira Lata já estava expressa na estrofe de uma canção que eu fiz em
parceria com meu mano velho Jean Garfunkel quase dez anos antes de pensar em escrever o primeiro roteiro.

O coração saindo pela boca
Meio triste, meio rindo
Da desgraça pouca

Sou parceiro do destino nesta vida torta
Passageiro clandestino pra qualquer lugar
Eu tenho o sangue grosso, misturado
Meio preto, meio índio
Meio degredado

Na cabeça um sonho lindo sempre engatilhado
Sou da terra das palmeiras onde um sabiá
Tem que saber se virar
Feito vira lata, camelô
Cantador, cangaceiro
Feito brasileiro


LEIA O VIRA LATA COMPLETO:


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