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domingo, 9 de fevereiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (167)

O Brasil foi o último país a descravizar pessoas.

Essa é informação que dói na alma.

Pela primeira vez, o dia 20 de novembro foi considerado oficialmente data nacional: Dia da Consciência Negra. Isso ocorreu em 2024.

O dia 20 de novembro é o dia da morte de Zumbi.

Zumbi, na pia batismal recebeu o nome de Francisco.

Quem deu esse nome a Zumbi, foi um padre que o criou: Antônio Melo.

Essa questão ainda hoje é discutida por muita gente boa.

Há nas cadeias do Brasil mais pretos e pardos do que brancos. E pobres de marré, marré, marré.

O médico Dráuzio Varella surpreendeu os leitores brasileiros com o seu bombástico livro Estação Carandiru, lançado em 1999. Foi enorme a polêmica. Esse livro como os dois outros que se seguiram, Carcereiros e Prisioneiras, talvez tenham contribuído para a decisão do então governador Geraldo Alckmin em demolir o velho presídio de que tratam os livros de Varella.

A leitura de Estação Carandiru dói e mexe com nossas ideias, principalmente no ponto que conta a invasão policial que resultou em 111 mortos.

Há muitas histórias nesse livro. Uma delas:


Mulher de cadeia casada jamais circula pela galeria, e para descer ao pátio, só acompanhada. Para casar, o marido deve estar em boa situação financeira, pois a ele cabe o sustento da casa; a ela, a submissão ao provedor. De forma velada, alguns condenam, mas a união é respeitada socialmente. O parceiro passivo não é considerado do sexo masculino. Nos estudos que conduzimos, não bastava perguntar se mantinham relações homossexuais. Era preciso acrescentar: e com mulher de cadeia? Antes das visitas íntimas, a homossexualidade era prolífica. Uma vez, dei o resultado positivo do teste de AIDS para um ladrão desdentado e perguntei-lhe se havia usado droga injetável no passado: 

— Nunca. Peguei esse barato comendo bunda de cadeia. Muita bunda, doutor! 


A vida na cadeia é uma vida inimaginável pra quem está fora dela.

Varella não minimiza nenhuma piscada registrada por seus olhos.

Pela memória de Dráuzio Varella circulam em Carandiru problemas profundos e almas de gente, de pessoas.

Na cadeia, a vida de um pobre preto ou de uma pobre preta é a mesma. Dura, duríssima.

Imaginem, pois, uma mulher negra, gay, prostituta, pobre…

A sociedade, não só no Brasil, condena de olhos fechados a miséria de quem vive pobre e aparentemente sem futuro. Principalmente quando esse pobre sem futuro é negro ou negra.

Nessa linha de realidade e interpretação segue Dráuzio Varella no livro Prisioneiros.

Nessa mesma toada segue a leitura do livro Presos que Menstruam. A autora, Nana Queiroz, leva às páginas a história de mulheres que caem no crime e são presas e condenadas a cumprir pena na cadeia. Começa com Júlia que cedo perde a infância, engravida e coisa e tal. Nana não mede palavras pra contar o que conta nesse livro.

Pois é, a realidade é terrível aqui e alhures. Mas até no mundo da fantasia há histórias que nos levam a pensar e a sofrer por contingências diversas.


Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

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