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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

PLÁGIOS E A ALMA DO POVO, O FOLCLORE

Como Águas de Março, lançada no projeto Disco de Bolso, do Pasquim, em 1972, há muitas e muitas músicas recolhidas do folclore e assumidas integralmente ou com variações por artistas dos mais diversos calibres.
Asa Branca, assinada por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, entra no rol.
Leiam o livro Patativa do Assaré, o Poeta do Povo.
Há coisas interessantes, lá.
Há casos muitos, muitíssimos, de apropriação pura e simples.
Em 1982, por exemplo, o capixaba Roberto Carlos pegou uma bobagem intitulada Loucuras de Amor, de um obscuro Sebastião Braga, e a gravou como se fosse sua, com o título O Careta.
Deu pau e o reclamante ganhou o que quis, na Justiça.
Mas nem tudo vai parar na casa dos homens togados.
Em 1976, o cearense Belchior gostou do que leu no livro Zé Limeira Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo e, sem creditar, deu de garra dos últimos dois versos da sextilha do doido (maravilhoso Zé) para compor a canção Sujeito de Sorte. A referida sextilha (forma de encaixar versos de sete a 11 sílabas em estrofes rimando o segundo com o quarto e o sexto) é esta:

“Eu já cantei no Recife
Dentro do Pronto-Socorro
Ganhei duzentos mil réis
Comprei duzentos cachorro
Morri no ano passado
Mas esse ano eu não morro”.

Pior, porém, fez o alagoano Djavan em 1992, que pegou uma dezena de versos seguidos do poeta pernambucano Manuel Bandeira e deles se apropriou totalmente, na maior, incluindo o título: Violeiros, que pode ser conferido no LP Coisa de Acender.
E está lá pra quem quiser ler, abrindo o lado 2 com crédito à letra e à música: Djavan.
Casos assim são diferentes de alguém ler num jornal uma frase, um título, e desenvolve um poema ou compõe uma canção como fez o baiano Caetano Veloso ao se deparar com matéria da extinta revista Manchete tratando dos conflitos de rua em maio do agitado 68: “Il est interdit d´interdire”, que resultou na polêmica canção tropicalista É Proibido Proibir, inscrita no III Festival Internacional da Canção.
Também é diferente Chico Buarque escolher Tom como parceiro para Sabiá.
Sabiá, uma bela canção, foi inspirada no poema Canção do Exílio, do maranhense Gonçalves Dias.
E diga-se: esse é o poema com maior número de poemas nele inspirados até hoje no Brasil.
Sabiá ganhou o 1º lugar do III FIC, na noite de 29 de setembro do ano do bode(1968), no Maracanãzinho, quando alvoraçada a multidão presente ouviu o paraibano Geraldo Vandré dizer, alto e bom som:
- Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem o nosso respeito!
Vandré ganhou o 2º lugar, com Caminhando ou Pra Não Dizer que Não Falei de Flores.
É Proibido Proibir ficou no 5º lugar na eliminatória paulista, realizada no Tuca.
Mas plágios, enfim, são feitos no mundo todo.
Normal e aceitável?
Não.
O paulista Maurício Alberto Kaisermann, o Morris Albert, um dia ouviu a canção Pour Toi, do francês Loulou Gasté e gostou.
Daí trocou o título para Feelings e gravou em 74.
O resto se sabe.
Há milhares de gravações e versões em muitas línguas dessa música.
Até The Voice a gravou.
Há casos inversos, ou seja: de brasileiros plagiados no Exterior.
Um dos mais notários é o caso de Jorge Ben, vítima do escocês Rod Stewart.
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira também foram vítimas de gringos do Norte.
O fato aconteceu no começo dos 50, quando os norte-americanos Harold Stevens e Irving Taylor se apropriaram do baião Juazeiro e deram para A Voz da América Peggy Lee gravar, com o título Wandering Swallow.
Teixeira, que era letrado e poliglota, denunciou a safadeza nos Estados Unidos, mas não adiantou: perdeu o processo.
Gonzaga e Teixeira também foram engalobados, num primeiro momento, quando a portuguesinha maravilhosa Carmen Miranda gravou Baião (Ca-room-pa-pa) para a trilha sonora do filme roliudiano Nancy Goes to Rio (Romance Carioca), sem seus nomes no bolachão de 78 rpm (foto).
Mas um processo ajeitou as coisas.
E tem até Bob Dylan, que já disse e repetiu que várias músicas que assina foram garfadas do folclore escocês, como The Times They Are A-Changin, título do seu 3º disco, lançado no ano de 64.
Águas de Março tem raízes no folclore, se sabe.
Asa Branca também.
No livro Dicionário Gonzagueano de A a Z, eu lembro de mais alguns casos do folclore que ganharam paternidade inesperada.
Lembro, por exemplo, do batuque O Canto da Ema, gravado pelo rei do ritmo paraibano Jackson do Pandeiro, mas na origem alagoana um baião muito bonito intitulado Contramestra, que existe desde, pelo menos, 1920.
Enfim, essa é uma história sem fim.
O maestro Villa-Lobos bebia no folclore, mas dizia isso.
Exemplo são suas cirandas, numa delas com parceria pós-morte de Teca Calazans: Caicó.
Há pouco assistindo o filme As Bachianas, o meu nome é Villa-Lobos, ouvi do perfilado Villa:
- Um compositor sério deverá estudar a herança musical do seu país; a geografia, a etnografia, sua e de outras terras; o folclore quer sob o aspecto ideário, quer sob o aspecto político. Só dessa maneira se pode entender a alma de um povo.
Certo!

5 comentários:

  1. Como você classificaria "Terezinha", de Chico Buarque, claramente baseada numa cantiga de roda? Plágio? Bebeu da fonte do folclore? Ou - como eu acredito - compôs uma variação sobre um tema? Quero lembrar que uma das músicas mais lindas compostas por Rachmaninov é uma variação sobre um tema de Paganini.

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  2. que os autores que bebem na fonte - eu bebi na fonte de câmara cascudo, frentei a casa dele, em natal - revelem as fontes: será/seria honesto, informativo e tudo o mais.

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  3. Pois é, a Terezinha do Chico eu fiz uma recriação dela, um Terezinha da periferia.De baixa renda.

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  4. Não sei de quem é a frase, mas é bem ilustrativa:- os artistas imaturos imitam, os artistas maduros roubam.

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  5. Até para plagiar é preciso ser inteligente e criativo. Lembro da frase do compositor Mario Albanese: "Canções são como pessoas. Fulano tem o nariz de Sicrano, a boca de Sicrano, as orelhas de Sicrano, mas não é Sicrano". E é pefeitamente normal uma cançaõ ter começo igual ao de outra, desde que se desenvolva de forma própria, tenha um "empurraozinho" para andar mas saiba seguir sozinha.

    Um exemplo internacional: a valsinha "Hi-Lili-Hi-Lo", do filme Lili, estrelando Leslie Caron, e que fez sucesso no Brasil com Neyde Fraga e Moacyr Franco ("eu vivo a vida cantando..."); compare o começo da melodia com a "Meditaçaõ" da ópera "Thais" de Jules Massenet. E nada menos de três obras-primas estadunidenses começam com as mesmíssimas sete notas: "Someone To Watch Over Me" de Gershwin, "Crying in The Chapel" de Artie Glenn (sucesso com Elvis Presley) e "In A Sentimental Mood" de Duke Elington.

    E um exemplo nacional. Já repararam que "Olha Pro Céu" de Gonzagão ("olha pro céu, meu aor") começa igual à "Protofonia" do Guarani de Carlos Gpomes? Bem... e daí? Gomes e Gonzagão são ambos gênios.

    Mais uma vez, felicitações pelo blog e um e-abraço.

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