Assis Angelo, Téo Azevedo, Marco Haurélio e Luciano Pacco |
Tudo é política.
Ouvi essa definição absolutamente
perfeita do cordelista e estudioso da cultura popular Marco Haurélio.
Perfeito: tudo é política. Aliás,
o dramaturgo alemão Bertold Brecht dizia algo parecido.
Como parecido também disse
Aristóteles: o homem é um animal político.
Esse algo parecido tinha, e tem,
a ver com o nosso dia a dia, em todos os tempos. E em qualquer luar.
Pois é, tudo é realmente política
no nosso cotidiano, em qualquer cotidiano, em qualquer parte do mundo.
Em todos os lugares, há, hoje, politicamente
“esquerda” e “direita”.
O continente africano é
riquíssimo. Em todos os sentidos. Lá surgiram maravilhas e desgraças, como
maluco ditador Idi Amim Dadá.
O Brasil nunca foi um país
politicamente de esquerda.
O primeiro presidente do Brasil foi
um marechal, Deodoro. O segundo, outro marechal, Floriano: Floriano. Depois
desses dois militares, veio um civil: Prudente de Moraes, linha dura.
O tempo passou, livre e célere.
Não custa lembrar que a primeira
constituição do Brasil, de 1824, foi quase toda escrita por José Bonifácio.
A segunda constituição brasileira,
de 1891, também foi praticamente escrita por um civil, Ruy Barbosa.
Ruy Barbosa, aliás, concorreu à
presidência da república duas vezes. Perdeu as duas. A segunda, para o marechal
Hermes da Fonseca. E os generais na presidência da República brasileira
continuaram a se fazer presentes. Em 1946, o Brasil foi presidido por Eurico
Gaspar Dutra. Depois vieram os generais que assumiram o poder em 1964. Os
civis, poderosos, dando total apoio, ao tempo que hoje a História registra como
ditadura. E Brava, bravíssima. Com muitos mortos e desaparecidos. Tortura etc.
Um detalhe: em 1922, o presidente o presidente paraibano Epitácio Pessoa mandou
prender o presidente Hermes da Fonseca.
Assis – Marco, o que eu acabei de
falar, faltou algo a acrescentar?
Marco – Você falou quase tudo,
Fez um incrível resumo.
De generais a civis,
O Brasil perdeu o rumo,
Ricos cada vez mais ricos
E o povo levando fumo.
A – O Brasil está
encurralado. Nunca nós brasileiros sofremos tanto para escolher o nosso
destino. O Brasil está com ódio; ódio do PT. O que você tem a dizer sobre isso?
M – O ódio é mau
conselheiro,
É inimigo da
paz.
É parceiro da
injustiça
E muitos
estragos traz,
Pois, em nome de
Jesus,
Pode eleger
Satanás.
A – Pelo histórico
que delineei na abertura dessa conversa, ficou claro que o Brasil não é e nunca
foi um estado politicamente de esquerda. A propósito, a esquerda e a direita,
como definições políticas, surgiram na segunda parte do século XVII, na França.
A tomada da bastilha foi o ponto. Você discorda ou não. Diga pra nós o que é
esquerda e direita no Brasil e no mundo. E o que bem ou o mal que a esquerda ou
a direita podem fazer a um país.
M – Esquerda é
luta de classes,
Direita é o
capital.
A esquerda é
socialista,
A direita é liberal.
E ambas podem
nos trazer
O bem e também o
mal.
Qualquer regime
que pune
A mulher, o
proletário,
Desrespeita as
diferenças,
Com furor
autoritário,
Merece a
reprovação
Do espírito libertário.
A- O
Brasil está polarizado. De um lado a “esquerda” Haddad. Do outro a “direita”
Bolsonaro. Poderemos ter bom futuro com um ou outro lado?
M – Haddad vem
de um partido
Que fez a
transformação,
Mas também se
lambuzou
Na lama do
mensalão,
E frustrou a
esperança
Dos pobres desta
nação.
Bolsonaro é um
boçal,
Ex-militar
elitista,
Deputado sem
projeto,
Homofóbico,
racista,
Admirador de
Hitler,
Intolerante,
golpista.
Nenhum dos dois representa
Meu projeto de país,
Mas indo prefiro Haddad
Nesse momento infeliz,
Pois da triste ditadura
Não fechou a cicatriz.
A – A falta da mea-culpa
pesou no voto odioso contra o PT.
M – A mea-culpa pesou,
Eu disso tenho certeza,
Mas também vejo pessoas
De perversa natureza,
Ameaçando e matando,
Com desmedida torpeza.
O PT errou demais,
Em mais de um triste episódio,
Mas isso não justifica
Todo um discurso de ódio
Que faz de um ser dito humano
Algo menor que plasmódio.
A – Filhos brigam com pais, amigos brigam com amigos, em nomes de uma
política quebrada, partidária e pessoal mais das vezes... Vale brigar dessa
forma? Política não pode unir?
M – Discutir é salutar,
Discordar, essencial,
O problema é que o país,
Possuído pelo mal,
Atira muitas pessoas
No fundo do lodaçal.
Um sombra coletiva
Turva mentes antes calmas,
Pessoas, perdendo o senso,
Ao fascismo bate palmas;
Querem tolher nossos passos
E governar nossas almas.
Quem não consegue entender
O porquê do cataclismo
Cede à noite, perde a paz,
Se veste de despotismo
E, imaginando-se livre,
Faz da existência um abismo.
A – O Brasil teve quatro marechais presidentes e cinco generais, sem
contar a junta militar de 1969, iniciada no dia 30 de agosto e findo no último
dia de outubro. Dois meses, portanto. No mundo inteiro, desde tempos d’antanho,
houve ditadores de esquerda e de direita como tal entendemos: Stálin, Franco,
Hitler, Mussolini, Salazar, Videla, Pinochet, Stroessner... Marco, você acha
que os eleitores do Bolsonaro têm consciência de que os eleitores de Bolsonaro têm
ideia do que representa uma ditadura de direita ou de esquerda?
M – Eu seria muito injusto,
Se, na atual conjuntura,
Dissesse que os eleitores
Dessa nefasta figura
Em sua totalidade
Glorifica a ditadura.
Mas, infelizmente, muitos,
Desprezando a liberdade,
Os direitos conquistados,
A santa lei da vontade,
Berram alto: “Tradição,
Família e propriedade”.
A – No correr do primeiro turno e
também do segundo turno, o eleitor ficou alheio às propostas dos candidatos à presidência
da República. O que se viu e se ouviu foi o disparar de uma metralhadora
verbal, impiedosa contra um e contra outro candidato. No segundo turno, ambos
se matando, e nós, povo, torcendo feito bestas num Fla-Flu. Nenhum candidato à
presidência da República falou sobre cultura popular, cultura brasileira,
literatura, dança, nada. Isso é triste, não é? A cultura popular é a identidade
de um povo, eu disse isso uma vez em entrevista a um jornal do Piauí. A Dilma disse
isso, trocando “identidade” por “alma”. Tudo bem. Sem problema. O diacho é não
apostar na arte e no artista brasileiros. Lembra aquela frase, Marco, “O melhor
do Brasil é o Brasileiro”? Essa frase é do Câmara Cascudo, que o PT usou sem
dar crédito. O Brasil é dos Brasileiros e não adianta Bolsonaro namorar com
Trump, bater continência pra bandeira dos EUA. O futuro que se delineia diante
de nós é um futuro perigoso. Cabeça que pensa que pensa bem não pode votar nem
em Bolsonaro nem em dória para governador do estado mais importante do Brasil.
Por que os políticos não falam claramente sobre educação, saúde e cultura,
essas noções básicas da vida humana? Saneamento básico, então... Qual a
importância das artes para um país?
M – Um país que fecha os olhos
À cultura, educação,
Que não investe em ciência,
Desde a tenra formação
Pode até pensar que é grande,
Mas nunca será nação.
Em países como a França
Há pesado investimento
Em cultura, e isso reflete
Num bonito movimento.
A arte embeleza a vida
Em todo e qualquer momento.
Um país que glorifica
Um monstro torturador
E despreza Paulo Freire,
Seu maior educador,
Demonstra que a educação
Tem pouco ou nenhum valor.
Um país que deu ao mundo,
Sivuca, Luís Gonzaga,
Jorge Amado, Guimarães,
Tem, sim, uma linda saga,
Que nem mesmo a ditadura,
Com seus gendarmes, apaga.
Imagine se tivéssemos
O orçamento da França,
A educação da Suécia,
Cinema, teatro e dança
Seriam flores colhidas
No canteiro da esperança.
Pois, tá. Terminou esta foi a segunda entrevista que eu fiz com o cordelista
e estudioso da cultura popular Marco Haurélio, baiano de nascimento e universal
por conhecimento. Marco é um desses seres que nasceram para pensar, para viver,
para brincar, para cantar, para contar histórias, para dizer coisas que
desconhecemos. Não é exagero: Marco já nasceu grande. E continuará se
agigantando e dividindo seus conhecimento conosco. Ele é de esquerda, de
direita, de centro? Marco pensa. E se pensássemos com o Marco, talvez não tivéssemos
Bolsonaro como presidente. Marco veio hoje, mais uma vez, em casa, e aqui ele
reencontrou o grande cantador, cordelista, poeta, violeiro Téo Azevedo, que
trouxe consigo outro violeiro: Luciano Pacco, cantador, violeiro, poeta
mineiro de Fruta de Leite. O Brasil e brasileiros precisam pensar, aposta na vida e nas artes.
Meu amigo, minha amiga, se você
gostou desse texto, passe pra frente. Ele foi escrito no tempo que você acaba
de lê-lo.
Ah! Ia me esquecendo: ontem 22, à noite, o nordestino do Rio Grande do Norte José Xavier Cortez foi convidados por artistas e intelectuais a apresentar um calhamaço com milhares e milhares e milhares de assinaturas pela democracia. Haddad recebeu esse apoio, e, na ocasião, referindo-se a Bolsonaro como "soldadinho de araque". E o que dizer do filho de um candidato a presidente da república que afirma bastar um cabo e um soldado para fechar o STF.
E não custa lembrar que essa coisa é antiga e feia. Ouçam esta canção do grande Jackson do Pandeiro.
Ah! Ia me esquecendo: ontem 22, à noite, o nordestino do Rio Grande do Norte José Xavier Cortez foi convidados por artistas e intelectuais a apresentar um calhamaço com milhares e milhares e milhares de assinaturas pela democracia. Haddad recebeu esse apoio, e, na ocasião, referindo-se a Bolsonaro como "soldadinho de araque". E o que dizer do filho de um candidato a presidente da república que afirma bastar um cabo e um soldado para fechar o STF.
E não custa lembrar que essa coisa é antiga e feia. Ouçam esta canção do grande Jackson do Pandeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário