Com os seus cocões cantando
No nosso Brasil rural
Os carros de boi vieram
Das bandas de Portugal
Já prontos pra transportar
Cana do canavial
Primeiro foi na Bahia
E depois em São Vicente
Os carros de boi moldaram
O gosto de muita gente
Mas hoje são só lembrança
Que guardo na minha mente
Nesses carros eu andei
e brinquei com alegria
Em um tempo já distante
Que lembro com nostalgia
No nosso Brasil querido
Tem beleza e fantasia
Quem conduz um boi de carro
Por tradição é carreiro
Por tradução é um craque
No nosso Brasil rural
Os carros de boi vieram
Das bandas de Portugal
Já prontos pra transportar
Cana do canavial
Primeiro foi na Bahia
E depois em São Vicente
Os carros de boi moldaram
O gosto de muita gente
Mas hoje são só lembrança
Que guardo na minha mente
Nesses carros eu andei
e brinquei com alegria
Em um tempo já distante
Que lembro com nostalgia
No nosso Brasil querido
Tem beleza e fantasia
Quem conduz um boi de carro
Por tradição é carreiro
Por tradução é um craque
Valente, bom estradeiro
Companheiro de um ser de luz
Chamado de Candieiro
https://www.youtube.com/watch?v=IQehVnx_fm8&t
Esse barulhinho aí é esquisito, não é?
Eu ouvi esse barulhinho quando era menino, e ele nunca mais saiu daqui da minha cachola. É o barulhinho do carro de boi chorando, gemendo estrada afora.
Qual menino do meu sertão não ouviu esse chorar e viu o lento rodar dos velhos carros de boi?
Sim, qual o menino que nunca viu isso?
Pois é. Dia de feira, dia de festa, de gente pra lá e de gente pra cá. De gente vinda de tudo quanto é lugar, numa agitação dos infernos! Gente gritando, rindo, moleque chorando, outros vendendo e comprando fosse o que fosse. E à distância, o carro de boi: oooooonnn... Comendo a poeira levantada pelo tropel dos cavalos.
Naqueles dias distantes da minha infância, lembro que tinha também os bebuns de plantão de boteco para quem os dias pareciam não passar.
Mas apesar disso, e por isso mesmo, o que fica pregado na memória é o chiadinho do carro de boi. Esse chiadinho que arrepia a alma, choroso, é diferente do choro de gente. É um choro chorado, dorido, diferente de tudo. Um choro que vem de lá de nem sei de onde.
Esse choro me entristecia, profundamente. Para ter tristeza e chorar num precisa ser frouxo, não. Cabra macho também chora.
Seu Nonô mesmo, que era raçudo e tinha lá nas costas uma penca de morte feita a bala e faca, um dia, escondido, eu o vi chorar. Aliás, até os bois choram. Choro demais chega a ferir o coração da gente.
Ah! Sim, todo mundo sabe: coração de sertanejo é duro de doer. É calejado, cheio de marca que nem seus pés e suas mãos. Notei isso quando cresci. Olha aqui as minhas mãos, tá vendo? Todas cheinhas de calo de tanto amargar o cabo da enxada de sol a sol. Doem. E os pés? Olha aqui. Tudo rachado que nem a terra seca à espera da água do céu que parece nunca vir. Por cá, por essas bandas, falta d´água mata gente e mata boi.
Pois é, coração de sertanejo não é mole, não. Quando dá de doer, seu moço, de machucar feito moenda com toras de cana ou aquelas maquininhas de repuxar agave, no muque, ah!, danou-se! E fique certo: o sofrimento é tanto que lembra dor de dente na hora do meio-dia, do pino, sob a danação da seca pesada. É de lascar o cano!
Por essas bandas tudo é triste. O nosso andar, a nossa fala puxada, o nosso riso, até o nosso espirro é triste. Pode reparar. Tudo é triste na gente. Menos a esperança. Ah! Essa, não. É tudo que nos resta... Mas que a nossa vidinha por aqui é braba, lá isso é. Daí a tristeza. Deus que me perdoe, mas acho que até ele esquece da gente. E né não?
Mas eu tava falando mesmo era dos carros de boi. Quando os carros de boi param, tudo para. Até o tempo. Eita tristeza danada é a falta do gemido, do choro inacoluto do carro de boi!... Eu sempre quis falar esta palavra: inacoluto. Nem sei o que é inacoluto, nem sei se existe, mas que é uma palavrinha bonita, hein? Lá isso é!
Essa história de carro de boi é triste, mas é bonita. Nem sei se pelo carro ou pelos bois. Para os meninos do sertão, o boi não é só um bicho trabalhador, não. É amigo, amigo mesmo! Boa companhia. Bem comparando, é que nem cão e gato na cidade grande. Mas um dia tudo se acaba. Nós, inclusive. E os bois. De morte morrida ou de morte matada, não interessa. Isso é detalhe. Quando o boi morre de morte matada, a sua carne é vendida no açougue. Que fazer? Das duas, uma: ou se morre de barriga cheia ou se morre de barriga vazia.
A cena do boi indo pro sacrifício é feia, o moço aí já viu? Ele adivinha que vai morrer, tanto que dos cantos dos seus olhos escorre lágrima. Pode ver. E numa rápida manobra, o carrasco, poft!, dá cabo à vida dele. Tem gente que disfarça, que olha de banda, que não quer olhar. Eu olhei e chorei, como muitos amigos meus, meninos do meu tempo, de calça curta, de um tempo que já vai longe, e como vai!
Jamais vou esquecer o boi entrando no matadouro, escorregando no sangue de outros bois e caindo pesado, num baque seco, surdo, sem um mugido sequer. O difícil, depois, é achar entre os corpos esquartejados a carne do boi de carro, de estimação, de brinquedo, do boi querido, do boi amigo, do boi quase irmão, do boi que virou calemba, bumbá, mamão. Do boi que virou lembrança, uma dolorosa e triste lembrança no mais fundo de nós.
Mas é essa a sina do boi. Depois de passar a vida toda puxando carro ou arando de sol a sol, morre pelas mãos assassinas do homem. Com Jesus também não foi diferente: veio para nos salvar e nós o matamos. Sem pena nem piedade.
Foi assim, é assim e será sempre assim. Não tem jeito. O homem é mau, o boi é bom.
O homem não nasceu pra se salvar.
Carro de boi
Boi de carro
Chamado de Candieiro
https://www.youtube.com/watch?v=IQehVnx_fm8&t
Esse barulhinho aí é esquisito, não é?
Eu ouvi esse barulhinho quando era menino, e ele nunca mais saiu daqui da minha cachola. É o barulhinho do carro de boi chorando, gemendo estrada afora.
Qual menino do meu sertão não ouviu esse chorar e viu o lento rodar dos velhos carros de boi?
Sim, qual o menino que nunca viu isso?
Pois é. Dia de feira, dia de festa, de gente pra lá e de gente pra cá. De gente vinda de tudo quanto é lugar, numa agitação dos infernos! Gente gritando, rindo, moleque chorando, outros vendendo e comprando fosse o que fosse. E à distância, o carro de boi: oooooonnn... Comendo a poeira levantada pelo tropel dos cavalos.
Naqueles dias distantes da minha infância, lembro que tinha também os bebuns de plantão de boteco para quem os dias pareciam não passar.
Mas apesar disso, e por isso mesmo, o que fica pregado na memória é o chiadinho do carro de boi. Esse chiadinho que arrepia a alma, choroso, é diferente do choro de gente. É um choro chorado, dorido, diferente de tudo. Um choro que vem de lá de nem sei de onde.
Esse choro me entristecia, profundamente. Para ter tristeza e chorar num precisa ser frouxo, não. Cabra macho também chora.
Seu Nonô mesmo, que era raçudo e tinha lá nas costas uma penca de morte feita a bala e faca, um dia, escondido, eu o vi chorar. Aliás, até os bois choram. Choro demais chega a ferir o coração da gente.
Ah! Sim, todo mundo sabe: coração de sertanejo é duro de doer. É calejado, cheio de marca que nem seus pés e suas mãos. Notei isso quando cresci. Olha aqui as minhas mãos, tá vendo? Todas cheinhas de calo de tanto amargar o cabo da enxada de sol a sol. Doem. E os pés? Olha aqui. Tudo rachado que nem a terra seca à espera da água do céu que parece nunca vir. Por cá, por essas bandas, falta d´água mata gente e mata boi.
Pois é, coração de sertanejo não é mole, não. Quando dá de doer, seu moço, de machucar feito moenda com toras de cana ou aquelas maquininhas de repuxar agave, no muque, ah!, danou-se! E fique certo: o sofrimento é tanto que lembra dor de dente na hora do meio-dia, do pino, sob a danação da seca pesada. É de lascar o cano!
Por essas bandas tudo é triste. O nosso andar, a nossa fala puxada, o nosso riso, até o nosso espirro é triste. Pode reparar. Tudo é triste na gente. Menos a esperança. Ah! Essa, não. É tudo que nos resta... Mas que a nossa vidinha por aqui é braba, lá isso é. Daí a tristeza. Deus que me perdoe, mas acho que até ele esquece da gente. E né não?
Mas eu tava falando mesmo era dos carros de boi. Quando os carros de boi param, tudo para. Até o tempo. Eita tristeza danada é a falta do gemido, do choro inacoluto do carro de boi!... Eu sempre quis falar esta palavra: inacoluto. Nem sei o que é inacoluto, nem sei se existe, mas que é uma palavrinha bonita, hein? Lá isso é!
Essa história de carro de boi é triste, mas é bonita. Nem sei se pelo carro ou pelos bois. Para os meninos do sertão, o boi não é só um bicho trabalhador, não. É amigo, amigo mesmo! Boa companhia. Bem comparando, é que nem cão e gato na cidade grande. Mas um dia tudo se acaba. Nós, inclusive. E os bois. De morte morrida ou de morte matada, não interessa. Isso é detalhe. Quando o boi morre de morte matada, a sua carne é vendida no açougue. Que fazer? Das duas, uma: ou se morre de barriga cheia ou se morre de barriga vazia.
A cena do boi indo pro sacrifício é feia, o moço aí já viu? Ele adivinha que vai morrer, tanto que dos cantos dos seus olhos escorre lágrima. Pode ver. E numa rápida manobra, o carrasco, poft!, dá cabo à vida dele. Tem gente que disfarça, que olha de banda, que não quer olhar. Eu olhei e chorei, como muitos amigos meus, meninos do meu tempo, de calça curta, de um tempo que já vai longe, e como vai!
Jamais vou esquecer o boi entrando no matadouro, escorregando no sangue de outros bois e caindo pesado, num baque seco, surdo, sem um mugido sequer. O difícil, depois, é achar entre os corpos esquartejados a carne do boi de carro, de estimação, de brinquedo, do boi querido, do boi amigo, do boi quase irmão, do boi que virou calemba, bumbá, mamão. Do boi que virou lembrança, uma dolorosa e triste lembrança no mais fundo de nós.
Mas é essa a sina do boi. Depois de passar a vida toda puxando carro ou arando de sol a sol, morre pelas mãos assassinas do homem. Com Jesus também não foi diferente: veio para nos salvar e nós o matamos. Sem pena nem piedade.
Foi assim, é assim e será sempre assim. Não tem jeito. O homem é mau, o boi é bom.
O homem não nasceu pra se salvar.
Carro de boi
Boi de carro
Carro que geme
Boi que cala
Seja no cipó
Seja na bala
É boi, é gente
É gente, é boi
Carro, boi, gente
A vida no sertão
Ai meu coração!
Gente e boi
Boi, gente
É tudo um pedaço,
Um pedaço que sente,
Que sente que vida
É suor, é semente
Seja boi de reis
Seja boi de carro
Seja boi calemba
Seja boi de carro
Seja boi-bumbá
Seja boi de mamão
Seja, meu Deus!
Bois do coração
É boi de cá
É boi de lá
Tudo é boi
É boi pra se amar
No sol e na poeira
Na subida e na ladeira
Segue o homem
Segue o boi
O carro puxando
Sobre pedra
Sobre barro
Ora aqui
Ora acolá
Sem nada reclamar
O carro, o boi, o homem
O homem, o boi, o carro
O carro geme a dor do homem
Que geme a dor do boi
Que puxa o carro do homem
Sem preguiça
Justiça!
Sem ódio
Sem rancor
Segue assim o homem
Andando, correndo
Comendo poeira
No silêncio do trabalho
Óh! Deus
Segue assim o homem o seu destino
A sua sina…
No cangote doido da vida Severina
https://www.youtube.com/watch?v=-A2RG0dNC68
Boi que cala
Seja no cipó
Seja na bala
É boi, é gente
É gente, é boi
Carro, boi, gente
A vida no sertão
Ai meu coração!
Gente e boi
Boi, gente
É tudo um pedaço,
Um pedaço que sente,
Que sente que vida
É suor, é semente
Seja boi de reis
Seja boi de carro
Seja boi calemba
Seja boi de carro
Seja boi-bumbá
Seja boi de mamão
Seja, meu Deus!
Bois do coração
É boi de cá
É boi de lá
Tudo é boi
É boi pra se amar
No sol e na poeira
Na subida e na ladeira
Segue o homem
Segue o boi
O carro puxando
Sobre pedra
Sobre barro
Ora aqui
Ora acolá
Sem nada reclamar
O carro, o boi, o homem
O homem, o boi, o carro
O carro geme a dor do homem
Que geme a dor do boi
Que puxa o carro do homem
Sem preguiça
Justiça!
Sem ódio
Sem rancor
Segue assim o homem
Andando, correndo
Comendo poeira
No silêncio do trabalho
Óh! Deus
Segue assim o homem o seu destino
A sua sina…
No cangote doido da vida Severina
https://www.youtube.com/watch?v=-A2RG0dNC68
Foto e ilustração de Flor Maria e Fausto Bergocce
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