Os poetas repentistas do Brasil são agora profissionais reconhecidos por legislação própria. A lei que legaliza a profissão é a de nº 12.198, aprovada primeiramente em novembro pelo Senado e quinta 14 sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mas somente ontem passou a valer com a publicação no diário Oficial da União. A íntegra:
LEI Nº 12.198 DE 14 DE JANEIRO DE 2010
DOU 15.01.2010
Dispõe sobre o exercício da profissão de Repentista.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica reconhecida a atividade de Repentista como profissão artística.
Art. 2º Repentista é o profissional que utiliza o improviso rimado como meio de expressão artística cantada, falada ou escrita, compondo de imediato ou recolhendo composições de origem anônima ou da tradição popular.
Art. 3º Consideram-se repentistas, além de outros que as entidades de classe possam reconhecer os seguintes profissionais:
I - cantadores e violeiros improvisadores;
II - os emboladores e cantadores de Coco;
III - poetas repentistas e os contadores e declamadores de causos da cultura popular;
IV - escritores da literatura de cordel.
Art. 4º Aos repentistas são aplicadas, conforme as especifidades da atividade, as disposições previstas nos arts. 41 a 48 da Lei nº 3.857, de 22 de dezembro de 1960, que dispõem sobre a duração do trabalho dos músicos.
Art. 5º A profissão de Repentista passa a integrar o quadro de atividades a que se refere o art. 577 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 14 de janeiro de 2010; 189º da Independência e 122º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Basta a legalização oficial da profissão?
O que de fato muda na vida desses profissionais, que tiram poesia “de onde não tem” e colocam “onde não cabe”, como definia tão bem o paraibano Pinto do Monteiro (1895-1990), chamado de Cascavel do Repente?
De qualquer forma, acho que aqui cabe o pensamento do jornalista e dramaturgo santista Plínio Marcos (1935-99), exposto no artigo que assinou no suplemento dominical Folhetim, do jornal Folha de S.Paulo, no dia 6 de fevereiro de 1977: “Um povo que não ama e preserva suas formas de expressões mais autênticas, jamais será um povo livre”.
A calhar, me vem também à lembrança a saudação em versos que o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) fez aos repentistas que se apresentavam num concurso no Rio de Janeiro, nos fins dos 50, do qual era jurado ao lado de outros intelectuais. Os versos se acham no livro Estrela da Vida Inteira (José Olympio; 1966) e são estes:
Anteontem, minha gente,
Fui juiz numa função
De violeiros do Nordeste
Cantando em competição,
Vi cantar Dimas Batista,
Otacílio, seu irmão,
Ouvi um tal de Ferreira,
Ouvi um tal de João.
Um a quem faltava um braço
Tocava com uma só mão;
Mas como ele mesmo disse,
Cantando com perfeição,
Para cantar afinado,
Para cantar com paixão,
A força não está no braço,
Ela está no coração.
Ou puxando uma sextilha,
Ou uma oitava em quadrão,
Quer a rima fosse em inha
Quer a rima fosse em ao,
Caíam rimas do céu,
Saltavam rimas do chão!
Tudo muito bem medido
No galope do Sertão.
A Eneida estava boba,
O Cavalcanti bobão,
O Lúcio, o Renato Almeida,
Enfim toda comissão.
Saí dali convencido
Que não sou poeta não;
Que poeta é quem inventa
Em boa improvisação
Como faz Dimas Batista
E Otacílio seu irmão;
Como faz qualquer violeiro,
Bom cantador do Sertão,
A todos os quais humilde
Mando minha saudação.
Detalhe: os onze primeiros versos desse belo poema o alagoano Djavan achou por bem se apropriar e musicá-los sem a nobreza, porém, de citar o autor. Pior: ele informa no selo e no encarte do disco LP Coisa de Acender (Columbia, 1992) que são de sua autoria os versos. Ora, ora...
Na foto, um clic para a história: Otacílio Batista sendo por mim entrevistado no programa Gente e Coisas do Nordeste, que por mais de ano apresentei ao vivo na Rádio Atual, de São Paulo, em 1995. A foto foi extraída do livro A Presença dos Cordelistas e Cantadores Repentistas em São Paulo; Ed. Ibrasa, 1996, que serviu de base para o filme franco-brasileiro Saudade do Futuro, dirigido por Marie-Clémence e César Paes; 2000.
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Apesar dos equívocos patentos do texto, a lei é alvissareira. Considerar "repentistas" os "escritores da literatura de cordel" é misturar alhos com bugalhos. O repente e o cordel são artes irmãs, mas não iguais.
ResponderExcluirCada uma, com méritos, estão tomando o seu caminho. Há repentistas que são cordelistas, ou vice-versa, mas não como generalizado na lei.
De qualquer forma, é um avanço.
Cobremos os resultados.
Valeu, Assis, pelo post!
Como sempre, Marco, vc continua atento à vida e aos fazeres do povo no Congresso e alhures.
ResponderExcluirSem dúvida, o texto transformado em lei é recheado de equívocos cabeludos. Leia o Art. 3º, item III.
É um perigo essa generalização. Capaz de considerarem repentista o cara que morre de repente...
ResponderExcluirHahahaha.
ResponderExcluirGrande Zanfra!
O risco é grande.