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domingo, 10 de novembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (146)

Pessoa morreu de morte natural, ao contrário de Quental e Carneiro, que suicidaram-se.
José Régio, negro de grande inspiração poética, marcou época em sua terra e em boa parte da Europa. Dele é o poema Monólogo a Dois:

Sábia talvez inconsciente,

Doseando com volúpia, uma ancestral sofreguidão,

Ali onde o desejo mais me dói, mais exigente,

Me acaricia a tua mão.

De olhos fechados me abandono, ouvindo

Meu coração pulsar, meu sangue discorrer,

E sob a tua mão, na asa do sonho, eis-me subindo

Àquele auge em que todo, em alma e corpo, vou morrer…


Régio, além de poemas, escreveu contos situados no campo do sagrado e do profano. Exemplos são os livros Sorriso Triste e O Vestido Cor de Fogo.

Em 2020, Samara Mariana Cândida da Silva desenvolveu dissertação de mestrado sobre a sua obra apresentada à Universidade Federal de Goiás. Lá pras tantas, destaca:


A sutileza erótica presente nos contos de José Régio permite refletir acerca do paradoxo que engloba corpo, carne, amor e reprodução. Um matrimônio segurado somente pelos filhos e pela convenção social de que devemos construir uma família, não é capaz de completar a existência do ser humano, assim como também não lhe permite preencher tal vazio que o 

acompanha. 

A plenitude divina não se dá somente pelas orações e templos religiosos, mas acontece no encontrar-se, no compreender-se, no desvendar do significado do corpo que está para além do físico, que se configura no metafísico, que permite ser morada do sagrado e que contemple o desejo erótico sem necessariamente estar cometendo um pecado que lhe acarrete em uma condenação eterna.


E Florbela Espanca, hein?

Ela era altamente depressiva. Sua boca parece que não fora feita pra sorrir. Estava sempre fechada. Mesmo triste escorregando pelos cantos da parede, Florbela escrevia sobre o amor o tempo todo sem, porém, se cansar. Um dos seus poemas, Fanatismo, foi musicado pelo cantor e compositor cearense Raimundo Fagner, em 1981. Fez sucesso.

Dessa autora, que findou-se por iniciativa própria em 1930, é o poema Nervos d'Oiro:


Meus nervos, guizos de oiro a tilintar

Cantam-me n'alma a estranha sinfonia

Da volúpia, da mágoa e da alegria,

Que me faz rir e que me faz chorar!

Em meu corpo fremente, sem cessar,

Agito os guizos de oiro da folia!

A Quimera, a Loucura, a Fantasia,

Num rubro turbilhão sinto-As passar!

O coração, numa imperial oferta,

Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mão,

É uma rosa de púrpura, entreaberta!

E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,

Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são

Toda a Arte suprema dos meus versos!


Foto e Ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

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