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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

MAMÃE EU QUERO, 80 ANOS



No dia 17 de dezembro de 1936, Jararaca entrou no estúdio da extinta gravadora Victor, no Rio, e gravou Mamãe Eu Quero, de sua autoria e de Vicente Paiva. Com os dois somou-se o cantor e pandeirista Henrique Foréis, que ficaria conhecido pelo apelido de Almirante.
Mamãe Eu Quero, lançada no carnaval de 1937, foi a primeira marchinha a alcançar sucesso em todo o País. Foi também a primeira marchinha a ser gravada no estrangeiro, em inglês. Essa marchinha serviu de trilha sonora para vários filmes americanos. No seriado Tom e Jerry, a Marchinha de Jararaca aparece sem perder a graça. Confiram:



A marchinha traz o carimbo da graça, da ironia, tanto na letra quanto na melodia.
A troça em diálogo não existia originalmente na letra. Surgiu no calor do improviso, por iniciativa de Almirante.
Centenas e centenas de marchinhas vieram depois.
Na verdade, antes e depois de Mamãe Eu Quero.
Noel Rosa mesmo chegou a compor marchinhas, com João de Barro inclusive. As Pastorinhas, por exemplo.


Os cariocas Almirante, Noel, João de Barro e o potiguar Henrique Brito, cantor e violonista, formavam um conjunto musical até o começo dos anos de 1930. Chamava-se o Bando dos Tangarás.
Noel Rosa morreu no dia 4 de Maio de 1937 com 26 anos, quatro meses, três semanas e dois dias, mas essa é outra história.
Comecei o texto falando de Mamãe Eu Quero, pois bem, espantou-me outro dia a notícia que dava conta de moralistas em movimento tentando cercear a livre expressão musical. Eles queriam que ninguém cantasse algumas das marchinhas que tanto sucesso fizeram no passado e ainda fazem, como Nega do Cabelo Duro, Mulata Assanhada, Cabeleira do Zezé, Maria Sapatão...
Pôxa, quanta idiotice!
O que as marchinhas citadas trazem no seu bojo é história, o comportamento de um tempo, não é mesmo?
Na relação dos moralistas que querem apagar o passado musical do Brasil faltaram Dá Nela, Emília, Amélia. Aliás, será que esses sujeitos teriam coragem de chamar Mário Lago - Grande Mário Lago - de machista? De preconceituoso, e outras expressões comuns na cartilha do politicamente correto.
As marchinhas eram muito comuns nos chamados carnavais de salão que parecem ter se acabado.
Fico imaginando os foliões de rua, de blocos, cantando e pulando Nega do Cabelo Duro. Não dá, né?
Questão de bom senso e falta de ritmo, óbvio.
As letras horrorosas, sem ritmo, sem rima, sem graça do funk, essas sim deveriam ser abolidas, melhor, nem deveriam ter sido feitas. Por que? Pela razão já expressa: falta de ritmo etc. E boa qualidade, porque a qualidade do funk é péssima, mas há quem goste, fazer o quê? E quem gosta que se esbalde...
Já falei muitas vezes a respeito de Carnaval, Marchinhas etc. Clique:



 



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

MÁSCARA NEGRA, 50 ANOS


A marcha rancho Máscara Negra de Zé Kéti e Pereira Matos, está completando 50 anos de lançamento. Desde então, nenhuma outra marcha rancho alcançou t6anto sucesso e ficou marcada definitivamente na memória popular.
No bojo dessa música há muitas histórias, inclusive uma que tinha Zé como plagiário.
Máscara Negra foi gravada primeiramente pelo próprio Zé Kéti, no lado A de um compacto simples lançado em janeiro de 1967 pelo selo mocambo, da extinta gravadora pernambucana Rozenblit.
Depois de Zé, foi Dalva de Oliveira a segunda pessoa a gravá-la.
A paulista Dalva de Oliveira foi a cantora popular mais importante do Brasil, até hoje.
Em 1966, Zé Keti inscreveu Máscara Negra e mais 15 músicas de sua autoria no Festival Internacional da Canção. Nenhuma das músicas do compositor foi classificada. No mesmo Festival, foram também rejeitadas músicas inéditas de Pixinguinha em parceria em comum com o cronista Rubem Braga. Quer mais? Pois bem, os organizadores do Festival, ainda insatisfeitos, também disseram não a inéditas assinadas por Nelson Sargento e Ismael Silva, fundador, em 1928, da primeira Escola de Samba do Brasil, a  Deixa Falar.
Zé Kéti, carioca de Inhaúma, teve a primeira música gravada em 1946. O seu repertório é amplo.
Uma vez mostrei a Zé uma versão de Máscara Negra em Inglês. Ele emocionou-se, pois nunca foi comum as editoras musicais comunicar a seus artistas as gravações estrangeiras de suas obras.
Pois é, é carnaval.
Na última década do século passado, andei entrevistando os imortais Braguinha , Nássara e Zé Kéti. Essas entrevistas foram publicadas originalmente no Jornal de  Brasília. Confira:




domingo, 26 de fevereiro de 2017

CARNAVAL, SAMBA E CORDEL

Ouço no rádio e na televisão que o tempo é de Carnaval e que o povo, todo feliz, está brincando nas ruas. É verdade ou é mentira?
Ouço no rádio e na televisão notícia que diz que o Carnaval é a festa de maior liberdade popular.
Verdade ou mentira?
Ouço no rádio e na televisão repórteres e apresentadores dizendo que o Carnaval é do povo. Verdade ou mentira? 
Ouço no rádio e na televisão notícia que dá conta do aumento estrondoso de blocos na rua.
É verdade ou mentira?
Tudo mentira, à exceção, talvez da última informação.
Notas na imprensa informam que, em São Paulo, o número de blocos de carnaval nas ruas subiu cerca de 37% se comparado ao ano passado: de não sei quanto foi para 381.
No Rio, o número de blocos também aumentou. Não sei quanto.
O Cordão do Bola Preta, no Rio; o Bloco Muriçocas de Miramar em João Pessoa, PB; e o Galo da Madrugada, em Recife, PE, continuam arrastando multidões de foliões. 
Nesses grupos eu vejo autenticidade de festa popular. No mais é negócio.
Muita grana rola no Carnaval.
As escolas, mesmo com a crise, continuam brilhando.
Os temas são invariavelmente os mesmos e os destaques femininos também. 
A primeira escola de samba de que se tem notícia no Brasil foi criada em 1928, por Ismael Silva e outros bam bam bans, no Rio de Janeiro.
Em São Paulo, a primeira escola de samba foi criada em 32, por uma mulher de nome Deolinda Madre, conhecida como Madrinha Eunice, que existe até hoje.
Até os anos 70, 80, muitos temas foram desenvolvidos com muita categoria e, por isso, muitos deles se tornaram clássicos.
Em 1973, a escola de samba Em Cima da Hora, do Rio, entrou na avenida cantando o enredo O Saber Poético da Literatura de Cordel. Perfeito, mas não ganhou. Clique:
 
Em 1986, também no Rio, a escola de samba de Vila Isabel encantou a multidão com o mesmo tema abordado pela Em Cima da Hora.
Em 2012, foi a vez da Acadêmicos de Salgueiro encantar o público ao trazer de volta a temática do Cordel. Eu gostei e certamente muita gente gostou também. O Nordeste é constituído por 9 Estados, sua área é de pouco mais de 1,5 milhão de km².
O Nordeste, parafraseando o mineiro Guimarães Rosa está em toda parte, no rádio, na televisão, no jornal, na revista, nas universidades, nas ruas e no coração de gregos e troianos, ou seja, no mundo inteiro, Viva o Nordeste, Viva o Cordel!
Mas o Carnaval não é mais do povo. Há muito tempo deixou de ser do povo. Virou negócio que gira bilhões de reais. É coisa prá turista e gente endinheirada. Não é mesmo?
O Rio de Janeiro recebe, nesse período, cerca de 2 milhões de turistas. Todo mundo lucra com isso, menos o povo. O povo hoje, ao contrário de anos atrás, se quiser participar do desfile das escolas, tem que pagar, claro, infelizmente.
Nas arquibancadas dos sambódromos e, principalmente, São Paulo, não é raro enxergarmos lugares vazios.
Quanto ao som, ao samba, esse é um item muito especial: o que se ouve no Rio, ouve-se em São Paulo.
Estou ouvindo Bach e Chopin...

sábado, 25 de fevereiro de 2017

O MACHISMO NO CORDEL E NO REPENTE

O machismo é uma praga que existe desde sempre, mesmo antes de Cristo. No original, há machismo a dar com pau nos dez mandamentos apresentado ao mundo por Moisés. 
Tem escrava branca e escrava preta.
o machismo atua em todas as áreas do cotidiano, incluindo  artes e literatura. 
No campo do repente e do cordel, o machismo é visível até hoje
Algumas mulheres se rebelam, viram bicho prá defender seus pontos de vista.
Em Portugal, tomei conhecimento de uma dessas mulheres incríveis. Seu nome: Maria Marques de Souza, apelidada de Maria Barbuda( 1869-1948).
Na literatura brasileira, as mulheres começaram a quebrar o pau no Maranhão e no Rio Grande do Norte, ali pela metade do século 19, conheço pessoalmente mulheres fant´pasticas, na literatura de cordel e no improviso poético feito ao som da viola. Entre essas mulheres, Mocinha de Passira, Minervina Ferreira e Maria Soledade. Abaixo, clique:



No cordel, a primeira a manifestar-se, foi Maria das Neves Batista, filha do repentista Francisco das Chagas Batista.
Maria das Neves, a Nevinha, publicou o seu primeiro folheto no ano de 1938. Detalhe, com o pseudônimo Altino Alagoano.
O Altino aí era o nome do marido, cujo nome era Pimentel.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

DOMINGOS CALDAS BARBOSA, TINHORÃO E CORDEL

Atenção amigos e inimigos daqui e d´além mar! Espalhem a boa nova: há livro novo de Tinhorão na praça. Intitula-se Domingos Caldas Barbosa, o Poeta da Viola, da Modinha e do Lundu (1740-1800).
E mais do que depressa, aviso: a pérola pode ser achada nas boas casas do ramo, tanto de Portugal quanto do Brasil, portanto a ela só não terá acesso quem não quiser ou for doido, besta ou analfabeto de pai e mãe, pois verdade seja dita: não há desculpa que possa justificar a sua não-leitura.
Dito isto, digo mais: um dos caminhos que levam ao prazer do conhecimento histórico do Brasil, a partir da música, traz o nome completo escrito em letras de fogo: José Ramos Tinhorão, autor de vintena e meia de livros que poderiam também ser achados nas escolas públicas e privadas do País, como leitura extracurricular.
Em Portugal, Domingos Caldas Barbosa, o Poeta da Viola, da Modinha e do Lundu (1740-1800) foi lançado em clima pomposo pela Editorial Caminho; e no Brasil, discretamente, pela Editora 34. Uma questão de estilo, certamente...
Nesse novo mergulho na traiçoeira e embolorada poeira do tempo em busca de novidades históricas, o resoluto Tinhorão traça um perfil completo do poeta e violeiro Domingos Caldas Barbosa, que se tornou padre em Portugal e protegido dos nobres da família Vasconcelos e Sousa. Caldas Barbosa era filho de um português e de uma africana alforriada nascida em Angola. Para escrever o livro Domingos Caldas Barbosa, o Poeta da Viola, da Modinha e do Lundu (1740-1800), o seu autor demorou anos fazendo pesquisa nos arquivos públicos do Brasil e de Portugal. Fez isso por iniciativa e esforço próprios, como é do seu feitio; sem favores, sem facilidades ou benesses quaisquer do Estado corroído pela praga da corrupção política.
Com a fé e a paciência de Jó aliadas à perspicácia sem limites de Sherlock, Poirot e Morse juntos, o incansável pesquisador, sempre conclusivo nos seus trabalhos, inteirou-se de tudo ou quase tudo quanto foi escrito —e publicado — sobre o personagem cuja vida escolheu para deslindar. Da sua leitura crítica e arqueológica não escaparam raridades como Domingos Caldas Barbosa, de Levy Santos (Typ. G. Leuzinger, 1880), Caldas Barbosa, de Luís da Câmara Cascudo (Livraria Agir, 1958), Domingos Caldas Barbosa: Compositor e Tangedor de Viola?, de Manuel Morais (sem indicação de editora e ano da publicação) e A Musa Encomendada: Caldas Barbosa e a Poética Neoclássica, tese bem feita de doutorado assinada por Adriana de Campos Rennó, professora de Teoria da Literatura da Universidade Estadual Paulista, Unesp.
Domingos Caldas Barbosa nasceu no Rio de Janeiro a quatro de agosto de 1738, como dizem uns; ou nesse dia e mês de 1740, como acredita o autor, e morreu em setembro ou novembro de 1800, em Lisboa, como ainda se especula.
Por falta de informações confiáveis, sequer se sabia, até agora, o nome dos seus pais: Antônio, que era funcionário da Fazenda em Angola; e Antônia de Jesus, de acordo com as pesquisas do autor.
O biografado de Tinhorão não tinha sequer 30 anos de idade quando deixou o Brasil para estudar leis e cânones na Universidade de Coimbra, Portugal, após formar-se mestre de Artes no Colégio dos Jesuítas, no Rio. Era um bon vivant, boêmio, músico e poeta de boa qualidade que se sentia bem presenteando seus tantos admiradores com versos improvisados ao som de uma viola de arame que ele mesmo tocava com prazer e maestria.
Tercetos e quadras eram as formas poéticas de que mais gostava. Exemplo:
Tem nhánhá certo nhônhô
Não temo que me desbanque Porque eu sou calda de açúcar
E ele apenas mel de tanque.
Com a viola colada no peito e se apresentando em todo e qualquer lugar aos quais era chamado, Domingos Caldas Barbosa, sem dúvida o primeiro artista popular brasileiro a fazer sucesso e a se sair bem no exterior, a partir da corte de Maria I, A Piedosa, acabou despertando a inveja de alguns contemporâneos, como o satírico e pornográfico poeta Manuel Maria du Bocage (1765-1805), um ás na arte de ridicularizar e destruir os adversários. Da sua ira e garras não escapou Barbosa:
Nojenta prole da rainha Ginga,
Sabujo ladrador, cara de mico,
Loquaz saguim, burlesco Teodorico,
Osga torrada, estúpido rezinga;
E não te acuso de poeta pinga; 
Tens lido o mestre Inácio e o bom Supico;
De ocas idéias tens o casco rico,
Mas teus versos tresandam a catinga...
No primeiro dos dois tercetos que encerram esse poema (Soneto ao Árcade de Lereno), Bocage parece também ter feito questão de não economizar nos adjetivos para desbancar o seu desafeto, como se vê aqui: "cafre", "néscio", "parvo" e "trampa". Palavrões.
Embora considerado uma estrela de primeira grandeza da viola e do repentismo lusitanos da era setecentista, Domingos Caldas Barbosa (ou Lereno Selenuntino, pseudônimo que adotou após aderir a Arcádia Romana), deve ser lembrado como idealizador das tertúlias e inspirado autor e intérprete de lundus e modinhas; principal divulgador da modinha como gênero musical e criador do próprio termo (modinha) popularizado em Portugal e em terras vizinhas, antes de virar moda no Brasil do século XIX e meados do século XX.
Caldas Barbosa, tradutor de Voltaire e de outros grandes nomes da literatura mundial da sua época, foi o primeiro erudito, a rigor sem formação acadêmica, que melhor traduziu e mostrou a alma brasileira em Portugal, cantando a graça das mulatas, os amores e a saudade que deixou para trás.
Cuidei que o gosto de amor
Fosse sempre o mesmo gosto
Mas um amor brasileiro
Eu não sei porque é mais doce.
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Coração, que tens com Lídia?
Desde que seus olhos vi,
Pulas e bates no peito
Tape, tape, tape ti;

Coração não goste dela
Que ela não gosta de ti
Em meio a suas pesquisas, Tinhorão encontrou textos inéditos de Caldas Barbosa; um dedicado "A El Rey N. Senhor" e outro "A Rainha e N. Senhora", por exemplo. Encontrou também curiosidades do mundo da literatura de cordel. Nesse ponto — eu acredito — é mais do que certo que o leitor não deixará de fazer paralelo com o Brasil dos dias de hoje, ligando o cordelista leiriense-lisboeta José Daniel Rodrigues da Costa (1757-1832) ao cordelista paraibano João Melquíades Ferreira da Silva (1869-1933), autor controverso de algumas histórias clássicas da literatura popular, como O Pavão Misterioso.
Confiram.
A importância do personagem biografado e analisado por José Ramos Tinhorão no campo da música popular pode ser avaliada pela obra que deixou reunida em dois pequenos volumes, intitulados Viola de Lereno, publicados em Portugal nos anos de 1798 e 1826, respectivamente.

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