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quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

SÃO PAULO EM PROSA, VERSO E MÚSICA (2)

A história é antiga: na manhã do domingo de 25 de janeiro de 1554, por determinação do jesuíta Manuel de Nóbrega (1517-1570), era celebrada a primeira missa em solo paulistano. O celebrante foi o padre Manoel Paiva e o ajudante, José de Anchieta. Estava, pois, com a missa, inaugurada a Vila de Piratininga. 
Por um desses acasos, o 25 de janeiro foi o dia escolhido pela Igreja para homenagear Paulo de Tarso, que virou santo com o nome de São Paulo. 
Esse Paulo, também chamado de Saulo, foi um histórico perseguidor de cristãos convertido ao cristianismo após uma visão que o teria levado à cegueira momentânea, em Damasco. Mas essa é outra história. 
A cidade de São Paulo, capital do Estado de São Paulo, é hoje a quarta maior do mundo. A sua população gira em torno de 15 milhões de habitantes. 
Todas as capitais do Brasil têm bandeiras, brasão de armas e hinos oficiais. 
São Paulo não tem hino. O Estado tem e é de autoria do poeta campinense Guilherme de Almeida (1890-1969). 
Muita água passou por debaixo da ponte, ou das pontes, desde então. São milhares e milhares de logradouros. 
Mais de 50 mil entre travessas, ruas, avenidas e viadutos. 
Dividida em cinco regiões, São Paulo tem no seu território 96 bairros. O mais populoso, o Grajaú, na zona sul, com cerca de 500 mil habitantes. O menos populoso também fica nessa região, Marsilac, com aproximadamente 8 mil moradores. São Paulo em prosa, verso e música José de Anchieta Manoel da Nóbrega. 
Há muitas curiosidades em torno da capital paulista. 
O bairro da Liberdade, fundado em 1905, era conhecido como o bairro dos escravos. Foi nesse bairro que nasceu a primeira escola de samba: Lavapés, em 1937, em plena ditadura Vargas. 
À medida que a cidade ia crescendo, iam também surgindo jornais e revistas. E muitos livros contando a sua história. 
Em 1954, ano do Quarto Centenário da cidade, o jornalista e escritor Afonso Schmidt (1890-1964) publicava o livro São Paulo de Meus Amores, em que diz: 

Certo dia, chegou-me aos ouvidos aquela proposta: trabalhar num matutino, ganhando 450$000 mensais. E, na manhã de 5 de julho de 1924, ao acordar-me, comuniquei aos meus botões:
— Hoje, sim, vou mudar de vida! E mudei sim, mas antes não mudasse. Quando cheguei à Praça Antônio Prado, notei um diz-que-diz-que, um corre-corre. Logo depois, a cidade estava revolucionada. Pipocar de tiros no bairro da Luz, troar de canhões no bairro de Pinheiros. Boatos e mais boatos. Sustos e correrias. Um pandemônio. Hoje lembro, com saudade, aqueles primeiros anos da Folha da Noite...
 

(ver íntegra em Aquela redação, ou na parte 5) 

Schmidt fazia referência à Revolução de 1924, que durou menos de um mês. 
Em 1957, o escritor e advogado Jorge Americano (1891-1969) publicava o livro São Paulo Naquele Tempo. Nesse livro, uma reunião de crônicas, pode-se ler sobre as enchentes ocorridas na cidade desde o começo de 1900:

Chovia desesperadamente desde outubro. Quando as crianças chegavam da escola tiveram os sapatos e as meias encharcadas, faziam-lhes fricções nos pés com toalhas felpudas e calçavam outras meias e sapatos. Enchiam-nos os sapatos molhados com pedaços de jornal.  

(ver íntegra em As enchentes (1902 ?), ou também na parte 5

Há muitos livros cuja leitura é indispensável à compreensão do surgimento e crescimento de São Paulo. Recomendados: A Revolução de 32, de Hernâni Donato; Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista de 1932, de Euclydes Figueiredo; Dicionário de História de São Paulo, de Antonio Barreto de Amaral; Saudades de São Paulo, de LéviStrauss; e Câmara Municipal de São Paulo, de Délio Freire dos Santos e José Eduardo Ramos Rodrigues.
As discrepâncias, contradições, atrasos, progressos e importância de São Paulo não poderiam deixar de ser também contadas em composições musicais. 
É uma história longa. 
Tudo começou quando fui convidado por Wladimir Araújo, editor do extinto D.O. Leitura, para escrever uma reportagem sobre a música feita em homenagem à cidade de São Paulo. 
O D.O. Leitura era uma publicação de estudos brasileiros de circulação mensal, bancada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. 
É bom que se diga que até então, e falamos de 1990, nada havia sido escrito a respeito. 
Na primeira incursão ao passado musical de São Paulo levantei cerca de 200 títulos, entre os quais o samba-canção Ronda, de Paulo Vanzolini, que meio mundo conhece de cor e salteado, e que foi originalmente gravado e lançado em disco pela cantora paulistana Inezita Barroso (1925-2013), em 1953. Procurei mais e achei um LP dos fins de 1960, no qual o seresteiro Sílvio Caldas cantava com sua voz macia pérolas do grande Lauro Miller. Na contracapa, um texto de Guilherme de Almeida, O Príncipe dos Poetas, O Poeta de 32 como era chamado, dava ao disco um valor especial. E não custa lembrar que, anos antes, o mesmo Silvio ganhara em concurso musical, promovido pela Excelsior, hoje CBN, para escolher um hino ao Quarto Centenário. Ganhou com Perfil de São Paulo, do juiz e boêmio barretense Francisco de Assis Bezerra de Menezes (1915-1995). 
 
 
Ainda durante a pesquisa, deparei-me com a canção São São Paulo, de Tom Zé, vencedora do IV Festival da Música Popular, promovido pela Record, cujo prêmio em dinheiro – a título de curiosidade – ele jamais recebeu. 
Mais à frente encontrei Sampa. Pronto, não demorou e fechei as duas páginas para que fui desafiado a preencher. 
Depois disso, achei partituras e notas em periódicos já extintos. 
O Correio Paulistano, por exemplo, edição de 6 de agosto de 1862, noticiou a existência de um álbum intitulado Melodias Paulistanas, formado por 12 peças para canto e piano, do padre Mamede José Gomes da Silva, diretor do Liceu Paulistano e amigo de Antônio Carlos Gomes, autor de um hino aos estudantes de Direito do Largo de São Francisco: À Mocidade Acadêmica, em parceria com o poeta Bittencourt Sampaio. A propósito, não custa acrescentar, que o referido Bittencourt também foi o autor da letra da melodia de Gomes, intitulada Quem sabe. 
Mas, antes de Mamede e Carlos Gomes, houve quem louvasse a inspiradora cidade: os religiosos Calixto e Anchieta Arzão, em Missa a São Paulo, de 1750. 
Em 1823, o músico Bento Maurício Arcade compôs Águas do Anhembi. Hoje constato o crescimento espantoso do meu acervo pessoal no tocante a músicas que tratam especialmente da capital paulista: mais de três mil títulos, já catalogados em ordem alfabética por autor, intérprete e data. E em todos os ritmos, do samba ao xote, forró, tango, canção, valsa, marcha, dobrado, rap e até poemas sinfônicos. 
Ruas, avenidas e viadutos receberam e continuam recebendo a atenção de muitos compositores. 
O Brás e a Mooca são os bairros mais cantados. 
Na letra do Hino Nacional há referência ao riacho do Ipiranga, que mais tarde daria nome ao bairro − lembro isso apenas como curiosidade. Mas há muitas outras curiosidades no repertório musical referente à capital dos paulistas, como o título São Paulo repetido 45 vezes e outro, 13: São Paulo Antigo. O Corinthians é o time mais cantado da cidade: mais de 100 vezes. 
O compositor mais frequente é o baiano Tom Zé, com mais de 30 músicas. E o segundo, o paulista de Valinhos Adoniran Barbosa, com 22. 
Adoniran é o mais rapidamente reconhecido autor de músicas de São Paulo. Entre os títulos que deixou estão Saudosa Maloca, Samba do Bixiga, Trem das Onze, Praça da Sé, Iracema e Tiro ao Álvaro, que a cantora gaúcha Elis Regina gravou em 1978. 
E é claro que há muitos grupos musicais que cantam São Paulo. O mais antigo deles é Demônios da Garoa. 
Foi o Demônios que lançou Saudosa Maloca, por exemplo. 
Não custa lembrar que o grupo Demônios da Garoa é o mais antigo em atividade ininterrupta no mundo. Essa façanha está registrada no Guinness Book. E, curiosidade por curiosidade − e isso poucos sabem −, o Demônios tem LPs lançados em Argentina, Uruguai e França. Esses discos, hoje raríssimos e jamais lançados no Brasil, estão nas prateleiras do meu acervo. 
Até na onda da Bossa Nova o Demônios da Garoa entrou. E no programa Tão Brasil, que apresentei na allTV, o grupo não se fez de rogado e mandou ver no ritmo da Bossa de Tom e João Gilberto. 
Na verdade, poucos são os autores brasileiros de sucesso que não compuseram sobre São Paulo.
 

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